Foi a 26 de abril de 1975, no estádio Yves-du-Manoir, em Colombes, nos arredores de Paris. A França tinha no banco a treiná-la aquele que foi o criador do “futebol total” no Ajax, o romeno Stefan Kovacs, mas Kovacs não tinha no relvado, de todo, quem lhe interpretasse a “criação”. O dez Henri Michel era o mais talentoso entre franceses de talentos assim-assim — e isso diz muito sobre a geração da década de 1970 nos Bleus.

Adiante. O porquê desta data, quando era mais do PREC que se falava então e não de futebol? É explicável assim: foi a última vez que Portugal derrotou a França, sua próxima adversária no Euro 2016, e logo adversária na final de Paris, e logo em “casa” da França. Naquela noite em Colombes, Nené, primeiro, e Marinho, depois, molharam a sopa (2-0 no final) para Portugal. Àquela vitória seguiram-se uma dezena de encontros e outras tantas derrotas nossas contra os franceses. A maior parte delas doeram pouco. Ou, pelo menos, poucos são os que se recordarão delas hoje e da sua “dor” outrora. Mas três das derrotas não se apagam da memória por tanto que se queira.

A primeira foi a de 1984, no Euro que a França organizou e Platini (quase sozinho e com um recorde que perdura, de nove golos em cinco jogos) venceu. E foi ele, Platini, que eliminou Portugal nas meias-finais, no Vélodrome de Marselha, com um golo no prolongamento. Depois, em 2000, noutro Europeu que a França venceu, Portugal voltou a tombar aos pés de um camisola dez, mas não foi Platini e sim Zidane a tombar-nos – a mão (propositada ou não, tanto faz; ou tanto fez…) de Abel Xavier precipitou o fim. O que falta? Não, não é outro Euro; é o Mundial 2006. Sina maldita, haveria de ser novamente um penálti de Zidane a deitar-nos de uma fase final para fora. Mas desta feita não foi preciso dar mais meia-hora de corda ao cronómetro: a “besta-negra” marcou logo na primeira parte o 1-0 que perdurou até final.

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Curiosamente, e mais recentemente, a França foi nossa adversária no apuramento para o Euro 2016. A França? Mas, então, a França não é a organizadora e está à priori apurada? Sim. Quer dizer, mais ou menos. Apurada, está. Mas como Grupo I, o de Portugal, era o único que só tinha cinco equipas e não seis, a UEFA optou por dar-lhe um sexto participante, um participante “fantasma”, que jogaria, em casa e fora, contra cada um dos países desse grupo — mas não teria pontuação, nem interferiria na dos restantes.

Nos jogos contra Portugal, duas vitórias para França. Sem espinhas. A primeira foi no Stade de France, em outubro de 2014, e a França venceu 2-1. Mas Fernando Santos, que se estreou como selecionador de Portugal nessa noite, resolveu estrear também João Mário, e o “caloiro” caiu na área, ganhando uma grande penalidade que Quaresma converteu e com a qual se encurtaram os números à derrota. Mas essa noite foi mais importante do que se pensará, não pelas estreias de Santos e do médio do Sporting, não pela “vitória moral” de uma derrota résvés Campo de Ourique. Foi importante porque no final, regressado aos balneários, Fernando Santos “ganhou” uma equipa. E foi a ela (quase toda, hoje, nos convocados finais) que prometeu que, dois anos volvidos àquela noite, estariam naquele mesmo mesmo Stade de France a disputar a final do Euro e a vencê-la.

Vencer, ainda não venceu nada. Mas parte da promessa, cumpriu-a. Não sem antes voltar a perder (ainda a feijões) contra a França, agora em Alvalade, em setembro de 2015 e só por 1-0. Que tenha sido a última vez. Ao todo, em 24 jogos, Portugal perdeu 18 deles contra a França, empatou um e só venceu por cinco ocasiões. E nenhuma das vitórias foi em jogos oficiais. Pois que seja agora.

Quem é, afinal, a França? Fácil: depois de eliminar a equipa favorita, é ela a favorita

Em 1984 os gauleses venceram o Europeu em casa, levando Platini a seleção às costas do seu número dez. Em 2000 repetiram a brincadeira, na Bélgica e na Holanda, com outro dez, o de Zidane, a liderar os Bleus. E agora, será a Era de Pogba? Talvez. Mas a estrela até aqui tem sido Griezmann, o melhor marcador do Euro (com seis golos em outros tantos jogos) e o melhor jogador da prova — UEFA dixit.

Curiosamente, um e outro, Pogba e Griezmann, até começaram o Euro a meio gás. Payet foi o “abre-latas” dos primeiros jogos. E a França venceu-os quase todos: derrotou a Roménia e a Albânia, empatando (quando já se havia apurado para os “oitavos”) contra a Suíça. Estranhamente, sentia-se nervosismo nas botas, a bola tinha “picos” quando a elas chegava, e tudo isso se via, talvez, por a França ser o anfitrião do Euro e ter que vencê-lo – como Platini venceu em 1984, deixando a “caneco” em casa. Sacré bleu, se não deixar!

Mas, pouco a pouco, as estrelas apareceram. Pogba começou a impor o físico no relvado; voltou-lhe a passada larga que tem, voltou também a potência de remate que também tem, voltou tudo e a França cresceu. E Griezmann, por sua vez, começou a ser com Deschamps o que é com Simeone no Atlético de Madrid: um homem-golo. E foi com eles, sobretudo estes dois, que a França “limpou” a Irlanda, depois a Islândia e a agora a Alemanha na fase a eliminar, estando por mérito na final. E é favorita, pois venceu a até aqui favorita Alemanha, atual campeão do mundo.

Hoje, ninguém mais se lembrará de Benzema, que Deschamps resolveu “riscar” do mapa do Euro depois de saber que este chantageou Valbuena, seu colega dos Bleus, com um vídeo de cariz sexual onde Valbuena participava. E à conta disso, Valbuena, outro habitual titular com Deschamps, também ficou de fora. E também não fez falta. Mas a França teve mais baixas de vulto. E por razões distintas: os defesas centrais Varane, Zouma e Laporte lesionaram-se, Sacko (também ele central) dopou-se no Liverpool e está suspenso há muito, o todo-o-terreno Diarra (titular de caras) entrou na enfermaria para não sair a tempo do torneio. São muitos e bons. Mas não, ninguém deu por eles.

MARSEILLE, FRANCE - JULY 07:  France players celebrate their team's 2-0 win in the UEFA EURO semi final match between Germany and France at Stade Velodrome on July 7, 2016 in Marseille, France.  (Photo by Matthias Hangst/Getty Images)

São estes os franceses a derrotar no domingo e na “casa” deles. Mas vai ser difícil, muuuuuito difícil (Créditos: Matthias Hangst/Getty Images)

E não deu porque Lloris, o capitão, tem estado seguríssimo entre postes; porque Koscielny é o patrão da defesa e por ele nada passará; porque Kanté e Matuidi têm, cada um, três pulmões, tal é o que correm no relvado – e quando não há um deles para correr, corre Sissoko na sua vez; e porque, na frente, Giroud atinou com os golos e Coman, quando entra, não “atina” como ele, mas entra de “mota” e ninguém o segura relvado fora.

Contas feitas, Portugal não é favorito. A favorita era a Alemanha e a França “mandou-a” para casa. Mas uma coisa é certa: se Portugal for campeão, não poderão mais dizer (e a imprensa francesa disse-o muito) que a nossa Seleção não vale um tostão furado. É que, se vencer os favoritos, vale ouro.