Para Dilma Rousseff, ele é o “vice-chefe do golpe”, em referência ao seu processo de impeachment. Para o deputado Rodrigo Maia (DEM), “um político ousado, inteligente, disciplinado e trabalhador”. Segundo o ex-deputado Roberto Jefferson, trata-se do “adversário mais à altura que o PT já enfrentou em seus 13 anos de governo”. Entre críticos e defensores, inimigos e aliados, a passagem de Eduardo Cunha pela presidência da Câmara dos Deputados do Brasil não passou despercebida.

O deputado, pertencente ao PMDB, partido do presidente interino Michel Temer, foi um dos protagonistas dos principais eventos da atualidade política dos últimos dois anos, com o afastamento do seu partido com o governo Dilma Rousseff e a abertura do processo de destituição da Presidente afastada. Mesmo após a suspensão do seu mandato, na sequência de uma decisão da justiça brasileira no âmbito da Operação Lava Jato, Cunha tem exercido a sua influência na composição do governo interino e utilizado de estratégias para travar a perda do seu cargo, segundo os seus detratores. O deputado terá, inclusive, renunciado a presidência da Casa Legislativa como uma “manobra” para evitar o fim da sua vida política.

No contexto da eleição para a presidência da Câmara dos Deputados, que acontece esta quarta-feira, o Observador recuperou nove frases (ou “cunhices”) de Eduardo Cunha que marcaram o tempo em que esteve à frente da Casa Legislativa.

Rompi as estruturas políticas e entrei para não deixar ninguém com tédio, para fazer algum barulho. Faz parte da polémica ter sempre o contraponto.”

(Eduardo Cunha, em entrevista à revista Galileu, a 7 de julho de 2015)

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A eleição de Eduardo Cunha na primeira volta para a presidência da Câmara dos Deputados, em fevereiro de 2015, é considerada a primeira derrota política de Dilma Rousseff no seu segundo mandato. Na altura, o PT dava como certa pelo menos a passagem do seu candidato, Arlindo Chinaglia, para uma segunda volta. Também foi derrotado Júlio Delgado (DEM), candidato apoiado oficialmente pelos dois maiores partidos de oposição do governo Dilma, o PSDB e o DEM.

Durante a campanha, Cunha defendeu a independência da Casa Legislativa em relação ao governo federal e ao Senado, de modo a priorizar as demandas dos próprios parlamentares. “Na verdade, a oposição não venceu, e o governo também não. O que aconteceu foi que a Casa venceu. Esse é o resultado do processo. Temos que devolver à Câmara a dimensão que ela deveria ter e que o Brasil merece que ela tenha. O Parlamento reagiu no voto”, garantiu.

Aborto eu não vou pautar [colocar em plenário para votação] nem que a vaca tussa. Vai ter que passar por cima do meu cadáver para votar.”

(Eduardo Cunha, em entrevista ao jornal Estadão, a 9 de fevereiro de 2015)

Durante o seu mandato como presidente do Congresso, Cunha travou uma série de propostas progressistas, como a flexibilização das regras do aborto no Brasil, o que levou os seus opositores a chamarem-lhe de “fundamentalista religioso”. Em entrevista ao jornal Estadão, alguns dias depois da sua eleição, assegurou que “a legalização do aborto e direitos dos homossexuais não são a agenda do país”.

Eu não sei o que eles querem comigo, mas a porta da minha casa está aberta. Vão à hora que quiser. Eu acordo às 6h. Que não cheguem antes das 6h para não me acordar.”

(Eduardo Cunha, em declaração à imprensa, a 15 de julho de 2015)

A Operação Politeia é uma ação da Polícia Federal do Brasil, iniciada em julho de 2015, que investiga deputados, senadores e ex-políticos a partir de processos instaurados a partir de provas obtidas na Operação Lava Jato. As ações policiais aconteciam na residência dos investigados, em sedes de empresas, gabinetes oficiais e órgãos públicos, de modo a evitar que fossem destruídos documentos ou informações relevantes para o caso.

Questionado sobre ser um dos possíveis alvos das investigações, Eduardo Cunha respondeu com ironia ao convidar as autoridades para irem à sua casa. A visita ocorreu apenas em dezembro, mas no âmbito da Operação Lava Jato, da qual é arguido.

Brazilian deputy Eduardo Cunha, former president of the Lower House of Congress, is pictured during the session of the Committee on Constitution and Justice, in Brasilia on July 12, 2016. Cunha, the Brazilian politician who spearheaded the drive to impeach suspended president Dilma Rousseff, on July 7 resigned from his post as congressional speaker as a corruption probe closed in on him. / AFP / EVARISTO SA (Photo credit should read EVARISTO SA/AFP/Getty Images)

Eu agora sou oposição ao governo. Essa lama, em que está envolvida a corrupção da Petrobras, cujos tesoureiros do PT estão presos, eu não vou aceitar estar junto dela. Eu, a partir de hoje, me considero em rompimento pessoal com o governo.”

(Eduardo Cunha, em declaração à imprensa, a 17 de julho de 2015)

Um dia depois de ser acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro por receber alegadas “luvas” de 1,4 milhões de euros, na compra, pela Petrobras, de um campo de petróleo em Benim, África, Eduardo Cunha convocou uma conferência de imprensa para anunciar a rutura política com o governo Dilma Rousseff. O deputado acreditava que a denúncia tinha partido do Palácio do Planalto, a partir de uma articulação com procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para incriminá-lo no âmbito da Operação Lava Jato.

