O Bloco de Esquerda não está disposto a deixar cair a ideia de convocar um referendo ao Tratado Orçamental caso a Comissão Europeia decida aplicar sanções a Portugal. Os bloquistas acreditam que o facto de o teor do Tratado ainda não ter sido incorporado no quadro jurídico da União Europeia abre espaço à convocação de um referendo.

Na prática, os bloquistas lembram o artigo 16.º do Tratado Orçamental, assinado em 2012, que diz, precisamente, que “o mais tardar cinco anos após a data de entrada em vigor do presente Tratado e com base numa avaliação da experiência adquirida com a sua aplicação” serão “adotadas as medidas necessárias” com “o objetivo de incorporar o teor do presente Tratado no quadro jurídico da União Europeia“.

É isso que defende o líder parlamentar do Bloco, Pedro Filipe Soares, em declarações ao Observador. Existe uma “janela temporal” — até 2017 — em que o referendo pode ser convocado sem ferir a Constituição portuguesa — que diz claramente que não podem ser referendadas matérias que já foram ratificadas. Não podem existir referendos revogatórios.

Na perspetiva do partido coordenado por Catarina Martins, o Tratado Orçamental é ainda um tratado intergovernamental e não um tratado europeu. Para o ser, terá de “ser sujeito à ratificação”. E é nessa altura que o Bloco quer convocar os portugueses para responderem à pergunta: “Concorda com o Tratado Orçamental?”. Uma resposta negativa implicaria, na prática, a rejeição do diploma.

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A ideia já tinha sido lançada por Catarina Martins. Na X Convenção do Bloco de Esquerda, a coordenadora bloquista assumiu que se Portugal sofresse sanções da Comissão Europeia deveria avançar com um referendo ao Tratado Orçamental. Na altura, foram várias as vozes — incluindo entre o PCP — que classificaram a proposta do Bloco de inconstitucional. Poucos dias depois, no início de julho, Catarina Martins veio completar a ideia.

“Quem vive neste país tem de ser chamado a pronunciar-se antes que o tratado seja Tratado Europeu, para não deixar que o Tratado Orçamental seja o tratado das sanções para sempre. Se houver sanções e se a nível europeu não for possível enterrar o tratado das sanções, que se referende em Portugal se deixamos ou não que esse tratado se transforme em tratado europeu para que possamos cá lutar por essa coisa tão importante chamada a dignidade do nosso país e a dignidade de cada um e de cada uma de nós”, afirmou Catarina Martins, no encerramento da V convenção regional do BE/Açores, em Ponta Delgada, ilha de São Miguel.

Ao Observador, Pedro Filipe Soares lembra que a ideia do Bloco de Esquerda nem sequer é nova. Em 2014, os bloquistas levaram a proposta de referendo ao Parlamento, mas seria chumbada por PSD, CDS e PS. O Bloco mantém a intenção de discutir o Tratado Orçamental até 2017, antes que se “transforme em tratado europeu”. Agora, reitera o líder parlamentar do Bloco, a aplicação de sanções a Portugal “pode antecipar a apresentação desta proposta“.

De acordo com constitucionalistas ouvidos pelo Observador, a proposta do Bloco de Esquerda podia esbarrar na Constituição, com base num artigo em que diz são excluídos do referendo “as questões e os atos de conteúdo orçamental, tributário ou financeiro”. Vitalino Canas, constitucionalista e deputado do PS, admite mesmo que esta é uma tentativa do Bloco de “emendar a mão” depois de ter, inicialmente, proposto um referendo que era assumidamente inconstitucional. “Só é possível convocar um referendo se houver um novo Tratado ou uma revisão das regras e da natureza do Tratado“, insistiu o socialista, lembrando, ainda assim, que não defende a convocação de referendos a este nível.