O Tribunal de Contas detetou falhas na assistência ao doente de 74 anos, que morreu com um AVC, em dezembro do ano passado, depois de transferido do Hospital de Faro para Coimbra.

O relatório de auditoria do Tribunal de Contas (TdC), esta quinta-feira divulgado, analisa o caso concreto daquele doente e conclui ainda que o inquérito aberto pelo Centro Hospitalar do Algarve “tem falhas graves e foi totalmente inconsequente, em termos de apuramento de responsabilidades”.

“A auditoria realizada identificou falhas de organização e de procedimento na assistência ao doente que implicaram perdas de tempo de cerca de 15 horas”, refere o relatório.

O homem de 74 anos tinha diagnóstico de AVC isquémico e foi transferido do Hospital de Faro para o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, onde acabou por morrer, no dia 28 de dezembro.

O Centro Hospitalar do Algarve realizou um inquérito, que acabou por ser arquivado, mas o Tribunal de Contas diz ter detetado “diversas insuficiências organizacionais e procedimentos”.

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Na sua auditoria, o TdC descreve um erro na triagem do Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM): “O não registo, pelo INEM, de queixas relevantes apresentadas pelo doente, aquando da chamada de emergência, que pode ter implicado um atraso no atendimento em cerca de seis horas”.

Entende o Tribunal de Contas que o registo completo da informação pelo CODU poderia ter resultado no seu encaminhamento direto para o serviço de urgência de Faro, o que não aconteceu, tendo o doente sido enviado inicialmente para as urgências de Vila Real de Santo António.

Também não foi disponibilizado atempadamente transporte entre as urgências de Vila Real e Faro, “induzindo o doente a deslocar-se por meios próprios”, sendo levado no carro de um familiar.

Já na urgência de Faro, a auditoria do TdC diz que os tempos de espera foram excessivos: 25 minutos, para a triagem, uma hora e meia até ao atendimento clínico, e três horas e meia, para realização de meios complementares de diagnóstico.

Também foram detetadas falhas no acionamento da Via Verde AVC (foi sinalizada no sistema informático clínico da urgência mas não foi acionada), o que terá implicado que o doente tenha sido observado com um atraso de cinco horas após a triagem.

Ou seja, entre a triagem na urgência de Faro e a observação presencial por um médico neurologista passaram mais de cinco horas.

Houve depois ainda incumprimento da rede de referenciação e demora no hospital para onde enviar o doente, passando cerca de uma hora entre a decisão de o transferir e a escolha do hospital.

“O clínico neurologista da unidade de AVC [do Centro Hospitalar do Algarve] não contactou o hospital de referência, o Centro Hospitalar de Lisboa Norte. Esta decisão foi tomada com base na suposição de que o Hospital de Santa Maria não dispunha de equipa para procedimentos de neurorradiologia de intervenção”, indica a auditoria.

Foi feito um contacto com o Hospital de São José, que informou não dispor, na hora prevista de chegada do doente, de meios humanos habilitados para prestar os cuidados necessários.

Segundo relata o TdC, o neurologista não averiguou a disponibilidade de outros centros hospitalares mais próximos, pedindo transferência para Coimbra, onde o pedido foi aceite.

No entanto, também o tempo de transferência do doente de Faro para Coimbra “foi excessivo”, tendo passado mais de oito horas entre a decisão de o transferir e a sua chegada ao Centro Hospitalar Universitário de Coimbra (CHUC).

Foi feito um pedido de helitransporte, com o CODU do INEM a informar que não havia disponibilidade, tendo então a Cruz Vermelha dado luz verde para o transporte do doente em ambulância medicalizada.

Para o TdC, houve “incapacidade de pronta mobilização de meios para o transporte do doente para o hospital” de Coimbra, “por desarticulação com o INEM e com as empresas de transporte de doentes em ‘outsourcing'”.

“O INEM não dispõe de informação compreensiva e atualizada sobre a disponibilidade de valências específicas nos serviços de urgência a nível nacional, o que limita o cumprimento da sua missão e das suas atribuições no transporte de urgência/emergência”, lê-se no relatório de auditoria.

Quanto ao inquérito aberto pelo Centro Hospitalar do Algarve sobre o caso, o TdC diz que tem “falhas graves” e que foi inconsequente.

Também é criticada a avaliação da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), que não terá feito “procedimentos de averiguação, avaliação e controlo autónomos”, nem terá analisado a reclamação dos familiares do doente: “nada acrescentou ao inquérito já realizado, não contribuindo para a realização das atribuições confiadas à ERS no que respeita à defesa dos utentes do Serviço Nacional de Saúde”.