Ao lado do estádio em Bordéus, mas mesmo à beira, há um espaço cheio de relva. Parece um jardim público, ou um parque, ideal para a família levar o cão e ir passear a um domingo à tarde. As pessoas aproveitam, isto é tão raro como haver uma palmeira no meio de um deserto. Deitam-se, esticam-se na relva, param para um gole de conversa ou cerveja. Há seis tipos que aproveitam para jogarem à bola, engraçado. São três alemães contra três italianos, garrafas de plástico a fazerem de balizas. Foram cinco minutos, ou pouco mais, em que fico a olhar para eles.

Os de azul parecem melhores, a bola está mais com eles, há um que tem pés amigos da bola. Os loiros (yup, são os três) são maiores, mais altos, mais pesados e parecem mais velhos. Só vejo um golo, mesmo no fim, e foi mais ou menos assim: os italianos trocam uns passes, atacam, arriscam nos últimos metros, falham, os alemães roubam a bola e com três passes estão do outro lado a marcar. O jogo acaba, eles abraçam-se, sorriem, cumprimentam-se, é a alegria do futebol. Até ali, na brincadeira, ganham os de sempre. Mas aquilo é quase uma amostra do que se passa dentro do estádio.

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No jardim, entre adeptos, as peças encaixam. No relvado, no futebol a sério, também, porque a Alemanha talvez se tenha assustado com a Itália que viu engolir a Espanha e arma-se em espelho. Começa o jogo com três centrais e dois alas, cinco homens atrás, três no meio e dois na frente, como os fazem os italianos, tal e qual. Só que há diferenças, é aqui que se trocam as voltas à peladinha lá de fora. Porque a Itália, por muito que tenha toda a gente organizada, a defender bem, a correr muito, não tem o Kroos e o Boateng e o Hummels que lhe dão uma rotunda com três saídas para a bola, quando a têm. Isto faz toda a diferença quando se tem dois centrais que passam a bola como médios. Ainda para mais quando os italianos apenas têm duas saídas na única autoestrada que usam.

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Querem sempre sair pela esquerda ou pela direita, com a bola pela relva. Os médios não são chatos a pedir a bola, nem recuam. E ter Parolo a aparecer mais perto não é metade do que é ter De Rossi ou Thiago Motta, um lesionado e o outro suspenso por um amarelo. Os italianos juntam-se a De Sciglio e a Florenzi, tem de ser por ali, perto das linhas. Os germânicos topam os transalpinos, obrigam-nos a apostar no longo-prazo que é ir à procura de Éder ou Pellè, na frente, à espera que segurem bolas. O que acontece muito, culpa de os alemães pressionarem 20 metros à frente da linha do meio campo enquanto os italianos esperam 10 metros atrás dele, quando defendem. Um dos avançados quer sempre dar uma cauda a Kroos, é assim que mostram como os alemães têm bons passadores de bola em todo o lado. Não dá em Kroos, dá em Hummels, que até de trivela encontra Gomez que não domina por um triz (20’) nas costas dos centrais.

Isto de haver muita tática e estratégia para as equipas se anularem uma à outra é giro de constatar, mas aborrecido de ver. Ao intervalo há dois remates que acertam na baliza e o terceiro, que dá golo, não conta por culpa das mãos de Schweinsteiger, que puxam De Sciglio antes de a cabeça rematar para lá de Buffon. Os alemães não têm rapidez suficiente a fazer as coisas para deslocarem os italianos. E nem Müller faz melhor do que amansar a bola (41’) que lhe chega de duas trapalhadas (de Kroos e Özil) nas mãos de Buffon.

Os italianos apenas chegam à área de Neuer uma vez, quando Bonucci e Giaccherinni repetem o passe longo do central e a desmarcação do médio contra a Bélgica, só que o adormecimento alemão não é castigado pelo mau domínio do italiano e do remate torto de Sturaro (43’), na bola que vai ressacar para a entrada da área.

