Além de disparar rajadas de filmes de super-heróis, Hollywood tem-se também dedicado nos últimos tempos a fazer “remakes” de filmes que foram grandes sucessos nos anos 80, e que têm originado uma rara unanimidade de público e crítica: “RoboCop”, desastre crítico e de bilheteira; “Desafio Total”, desastre crítico e de bilheteira; “Point Break”, idem idem, aspas aspas; “Conan, o Bárbaro”, catástrofe todo-terreno. E agora, Hollywood foi mexer num dos filmes mais bem-amados dessa década, “Os Caça-Fantasmas”, não para fazer um “remake”, mas sim aquilo a que agora se chama um “reboot”, uma reativação. Que no caso passou por mudar o sexo (salvo seja) ao quarteto de personagens principais, e para isso “fingir” que “Os Caça-Fantasmas” e “Os Caça-Fantasmas II” nunca existiram. (E o filme finge mal, aliás).

[Veja o “trailer” de “Caça-Fantasmas”]

A troca de Bill Murray, Dan Aykroyd, do falecido Harold Ramis e de Ernie Hudson por Melissa McCarthy , Kristen Wiig, Kate McKinnon e Leslie Jones, todas elas ex-“Saturday Night Live”, criou um sururu nas redes sociais. Foram sovas de pau virtuais, à mistura com ameaças reais de violência física, nos produtores do filme (que incluem Ivan Reitman, o realizador dos dois “Caça-Fantasmas” originais, e Dan Aykroyd), no realizador e co-argumentista Paul Feig, conhecido pelas suas comédias femininas (“A Melhor Despedida de Solteira”, “Armadas e Perigosas”, “Spy”) e na co-argumentista Katie Dippold, pelo sacrilégio de terem posto quatro mulheres a manejar feixes de protões e a caçar espetros em Nova Iorque, e não um novo quarteto masculino. Mas não passou de uma tempestade num copo de água.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

[Veja uma reportagem nas filmagens]

Na verdade, além dos heróis serem agora mulheres em vez de homens, e de Feig e Dippold não terem resistido a dar ao quarteto um secretário “louro burro” (interpretado pelo incomensurável panão Chris Hemsworth), para redimirem as incontáveis louras burras secretárias de incontáveis comédias americanas, “Caça-Fantasmas” não tem mais nada de (pseudo)revolucionário. O filme cola-se obediente e totalmente ao modelo dos dois filmes de Ivan Reitman, ou não estivéssemos a falar de um “blockbuster” de verão manufacturado no coração da indústria cinematográfica americana em era de secura criativa extrema.

[Veja uma entrevista com o realizador]

Assim, temos o grupo de excêntricas cientistas estudiosas de fenómenos paranormais, que são expulsas das universidades onde fazem as suas investigações e se estabelecem por conta própria, desenvolvendo alta tecnologia de combate ao sobrenatural (uma das boas ideias dos dois filmes originais; temos uma ameaça a Nova Iorque sob a forma de fantasmas, espíritos malignos, almas penadas e algumas criaturas monstruosas; temos a autarquia a negar publicamente tal ameaça, enquanto em privado pede auxílio às Caça-Fantasmas; e temos a habitual sobrecarga de efeitos digitais para dar corpo à multiplicidade de aparições do Além.

[Veja o elenco do filme em Las Vegas]

Controvérsias e convenções à parte, e indo ao que realmente interessa, este “Caça-Fantasmas” no feminino de Paul Feig não consegue chegar à fasquia do filme original – porque as comparações são imediatas e inevitáveis – estando mais próximo do sofrível “Os Caça-Fantasmas 2”. As personagens de Murray, Ramis, Aykroyd e Hudson estavam mais bem desenhadas, eram individual e coletivamente mais cómicas e carismáticas, e funcionavam melhor umas com as outras do que as de McCarthy, Wiig, McKinnon e Jones; muito mais bem escrito, o filme era ainda mais homogéneo e muito mais divertido na forma como integrava elementos de comédia e de terror; tinha personagens secundárias bem desarrincadas, como o contabilista chato interpretado por Rick Moranis, e que faltam neste; e tinha criaturas fantásticas que se destacavam: Zuul, o ente de outra dimensão que incarnava em Sigourney Weaver, ou o gigantesco Mr. Stay Puft.

[Veja as quatro atrizes no programa de Jimmy Kimmel]

https://youtu.be/6lJdTW-Lfr0

As quatro novas Caça-Fantasmas serão todas atrizes muito engraçadas noutros contextos, mas aqui têm pouca identidade de grupo e, individualmente ou juntas, raramente conseguem registar picos de voltagem cómica. E o filme, apesar de conter alguns “gags” decentes e um punhado de tiradas piadéticas desgarradas (uma das melhores envolve Andy Garcia, que faz de “mayor” de Nova Iorque, e uma referência a “Tubarão”), tem mais olhos que barriga no que ao departamento do riso diz respeito.

[Veja os novos “gadgets” do quarteto]

A mochila de efeitos especiais acaba inevitavelmente por pesar muito, e o confronto final com o exército de entidades de além-túmulo é (mais) um típico momento de jogo de vídeo transposto para um ecrã de cinema. (O recurso ao 3D é, mais uma vez, básico e indiferente). Tirando Harold Ramis, que morreu há dois anos, e Rick Moranis, todos os outros principais intérpretes de “Caça-Fantasmas” têm breves aparições aqui (a de Bill Murray é a maior, e de longe a mais divertida), mas pouco ou nada valem para o resultado final. “Caça-Fantasmas” não é um susto de filme, mas anda a penar lá perto.