Chiara Pussetti nasceu em Turim, tem 43 anos e vive em Lisboa há 16. É antropóloga, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e agora também responsável por um “sonho utópico” – o festival de arte Paratissima Lisboa.

“É utópico porque tem vontade de falar com a população e criar impacto político”, resume, em entrevista ao Observador. “Como nasci nos anos 70, acho que guardo em aquelas utopias de levar a cultura e a arte às pessoas de forma gratuita.”

O festival arranca esta quarta-feira, dia 20, e termina no domingo. Decorre nas ruas do coração histórico da capital: Alfama, Castelo e Mouraria e vai mostrar obras de 300 artistas de todo o mundo que fazem design, moda, fotografia, artes plásticas, vídeo e artes visuais. São mais de mil obras, de acordo com a organização.

É um festival, não é uma feira, porque os objetos não estão à venda. “É tudo completamente público, gratuito e democrático”, classifica Chiara Pussetti. “Todas as pessoas estão aqui de forma voluntária”, destaca, razão por que, por exemplo, as fotos das obras, cedidas ao Observador pela organização, foram feitas por amadores, quase sempre com telemóvel.

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Paratissima nasceu em 2004 em Turim como evento paralelo, mas autónomo, da conhecida feira internacional de arte contemporânea Artissima, semelhante à Arco de Madrid e de Lisboa. O “para” do nome exprime a noção de estar ao lado, além da feira que já existe.

A projeção alcançada em Itália levou a que se criasse uma rede internacional para expandir o festival a outros destinos, o que já se verificou em Skopje, na Macedónia, e está agora a acontecer na capital portuguesa pela primeira vez.

A organização está a cargo de um coletivo de antropólogos e sociólogos designado Ébano, sendo a logística assegurada pela Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, presidida pelo socialista Miguel Coelho – que tem feito enorme promoção do evento, designando-o como “a maior exposição de arte contemporânea no espaço público”.

As grandes feiras de arte representam investimentos económicos impressionantes, mas têm uma grande barreira social, porque as pessoas têm de pagar bilhete para entrar e o preço é muito alto”, argumenta Chiara Pussetti. “Ali só expõem artistas ligados a galerias, há o conforto do espaço fechado, especialmente preparado para exposição. Fui à Arco Lisboa e acho que estava bem feita, mas a Paratissima é como que uma alternativa. As pessoas dos bairros menos favorecidos de Lisboa não foram à Arco, o que não quer dizer que não sejam apreciadoras de arte. Aqui temos o chamado inside out, a arte fora daquilo a que os críticos chamam white box, ou seja, o espaço do museu.”

As obras estão instaladas ao longo de cerca de três quilómetros, num percurso que se inicia no Largo do Chafariz de Dentro, frente ao Museu do Fado, em Alfama. É aí que tem lugar a inauguração oficial, na quarta, às 19h00. Segue pelo miradouro das Portas do Sol, vai pela Costa do Castelo e desce à Mouraria, terminado no Martim Moniz.

Espaços fechados, abandonados ou em desuso foram eleitos para acolher as obras. “Não estamos a invadir o território, não usámos a cidade como se fosse uma galeria, não queremos tapar, mas levar as pessoas a procurar as obras de arte, que estão discretas, inseridas na paisagem, o que induz a descoberta”, explica a mentora.

Os artistas inscreveram-se através de uma convocatória internacional. Vêm, por exemplo, do Brasil, México, de Espanha, Itália, França, do Reino Unido, da Finlândia. Uns trazem obras já preparadas, outros criaram em tempo real, todos tendo em conta a zona histórica que acolhe o festival. Serem ou não artistas profissionais não foi um dos critérios da organização. Muitos são jovens em início de carreira, outros têm profissões longe das artes.

Durante um ano houve um “trabalho de negociação incrível” com moradores e instituições, para que acolhessem o evento, e nos últimos oito meses os artistas que puderam fizeram visitas aos locais para os entenderem e iniciarem o processo de criação.

Chiara Pussetti dá o exemplo da artista Priscilla Bailarín, de São Paulo, que junto às Escadinhas da Achada pintou um céu estrelado no chão. “Ela falou com uma senhora da Mouraria que todas as noites olha as estrelas a pensar nos familiares que já morreram. A artista pôs-lhe o céu no chão. A população ficou interessada e todas as estrelas acabaram por ser pintadas pelos moradores.”

Neste sentido, a Paratissima Lisboa parece querer servir de reflexão sobre as transformações que têm ocorrido na cidade: a massificação do turismo, o lugar dos lisboetas, os problemas sociais, as relações de vizinhança ou as ideias de arte, pertença e diálogo.

Até domingo, alunos de Chiara Pussetti, também em regime voluntário, vão avaliar o primeiro Paratissima através de inquéritos quantitativos e qualitativos para se tentarem perceber, por exemplo, quantos visitantes houve e se são frequentadores habituais de museus e galerias.