Ainda falou em “vacas que voam”, mas a tendência do discurso de António Costa na reunião com os deputados do PS, realizada esta terça-feira à noite, foi mais sobre vacas que estavam a aterrar, ou de pés assentes na terra. Pela primeira vez, os parlamentares socialistas ouviram um discurso “pessimista” ao secretário-geral do PS, longe do otimismo com que tem marcado as suas intervenções e ficaram a interpretar o que aquele novo tom significava. Na Europa, no Orçamento do Estado, na evolução da economia, ou na Caixa Geral de Depósitos, António Costa foi “realista”, como descreveu ao Observador um vice-presidente da bancada. “Os tempos não estão formidáveis”, constatou. João Galamba, porta-voz do PS, admite ao Observador que o PM foi “realista”, mas refere que “o tom sombrio de António Costa não foi sobre Portugal, mas sobre a Europa”.

O líder do PS explicou que a Europa como a conhecíamos acabou e que está bloqueada a vários níveis, o que torna mais difícil qualquer exercício de governação.

Esta “baixa de expectativas” segundo vários deputados e o facto de ter sido “bastante cauteloso” foi interpretado por vários deputados do PS como uma preparação de terreno para eventuais eleições antecipadas. “Houve quem ficasse em grande alvoroço”, comentou um parlamentar socialista com o Observador que, apesar do que ouviu, não partilha a visão catastrofista de alguns colegas. Outra fonte da bancada diz que “não é impossível essa interpretação, porque está tudo em aberto, tendo em conta as reações do Bloco de Esquerda e do PCP se houver mais exigências por parte de Bruxelas”. Um deputado costista contextualiza: “O tom foi realista, sobre os desafios a nível interno e externo, sem tiradas efusivas e otimistas em relação ao futuro, e com os pés bem assentes na terra. Os últimos meses não foram fáceis e daqui para a frente também não serão”. Outro parlamentar classifica os comentários de colegas como “inexperiência” e diz que “se achavam que isto ia ser um passeio, o melhor seria descerem à terra”.

As metas orçamentais, apesar da boa execução da primeira metade do ano podem começar a derrapar, mas sem furar as metas europeias. Costa garantiu que o essencial era ficar abaixo dos 3% — para sair do procedimento por défice excessivo –, mas reconheceu que era difícil ficar nos 2,2% fixados pelo Governo no Orçamento do Estado.

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Houve duas intervenções de deputados — segundo o Observador apurou — uma de Ascenso Simões e outra do deputado independente Paulo Trigo Pereira. O primeiro apontou falhas de comunicação a membros do Governo, sobretudo na gestão de informação sobre a Caixa Geral de Depósitos. Costa terá reconhecido problemas de comunicação, sobretudo na informação que foi saindo do ministério das Finanças sobre o processo do banco público. E disse que o processo da Caixa estava a correr mal desde o princípio (desde o anterior Governo), e ele próprio não se colocou fora das responsabilidades. “Reconheceu que houve um problema de comunicação desde o início”, diz um deputado.

Quanto a este dossiê, as várias fontes contactadas pelo Observador são unânimes em dizer que o primeiro-ministro referiu que o processo estava a levar demasiado tempo, já devia estar resolvido, mas que a negociação com a Comissão Europeia não tem sido fácil. “Todos os minutos que passam estão para além do recomendável”, diz um deputado do PS, “porque não houve coragem de resolver o problema no tempo próprio do anterior Governo”.

Ascenso Simões também perguntou se o acordo com a esquerda estava concluído, e António Costa respondeu que não, que ainda havia onde trabalhar. Esta resposta, segundo João Galamba, inviabiliza as interpretações de que o primeiro-ministro estaria a pensar em eleições antecipadas.

A análise do plano internacional foi onde António Costa foi mais pessimista, ao descrever que a Europa está “paralizada e fragmentada”. Referiu que tem feito um grande esforço pela governabilidade do país, para não perder a credibilidade externa, mas também evidenciou algum isolamento de Portugal no quadro das sanções europeias, segundo a interpretação de vários deputados. O primeiro-ministro sublinhou que os espanhóis defendiam Portugal nas reuniões dos organismos europeus — também estão sujeitos a sanções –, mas não identificou outros parceiros que estivessem ao lado da causa portuguesa. Só mencionou a Holanda, para dizer que, apesar de ter um Governo socialista e a presidência do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem (ministro das Finanças holandês) não acompanha as posições do PS (é até um dos mais fundamentalistas). Mesmo que não se concretizem os piores cenários que ao longo de quarta-feira alguns deputados foram traçando, os socialistas vão para férias a pensar que mesmo as vacas que voam um dia podem ter de aterrar.

Peça corrigida à 11h com as declarações de João Galamba e no que respeita às referências a impostos diretos e a sondagens.