Num país com mais de 100 festivais por ano, não é fácil conquistar a fidelidade dos melómanos. Alguns eventos recorrem a cabeças de cartaz pagos a preço de ouro, outros fazem anúncios na TV onde, mais do que apelar à qualidade do cartaz, fazem destaque ao campismo. O Milhões de Festa, que não faz nem uma coisa nem outra, tornou-se um vício para muitos desde que, em 2010, reuniu em Barcelos um punhado de projetos nacionais e internacionais de qualidade, de diferentes géneros musicais, com o selo da Lovers & Lollypops. Entre 21 e 24 de julho há mais festa, com nomes como The Heads, Goat, Dan Deacon, The Bug, El Guincho, Ho99o9, Sun Araw e muitos mais. Há quem faça muito trabalho de casa e conheça várias bandas. Há quem faça muitos quilómetros para as conhecer aqui porque “este é o melhor festival para descobrir música”.

“O Milhões não é igual aos outros, até pelo espaço em si. Tens um palco junto a uma piscina, é mais pessoal, não tens um centro comercial lá dentro como os festivais mainstream“, explica ao Observador Makoto Yagyu (Riding Pânico, PAUS, If Lucy Fell). Além disso, “Barcelos é lindo”, o tipo de curadoria e de programação são feitos sem seguir uma lógica comercial, “o bilhete não é caro, os cachets não são caros, é mais alternativo”.

Sabe do que fala: nas nove edições que conta o festival, os Riding Pânico estiveram em todas. Incluíndo na primeira, em 2006, que se realizou no bar portuense Uptown. Relatos dizem que deviam estar umas 20 pessoas. “Para aí isso, sim. Na altura o Milhões tinha um formato diferente, não era o festival que é hoje”, recorda o baixista. Em 2007, a Lovers & Lollypops levou o Milhões para o espaço Censura Prévia, em Braga, e Makoto trabalhou a dobrar, com Riding Pânico e If Lucy Fell. Em 2010, o Milhões de Festa chegou a Barcelos, cidade de onde têm brotado projetos interessantes de rock alternativo. Nunca mais de lá saiu, e é fácil perceber porquê.

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Makoto no Milhões de Festa de 2014. Na piscina, claro. © D.R.

O radialista e DJ Tiago Castro vai marcar presença este ano, pela terceira vez consecutiva, o que significa que os ouvintes da Radar não vão poder contar com ele entre 21 e 24 de julho. “Em 2013 entrevistei o pessoal da Lovers & Lollypops e pedi-lhes para me explicarem como era o espaço. No ano seguinte, amigos convenceram-me a ir e o que senti foi fantástico, nunca tinha sentido aquilo num festival”, recorda ao Observador. E já foi a muitos. Fica “fascinado” com as diferentes propostas musicais — “dá para apanhar desde metal pesadíssimo até uma banda psicadélica da Tailândia” –, gosta de poder apanhar os concertos do início ao fim, por não haver sobreposições, e confia no bom gosto musical da organização, qualquer que seja o estilo em palco.

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“Eles dão-nos música para apreciar. Este é o melhor festival para descobrir música”, diz, seguro. É por isso que vai sair de Lisboa e enfrentar mais de 350 quilómetros de estrada por um cartaz cujos nomes lá impressos lhe são quase todos desconhecidos. “Mesmo eu trabalhando em música!”. Tiago Castro quer ver Goat, cujo concerto em Paredes de Coura em 2014 “foi incrível”, o eletrónico Dan Deacon, El Guincho, que lançou este ano Hiperasia, o teclista egípcio Islam Chipsy e o eclético britânico The Bug.

Tiago Castro da Radar foto veramarmelo

“É um sítio espetacular”, diz Tiago Castro sobre o recinto junto ao rio Cávado. Esta foto foi tirada lá, em 2014. © Vera Marmelo

Os nomes nunca antes escutados são “para ir experimentando”. E se for no Palco Piscina, onde é possível ver uma banda ao vivo enquanto se está a nadar, tanto melhor. Ana Markl, num artigo sobre festivais que escreveu para o Observador, partilha da mesma ideia:

A magia passa muito por essas tardes de molho, mas há motivações para todos os gostos: muitos vão pelo convívio, pela boa vida (e boa comida de Barcelos), pela diversão festivaleira longe de multidões e pelo sentido de pertença a uma comunidade mais seleta. A programação do festival é desafiante, por vezes até difícil, e — apesar de alguns valores seguros, como o regresso de El Guincho este ano — só serve o gosto de quem arrisca e tem vontade de desbravar.”

Também é frequente os artistas passearem-se pelo recinto e conversarem com as pessoas.”De repente aparecem uns cabeludos tatuados ao teu lado na piscina e tu percebes que é uma banda”, elogia Tiago Castro. “É um ambiente relaxado, em que a música é o mais importante, ao contrário dos festivais de maior dimensão, onde as pessoas se vestem de propósito para ir ao festival, tiram selfies e falam durante os concertos.”

Este ano, pela primeira vez, a única banda que esteve sempre no cartaz tem direito a curar o seu próprio palco, o Taina (que passou para dentro do recinto) durante o dia de sábado. Para isso, os Riding Pânico convidaram Quelle Dead Gazelle e Marvel Lima. Mas claro que Makoto Yagyu, Fábio Jevelim, Miguel Abelaira, Shela e José Penacho também vão atuar.

Quatro dias de Milhões de Festa em troca de 60 euros (e com direito a campismo) parece aquilo a que se costuma chamar de bom negócio. O bilhete diário custa 20 euros. A entrada esta quinta-feira é de borla.

cartaz milhões de festa 2016