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Foto: EPA/VASSIL DONEV

O jogo está o contrário do lá de fora. A bola é mais dos alemães, os melhores pés são deles, o pouco risco que há em campo também se vê do seu lado. Continuam lentos a fazer passes, mas quem está à frente da bola começa-se a mexer. Gomez sprinta em diagonal, para a área, sempre que Kroos ou Schweinsteiger tem a bola do lado contrário, ali perto. Estes rasgos resultam, sabe-se lá porquê, mas o Barzagli, o Bonnucci e o Chiellini que costumam ser telepáticos ficam a achar que o outro vai e não se mexem. O pé esquerdo de Müller quase marca (54’). Coisa rara, estes italianos distraírem-se.

Não tão rara quanto isso. Foi pior ainda, quando a bola inofensiva que Gomez segura na esquerda, colado à linha, atrai Florenzi, Barzagli e Sturaro, demasiados homens a não ligarem à corrida que Hector lança nas suas costas, para a área. O avançado mete a bola, o lateral cruza, o médio marca (64’). Özil reage na área pela primeira vez no jogo e faz-me esquecer o que vi no jardim lá de fora. Aqui os alemães crescem, os italianos encolhem, os de branco forçam mais, fazem a bola correr, cansam-se menos. E este jogo não acaba no golo, continua com uma Itália montada para reagir e não agir por ela própria, como é preciso. Tenta fazê-lo, põe-se a jeito, abre espaços, quase lhe compensa quando Pellè ataca o primeiro poste e remata a bola rasteira de De Sciglio. O remata rasa o poste esquerdo quatro minutos antes de tocar na mão de Boateng.

O central que joga muito e não deixa um italiano correr com a bola no pé em direção a Neuer erra. Salta nas costas de Chiellina de peito para fora e braços abertos, à bailarina. O penálti que Bonucci assume e bate (77’) é à jogador calmo e com classe, que para a meio caminho do remate e estica tanto a bola que o Neuer esticado como um esparguete não chega. A Alemanha, que não parece cansada por preferir fazer a bola correr em passes, bloqueia no empate, deixa de arriscar. Fica mais lenta. Hector deixa Florenzi roubá-lo e partir num contra-ataque que acaba num remate de Pellè, ao lado (81’). De Sciglio, a quem as pilhas recarregam sozinhas, vai da esquerda para o centro e remata rasteiro à malha lateral (89’). São os italianos que mais fazem por evitar o quarto prolongamento em onze jogos a eliminar deste Europeu.

Na primeira parte houve mais berros e abre e fecha de braços de Conte, à frente do banco, do que jogadas rápidas e perigosas. O cansaço não deu para muito e teme-se que as coisas não mudem quando até se vê Kroos, um dos que menos arranques e sprints faz em campo, a alongar as pernas enquanto o jogo rola. E o risco quieto, sentado no banco, de onde os treinadores não tiram a última substituição a que têm direito para refrescar as coisas. Porque não é o remate à futebol de praia de Schweinsteiger (109’) ou o pé esquerdo ao qual Insigne não dá força (113’), após enganar Boateng na área, que obrigam Buffon ou Neuer a atirarem-se à relva.

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Foto: EPA/VASSIL DONEV

É aí que as duas nações de quem esperamos mais robôs e frieza nestas coisas só fazem disparates. São precisos 18 penáltis até Buffon tocar e não agarrar a bola de Jonas Hector, no fim de uma série em que se de tudo um pouco. Há uma corrida para a bola e um remate na bancada de Zaza, que parece gozar com toda a gente que está no estádio — e com Conte, que o mete no jogo a 30 segundos do fim, só para isto. Há um pontapé disparate de Schweinsteiger, o poste que tabela com Özil, a bola que Pellè atira rasteira e ao lado. Isto não acaba como a peladinha do jardim lá de fora, à beira do estádio.

Termina com Buffon a chorar como uma criança, enquanto bate palmas e se despede dos adeptos italianos. É a primeira vez que a Alemanha elimina a Itália de uma competição e a sétima em que os Itália caem nos penáltis. Aqui há os abraços que vi lá fora, mas não há os sorrisos na cara de toda a gente. Só há os dos alemães.