Nem no São João se vê tanta gente a festejar na Avenida dos Aliados. Quando o árbitro deu o apito final e confirmou Portugal como campeão europeu de futebol, milhares de pessoas saíram de casa e juntaram-se aos outros milhares que ali viram o jogo contra França, num dos quatro ecrãs disponíveis (embora o principal tenha falhado). Quem não falhou foi um adepto da seleção: antes de o jogo começar, disse que Éder ia entrar nos minutos finais e marcar o golo decisivo.

Os prognósticos que o Observador ouviu no Porto não mostravam muita confiança na vitória. Um funcionário da Liga de Clubes, que preferiu não se identificar, disse sem hesitar: “Acho que vamos perder 2-1.” Tinha toda uma visão do que ia acontecer. “Vamos começar a ganhar 1-0 por Nani, a França empata nos últimos 15 minutos com um golo de Coman, vamos a prolongamento e a França ganha com um penálti marcado por mão de Cédric”. Faz lembrar a malfadada semifinal do Euro 2000. Mas se este adepto fez alguma aposta a dinheiro, no final da noite saiu com prejuízo.

Sandra, que não veio equipada a rigor, também achava que Portugal ia perder 2-1. “Quem marca por Portugal é o Quaresma”, disse. Pela seleção de Didier Deschamps seriam dois de Griezmann. “Se formos a penáltis ganhámos porque temos o Patrício”, reconhecia esta benfiquista assumidamente fanática. Patrício foi gigante na baliza, mas, com este palpite, Sandra também só teria prejuízos.

Frederico não fez apostas a dinheiro e, a esta hora, deve estar bem arrependido. “Sinto que vamos ganhar e dedicar a vitória a Platini”, começou por dizer. De certa forma acertou (como mostra a foto em baixo, tirada após o final do jogo). Mas o melhor veio a seguir: “O Éder vai entrar nos últimos minutos e vai marcar o golo decisivo num canto de Quaresma. A bola vai passar pelo meio das pernas de Lloris e vamos ser campeões.”

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Estes rapazes desfilavam nestes preparos pelos Aliados © Sara Otto Coelho / Observador

Não foi de um canto, nem foi pelo meio das pernas do guarda-redes francês, mas o facto é que Éder entrou nos últimos minutos do tempo regulamentar do jogo para substituir Renato Sanches. Por esta altura, os nervos eram muitos. A cada aproximação à baliza dos Bleus, ou a cada falta cometida, atiravam-se palavrões em direção à tela com a mesma vontade com que Ronaldo atirou um certo microfone para um lago. Quando a troca de Renato por Éder foi anunciada no ecrã, só meia dúzia de pessoas bateram palmas. As outras olhavam-se entre si, até que uma senhora decidiu dizer alto o que muitos pensaram: “Pronto, [Fernando Santos] já desistiu”.

Ainda antes, no final da primeira parte, alguns adeptos começaram a deixar a Avenida, quer fosse pelo descrédito (aquela bola no poste português levou muitas mãos à cabeça e a lesão de Ronaldo já tinha mexido com muitos corações), quer fosse pelo frio que começou a entranhar-se nos braços de quem só vinha vestido com t-shirt da seleção. Fred, francês de férias em Portugal, esteve ao nosso lado durante os 45 minutos e só se denunciou quando Gignac fez o remate perigoso, ao soltar um qualquer palavrão na língua de Camus. “Acredito que vamos ganhar 2-0”, disse, antes de nos mostrar o bilhete do jogo que viu na sua cidade, Marselha, entre Portugal e a Polónia. Torceu por Portugal. Pelos mediterrânicos, como ele.

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Fred comprou o bilhete quando ainda não se sabia quem seriam as equipas nos quartos-de-final. Calhou Portugal e a Polónia. © Sara Otto Coelho

Chegar aos 90 minutos com um empate já era rotina para os adeptos portugueses. Aos 94 minutos gritou-se golo, mas foi falso alarme. Aos 107, Raphael Guerreiro atira à trave e o povo parece que começou a pensar que o primeiro golo podia ser mesmo português. Só foi preciso esperar dois minutos porque o golo chegou, precisamente pelos pés de Éder, e os adeptos portugueses puderam finalmente explodir de contentamento, com direito a foguetes no céu e o edifício da Câmara iluminado de verde e vermelho.

Quando o árbitro apitou para o final da partida, houve mais foguetes, abraços e cantou-se o hino português em uníssono. Sandra, que no início dava 2-1 para os Bleus, estava a chorar de felicidade. “Não acredito que isto está a acontecer. Ele [Fernando Santos] bem disse que só voltava no dia 11. Eu na altura até brinquei sobre ele ir de férias nos últimos dias do Euro.” Frederico estava só feliz. “Eu não disse?”, lembrou-nos, sobre as suas previsões certeiras.

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Frederico tinha dito que Éder ia entrar nos últimos minutos e marcar o golo decisivo. No final veio lembrar-nos do feito. © Sara Otto Coelho / Observador”

A partir daí foram chegando cada vez mais pessoas, a música apelava à dança e os ecrãs continuaram ligados a emitir as reportagens do jogo, sem som. De cada vez que passava a repetição do pontapé de Éder gritava-se “golo”. Foi assim até pelo menos às três da manhã. Quatro rapazes de Lyon, vestidos de azul e com uma bandeira francesa, mantinham-se por ali, em silêncio. “Vamos beber para esquecer“, confidenciaram, depois da surpresa de não terem vencido, como achavam que ia acontecer. Aproveitámos para lembrar que vem aí o Mundial de 2018, para tentar animá-los, mas sem sucesso. “Acho que não passamos das semifinais”, diz um deles, de olhos vermelhos.

“Se na fase de grupos te tivessem dito que ias ser campeão?”, perguntou um rapaz a um amigo, os dois de finos na mão a celebrar o primeiro campeonato de futebol da Europa vencido por Portugal. “Que p…”, respondeu. “Esta vitória sabe a foie gras.”

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