O Bloco de Esquerda quer que os desempregados deixem de estar obrigados a apresentar-se de 15 em 15 dias nos centros de emprego e, este domingo, Catarina Martins anunciou que o acordo com o Governo para a revogação desta medida estava fechado. O tema vai ser debatido esta quarta-feira no Parlamento mas o projeto de lei do BE não deverá ser votado para já, baixando à comissão especializada de forma a dar mais fôlego às negociações. É que o Governo ainda deixa muitas janelas em aberto antes de fechar a porta: admite alterações ao modelo de controlo dos desempregados subsidiados, mas não garante o fim das apresentações obrigatórias, não abdicando da “fiscalização” para combater os abusos e a fraude.

É um pau de dois bicos. E já deu origem a alguns avanços e recuos. Na última quarta-feira, no Parlamento, o secretário de Estado do Emprego começaria por dizer que o Governo “não estava disponível para abdicar de mecanismos de controlo efetivo de desempregados” e que, no máximo, poderia estar disposto a “complementar a apresentação quinzenal” com outra componente mais formativa de “acompanhamento” do desempregado.

Contudo, perante o anúncio feito pela líder bloquista dias depois a garantir, na reunião magna do partido, que já havia “acordo com o Governo” para “acabar com a humilhação da apresentação das apresentações quinzenais”, o mesmo governante, Miguel Cabrita, viria no dia seguinte a fazer declarações ao jornal Público afirmando a disponibilidade do Governo para mexer na lei — implementada em 2006 pelo atual ministro da Segurança Social, Vieira da Silva.

Ao Observador, fonte do Ministério reafirma que o Governo não abdica da “necessidade de fiscalização” para combater a tendência de fraude, mas admite ajustes na periodicidade das apresentações ou na complementaridade de modelos. Ou seja, em vez de 15 dias podem ser mais, e em vez de o funcionário do Estado se limitar a “pôr um carimbo” pode fazer outro tipo de acompanhamento, mas os desempregados subsidiados não deixarão de ser convocados com caráter obrigatório. “O objetivo é não haver só a vertente administrativa mas também uma vertente mais formativa”, sublinha.

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Em causa estão alterações propostas pelo BE ao decreto-lei 220/2006, que atualmente obriga os beneficiários das prestações de desemprego a deslocarem-se de quinze em quinze dias aos centros de emprego, aos serviços de Segurança Social ou às Juntas de Freguesia, que têm protocolos para esse efeito. A ideia é obrigar o cidadão desempregado a comparecer a um serviço do Estado para provar que não está no estrangeiro ou noutra cidade a trabalhar, acumulando o trabalho não declarado com o subsídio do Estado. Duas faltas de comparência a este controlo obrigatório implicam a perda do direito ao subsídio.

O Bloco de Esquerda, que apresentou em janeiro a proposta para revogar esta obrigatoriedade e a respetiva penalização, qualifica a medida de “uma humilhação inútil”, lembrando que os desempregados já estão obrigados a comunicar ao centro de emprego a alteração de residência e o período de ausência do território nacional. Ao Observador, o deputado José Soeiro, autor do projeto, classifica a medida de “um procedimento burocrático sem sentido”, que ficou “ainda mais esvaziado quando o Governo deu às Juntas de Freguesia a competência para fazer essa fiscalização”, não tendo os funcionários “qualificação” para o efeito. Para o deputado bloquista trata-se apenas de “pôr um carimbo” na ficha do desempregado, pelo que defende ser necessário “conferir alguma utilidade e conteúdo às apresentações periódicas”. “Não faz sentido uma pessoa ser chamada quando do centro de emprego não têm nada para lhe dizer”, acrescenta.

Vieira da Silva reverte Vieira da Silva

O dedo é apontado diretamente ao atual ministro socialista Vieira da Silva, que era o ministro que tutelava a pasta do Trabalho e Segurança Social em 2006 quando a obrigatoriedade das apresentações quinzenais entrou em vigor, sendo agora o mesmo ministro que está disposto a altera a medida. “É uma cambalhota política flagrante, de partir a espinha”, acusa o deputado do PSD Adão Silva, defendendo a importância da medida como instrumento de combate à fraude e acusando o Governo de “estar nas mãos do Bloco de Esquerda”.

As prestações sociais onde mais fraude existe é no subsídio de desemprego”, afirma o deputado social-democrata responsável pela pasta, referindo-se aos casos dos trabalhadores que exercem trabalho não declarado na Segurança Social ao mesmo tempo que acumulam com o apoio do Estado.

Foi essa tendência para a fraude que levou o Governo, em 2006, a impor a obrigatoriedade das apresentações quinzenais. “Verificou-se que a fraude era muito acima daquilo que se esperava, pelo que havia a necessidade de credibilizar o subsídio de emprego“, diz ao Observador o ex-presidente do IEFP Francisco Madelino, que dirigia o instituto de emprego à data da entrada em vigor da medida.

Segundo o ex-dirigente, que defende a separação física do serviço da segurança social que deve fiscalizar o desempregado do serviço que o deve acompanhar na procura ativa de emprego, as apresentações periódicas obrigatórias, aliadas ao “cruzamento das bases de dados do IEFP com as da Segurança Social, que passou a ser feito na mesma altura”, contribuiu para reduzir a taxa de fraude e os abusos.

Atualmente, segundo os dados oficiais da Segurança Social, 232.838 pessoas recebem prestações de desemprego, sendo que no último ano, a falta de comparência consecutiva nas apresentações quinzenais foi uma das principais causas da redução do número de beneficiários desta prestação.

O debate desta quarta-feira no Parlamento, agendado pelo BE a título potestativo (obrigatório) vai contar com a presença do secretário de Estado do Emprego, Miguel Cabrita, que, ao que o Observador apurou, está a reservar para a ida ao hemiciclo mais detalhes sobre a posição do Governo no suposto acordo com o BE.