A desarrumação do quarto e o uso excessivo de telemóveis são as duas principais causas das discussões entre pais e filhos em idade escolar, concluiu um inquérito feito a mais de 2.500 encarregados de educação portugueses.

Segundo revelou à agência Lusa Alexandre Henrique, autor do inquérito sobre “Indisciplina na Família”, a desorganização e desarrumação do quarto (39,5%) e o uso excessivo de aparelhos tecnológicos (39,4%) estão no topo da lista das discussões que mais ocorrem entre encarregados de educação e educandos.

O estudo foi realizado em maio último com o apoio da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas e da Confederação Nacional das Associações de Pais.

O incumprimento de ordens, orientações ou pedidos (34,3%), rotinas de estudo ou trabalhos para casa (28,3%), brigas entre irmãos (26,4%), birras (24,5%), horários de sono (17,9%), recusa em realizar tarefas domésticas (16,9%), insuficiente desempenho escolar (10,1%) e o comportamento escolar desajustado (7,4%) são as restantes causas no rol das dez principais celeumas entre pais e filhos.

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O estudo, que teve por base um inquérito ‘online’ realizado a 2.583 encarregados de educação de Portugal Continental e Ilhas, revela que é logo no 2º Ciclo que surge em primeiro lugar as discussões por causa do uso excessivo de aparelhos tecnológicos (46,3%), um problema que se mantém e acentua no 3º Ciclo (53,8%) e Secundário (44,4%).

No pré-escolar e 1º Ciclo destacam-se as birras como causa principal para as discussões, com 75% e 42,1%, respetivamente.

“As discussões com as questões do estudo e trabalhos de casa ocorrem mais no 2º e 3º Ciclo de escolaridade” e existe uma clara evolução com a idade, com as discussões por incumprimento de ordens a diminuir, mas no sentido inverso, aumentam os conflitos relacionados com a desarrumação do quarto, observa Alexandre Henrique.

“Apesar do álcool e o tabaco serem um problema social entre os jovens, os conflitos sobre essa matéria são praticamente nulos”, acrescentou.

As principais correções aplicadas atualmente aos educandos, vulgarmente conhecidas por ‘castigos’, são a “repreensão através de um diálogo calmo” (97,3%), “gritar” (79,7%), “privar [os educandos] de objetos como brinquedos, telemóveis ou televisão” (79,9%) e “privar [os educandos] de atividades de que gostam” (66,7%).

Bater deixou de ser um castigo aplicado amiúde (26,8%), comparativamente à geração dos avós dos educandos, que puniam muito mais os atuais encarregados de educação (62,2%).

O castigo de impedir de estar com os amigos também baixou para os 24,5%, comparativamente com a geração anterior, na qual este valor quase chegava aos 60%.

A análises aos gráficos mostra que os pais dos atuais encarregados de educação eram “mais severos nos castigos aplicados, principalmente na agressão física e no impedimento em estar com os amigos e em frequentar certos espaços”.

“Curioso constatar que a privação de objetos é uma prática muito mais comum nos encarregados de educação atuais, ao que não será alheio o facto de os objetos terem um papel mais preponderante na vida das atuais crianças e jovens”, considera Alexandre Henrique, referindo, todavia, que ambas as gerações optam pela repreensão através de um diálogo calmo como principal abordagem ao incumprimento, seguida da repreensão em forma de grito.

Maioria dos pais com curso superior ajudam filhos nos trabalhos de casa

Outra conclusão deste estudo, é a de que quase todos os encarregados de educação com habilitações superiores ajudam os educandos a fazer os trabalhos para casa (TPC). 95% dos encarregados de educação em Portugal Continental e Ilhas “ajuda o seu educando em tarefas escolares”, designadamente nos tradicionais TPC ou no estudo para os testes de avaliação.

Os dados recolhidos por inquérito ‘online’ em maio último mostram que 24% dos encarregados de educação ajudam “sempre” os estudantes nas tarefas escolares, 31% ajudam “muitas vezes” e 40% ajudam “algumas vezes”. Note-se que o perfil destes encarregados de educação são pessoas com habilitações literárias superiores (79%).

O pico da ajuda aos estudantes situa-se no 1º Ciclo (100%), mantém-se entre os 96,9% e os 98,6% entre o pré-escolar e o 3º Ciclo e só baixa no Secundário (88%).

Os dados “mostram uma forte participação dos encarregados de educação na realização das tarefas escolares”, assume o professor Alexandre Henriques, autor do estudo e responsável pelo blogue ComRegras, referindo que essa ajuda pode levar a uma “fraca autonomia dos alunos em realizar tarefas escolares”.

O apoio escolar em casa mostra, por outro lado, um “interesse” dos encarregados de educação pela vida escolar do seu educando.

Contudo, José Morgado, doutorado em Estudos da Criança e professor no Departamento de Psicologia da Educação do ISPA – Instituto Universitário, adiantou à Lusa que estar sempre junto das crianças na altura de fazer os TPC é “fomentar a pouca autonomia”, porque dessa forma o educando não está a aprender, “está a ver fazer”.

“Os pais não podem ser professores ou comprar o trabalho de professor a um explicador” e também “não devem cobrar notas, mas sim cobrar esforço no estudo”, alertou José Morgado, reiterando a ideia de que os pais super pressionantes ou hiper possessivos são “pais que asfixiam os miúdos”.

O especialista defende que a grande ajuda parental na vida escolar dos filhos passa, por exemplo, por ensinar a organizar o estudo, olhando para o horário do dia seguinte, perguntar pelas dificuldades nas disciplinas, verificar a mochila, cadernos e estojo e ver se não está tudo ao monte. “Se notar algum problema, falar com o (a) diretor(a) de turma”, sugere o psicólogo José Morgado.

“O que gostas mais na escola”, “o que aprendeste”, “o que achas mais difícil” são algumas questões que os encarregados de educação podem colocar aos estudantes para demonstrar interesse, mas sem os asfixiar, considera.

“Devemos cobrar esforço no estudo, não devemos cobrar notas”, aconselha ainda José Morgado, explicando que se devem dar tempos para estudar, verificando depois se existiram dificuldades no estudo.

Nas questões de aproveitamento escolar versus estrutura familiar, o inquérito conclui que os encarregados de educação que são casados ou vivem em união de facto consideram que os seus educandos se portam melhor na escola do que em casa do que os educandos cujos pais são divorciados, solteiros ou viúvos.

Os educandos que vivem com encarregados de educação casados ou em união de facto revelam gostar mais da escola que os educandos de pais divorciados, solteiros ou viúvos.

“O mesmo acontece, embora de forma mais ligeira, nos alunos que nunca ficaram retidos. De salientar que o gosto pela escola baixa significativamente nos educandos que já ficaram retidos pelo menos uma vez, provando, mais uma vez, que a motivação e o insucesso estão fortemente ligados”.

O perfil da maioria dos encarregados de educação inquiridos para o estudo Indisciplina na Família possui habilitação superior (79%), é casado (73,9%), habita num grande centro populacional e tem educandos com rendimento escolar.

Responderam ao inquérito Indisciplina na Família encarregados de educação do Porto (22,6%), Lisboa (15,1%), Aveiro (10,4%), Setúbal (9,6%), Braga (9,1%), Viseu (5,8%), Leiria (5,5%), Coimbra (3,4%), Faro, (3,3%), Viana do Castelo (2,4%), Santarém (2,2%), Madeira (2,2%), Vila Real (1,5%), Açores (1,3%), entre outros distritos, mas em número residual.