No seu discurso, Cunha garantiu que a separação não significava o “fim da governabilidade”, mas acusou o PT de estar envolvido na “lama” de corrupção.

Não sabia que a Petrobras não era do governo.”

(Eduardo Cunha, em declaração à imprensa, a 20 de outubro de 2015)

A animosidade entre Eduardo Cunha e Dilma Rousseff crescia no segundo semestre de 2015, a partir de declarações a jornalistas. Em conferência de imprensa, durante uma passagem pela Suécia, em outubro de 2015, Dilma disse que seria “estranho” se as acusações contra Eduardo Cunha causassem “constrangimento” ao governo, uma vez que ele não fazia parte da sua equipa. A resposta de Cunha veio um dia depois, quando o deputado lamentou que “seja com um governo brasileiro o maior escândalo de corrupção do mundo”.

Em conferência de imprensa, no dia seguinte, veio outro comentário da Presidente afastada. “O meu governo não está envolvido em nenhum escândalo de corrupção. Não é o meu governo que está sendo acusado atualmente”. Horas depois, surgiu o contra-ataque de Cunha, em Brasília: “Não sabia que a Petrobras não era do governo”.

“A mim não tem nenhuma felicidade em praticar esse ato. Não o faço em natureza política.”

(Eduardo Cunha em declaração à imprensa, a 2 de dezembro)

Uma das atribuições do presidente da Câmara dos Deputados é aceitar o processo de abertura do processo de impeachment contra um presidente no Brasil. Isto aconteceu a 2 de dezembro, quando Eduardo Cunha anunciou que aceitou o pedido com base em documento elaborado pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e a advogada Janaína Conceição Paschoal.

Na altura, Cunha reconheceu que a decisão veio “num momento de crise política e económica”, mas justificou-se ao dizer que a sua motivação “foi de natureza técnica e não política”. Na sua conta no Twitter, disse ainda que acolheu o pedido devido à “voz das ruas”.

A abertura do processo de impeachment aconteceu no mesmo dia em que deputados do PT anunciaram que votariam a favor do processo de cassação de Cunha no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, onde é acusado de quebra de decoro parlamentar.

Boa tarde a todos. Apenas uma frase: antes tarde do que nunca.”

(Eduardo Cunha, numa publicação na sua conta no Twitter, a 12 de maio de 2016)

A reação de Eduardo Cunha ao afastamento temporário de Dilma Rousseff veio algumas horas depois da decisão tomada pelo Senado brasileiro, através da sua conta no Twitter, mesmo que não tenha feito nenhuma referência explícita ao processo na publicação.

O seu comentário parte de uma provocação de Dilma Rousseff, feita uma semana antes, após a notícia do afastamento de Eduardo Cunha do mandato de deputado, decretado pelo Supremo Tribunal Federal, por acreditar que poderia “atrapalhar” as investigações da Operação Lava Jato. “A única coisa que eu lamento, mas eu falo ‘antes tarde do que nunca’, é que (…) ele tenha presidido, na cara de pau, o lamentável processo na Câmara [da votação do impeachment]”, disse Dilma.

Não tem um alfinete indicado nesse governo por Eduardo Cunha. Agora, se as pessoas que são meus correligionários, se as pessoas com quem eu tenho convivência ocupam postos, isso não quer dizer que foi Eduardo Cunha quem indicou. E se indicasse, não teria nenhum delito nisso. Não estou suspenso no STF [Supremo Tribunal Federal] de falar com as pessoas ou de exercer a minha militância partidária.”

(Eduardo Cunha, em declaração à Comissão de Constituição de Justiça, a 19 de maio)

O afastamento temporário de Eduardo Cunha do seu mandato e, por consequência, da presidência da Câmara dos Deputados, não impediu os seus críticos de o acusarem de estar a influenciar o governo interino de Michel Temer, indicando nomes dos seus aliados para cargos no Palácio do Planalto como parte de uma “recompensa” por ter aberto o processo de impeachment contra Dilma Rousseff.

A desconfiança cresceu quando o deputado André Moura (PSC), um dos principais defensores de Cunha no Conselho de Ética, foi indicado para ocupar a liderança do governo na Câmara dos Deputados. “Não é porque qualquer um ocupe qualquer posto que passa a ser manobra minha ou passe a ser capacho meu”, defendeu-se.

Hoje sou eu. (…) Vocês, amanhã.”

(Eduardo Cunha, em declaração à Comissão de Constituição de Justiça, a 12 de julho)

O alerta foi dado: “Hoje sou eu. (…) Vocês, amanhã”. Numa declaração feita durante a sua defesa na Comissão de Constituição de Justiça, que julga o seu processo de afastamento do Congresso, Eduardo Cunha afirmou que se a Câmara dos Deputados “adotar contra todos os parlamentares investigados o mesmo procedimento do processo contra seu nome, todos serão cassados”. “É um absurdo ao qual nenhum dos 117 parlamentares que têm inquérito ou ações penais, alguns aqui presentes nesta sala, não vão aceitar se forem eles os julgados. Não vão aceitar se for contra eles o processo disciplinar”, disse.

Cunha assegurou ainda ser ser vítima de um processo político que começou com sua eleição para a presidência da Casa, pois antes “nenhum inquérito transitava no seu nome”. “É óbvio que vivemos um embate político”, relatou.