Cerca de 150 emigrantes lesados do ex-BES/Novo Banco voltaram a manifestar-se este sábado, em Paris, apesar de apenas sobrar “10 por cento de esperança” em reaver as “poupanças de uma vida”, disse à Lusa Maria Yulug, uma das manifestantes.

“Venho aqui para arranjar moral porque em casa sozinha é difícil. Quando estou ao pé de pessoas que têm o mesmo problema que eu sinto-me reconfortada. É a esperança. O pouco de esperança que há. Dez por cento de esperança”, descreveu a portuguesa de 58 anos, que trocou Cascais por Paris com 19 anos.

Maria Yulug diz que perdeu “40 anos de trabalho” e que hoje continua a trabalhar “de costas partidas e com morfina”, tendo deixado “de acreditar em Portugal” e tendo “vontade de mudar de nacionalidade”, porque tem “vergonha de ser portuguesa” e “Portugal está abaixo de zero”.

Os lesados concentraram-se no 9.º bairro, perto da Ópera de Paris, onde estão sediados alguns bancos portugueses, gritando “justiça” e empunhando cartazes a indicar “retirem o dinheiro dos bancos portugueses” ou “quem comprar o Novo Banco terá que nos pagar”.

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Aníbal Costa copiou para o seu cartaz uma frase de José Saramago: “Portugal não tem partidos de direita, de esquerda, de nada. Tem um bando de salafrários que se reúnem para roubar juntos”.

Para o emigrante de 65 anos, que foi em 1968 para Paris, “os salafrários são os políticos, são sempre os mesmos ladrões”.

“Cavaco e o primeiro-ministro antigo disseram que não havia dificuldade nos bancos e viu-se no que deu”, disse, rindo-se quando questionado sobre se acredita poder reaver os 120 mil euros que tinha no ex-BES: “Eu gostava, mas para dizer francamente, acho que vai ser muito difícil!”

A manifestação foi convocada pela Associação Movimento dos Emigrantes Lesados Portugueses (AMELP), alegando que a situação [dos lesados] “continua num impasse”, “mesmo depois das declarações que foram feitas no 10 de junho e sobretudo no 11 de junho em Champigny pelo senhor primeiro-ministro e pelo senhor Presidente da República” disse à Lusa Helena Batista, vice-presidente da AMELP.

“Como não há solução à vista para estas duas mil pessoas que não aceitaram a solução que lhes foi apresentada no mês de agosto passado, nós temos que continuar a nossa luta e continuar a fazer pressão para reavermos as nossas economias. Por outro lado, como o banco está numa fase de pré-venda, também queremos alertar os interessados e os futuros compradores que têm um problema por resolver com os clientes do ex-BES”, declarou Helena Batista.

A porta-voz dos emigrantes lesados adiantou ainda que “o boicote” ao envio de remessas para Portugal continua e explicou que vai ser feita “uma grande manifestação nacional em Lisboa”, em agosto, convidando “todos os que sentem lesados pelo sistema bancário” a aderirem ao protesto e “a pedir a demissão do senhor governador de Portugal”, sublinhando que “é inadmissível aquilo que se tem passado nos últimos anos nos bancos portugueses”.

Ana Fernandes também participou em todas as manifestações dos lesados do BES em Paris e escreveu uma carta ao jogador da selecção portuguesa Cristiano Ronaldo, em nome da AMELP, a pedir a sua intervenção, uma vez que o Novo Banco é patrocinador da seleção nacional de futebol.

“Ele fez publicidade para o BES. Cristiano Ronaldo é um herói para os portugueses em geral e para os emigrantes muito mais. O que eu pensei foi dizer-lhe para ele, hoje, tomar uma posição, para interceder”, indicou a escritora de 55 anos, argumentando que a seleção poderia recusar o patrocínio [do Novo Banco] porque “devem dinheiro a pessoas que estão com problemas graves, na miséria”.

Maria Rosa Carrilho descreveu que o BES lhe “roubou mais de oitenta anos de trabalho”, somando os 44 anos de trabalho do marido e os seus 42 anos do trabalho.

“Vim para França na desgraça e vou para Portugal ainda mais desgraçada do que vim. Vivo mal e com muita tristeza. Nem durmo. Fui roubada de todas as minhas economias e do meu marido”, indicou a portuguesa de 66 anos, natural da Guarda, que está em França desde os 19 anos.

Aos 58 anos, Prazeres Felgueiras suspira de alívio por não ter investido todas as poupanças no ex-BES, mas, ainda assim – afirma -, “uma boa parte das economias estão lá” e pensa vender alguns bens em Portugal e levar para França as economias que lhe sobraram.

“Conto com a justiça. Fizemos muito por Portugal e não há razão que não o façam pela gente”, concluiu a portuguesa de Monção, de 58 anos, a viver há 38 em França.

Após a resolução do BES, a 04 de agosto de 2014, os emigrantes lesados ascendiam a 8.000, num total de 728 milhões de euros de dinheiro investido.

No verão do ano passado o Novo Banco propôs uma solução comercial aos emigrantes detentores de vários produtos comercializados pelo BES (Poupança Plus, Top Renda e Euro Aforro) que permitia a recuperação faseada da quase totalidade das aplicações. A solução teve acolhimento por parte de 80% desses clientes, mas por resolver ficou o caso dos emigrantes que não aceitaram a proposta, cerca de 2.000.