Donald Trump encerrou a Convenção do Partido Republicano que o consagrou oficialmente como candidato à Casa Branca com um discurso feito à medida de um público que se diz cansado da política tradicional e que se confessa desiludido com o atual rumo dos EUA. A estes, Donald Trump deixou uma mensagem clara num discurso onde falou com um tom surpreendentemente sóbrio: “Eu sou a vossa voz”.

“Eu visitei os operários despedidos e as comunidades esmagadas pelos nossos acordos comerciais horríveis e injustos”, disse, tentando tirar o melhor partido do eleitorado de classe média e classe média-baixa. “Estes são os homens e as mulheres esquecidos do nosso país. Eles são esquecidos, mas não não vão ser esquecidos por muito mais tempo. Estas são pessoas que trabalham no duro, mas que não têm uma voz. Eu sou a vossa voz.”

De repente,foi como se, um pouco como grande parte do mundo, Donald Trump tivesse caído em si e tivesse assimilado o facto de que vai mesmo ser o candidato republicano nas próximas eleições presidenciais dos EUA. Ao contrário do que costuma fazer nas suas intervenções, onde fala de improviso, Donald Trump usou um teleponto no discurso de encerramento da Convenção do Partido Republicano. Além disso, renunciou à sua prática comum de lançar insultos aos seus adversários. Desta vez, ninguém ouviu nada sobre o “Pequeno Marco”, o “Ted Mentiroso”, o “Bernie Maluco” e nem sequer sobre a “Hillary Trapaceira”. E quando, como já era de esperar, uma manifestante anti-Trump lhe interrompeu o discurso, este não tratou de ridicularizá-la, mas antes de dizer: “A nossa polícia e a polícia de Cleveland é ótima, não é?”.

Mesmo assim, Donald Trump foi fiel aos temas que têm feito parte da coluna vertebral da sua mensagem e que, à sua maneira, colocou na ordem do dia nos EUA: a segurança, a imigração ilegal, a economia e, num termo que lhe é caro, “a luta contra o politicamente correto”.

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Guerra aberta contra o “politicamente incorreto”

Foi precisamente por esta última parte que Donald Trump começou o seu discurso de mais de uma hora, quando disse que ia “apresentar os factos de forma simples e honesta”. “Nós já não podemos ser tão politicamente corretos”, disse, perante uma audiência que festejou esta frase como se se tratasse de um golo no último minuto de um mundial. “Portanto, se vocês quiserem ouvir o discurso empresarial, as mentiras cuidadosamente fabricadas, os mitos dos media, então os democratas têm a convenção deles para a semana“, apontou. “Vão lá ter. Porque aqui, na nossa convenção, não vai haver mentiras. Nós vamos honrar o povo americano com a verdade e nada mais.”

De seguida, Donald Trump tratou de abordar os seus temas centrais num discurso cuidadosamente preparado, muitas vezes com as estatísticas e os números que lhe costumam faltar nos discursos de improviso. O primeiro, foi a violência. “Os homicídios no ano passado aumentaram 17% nas 50 maiores cidades americanas. É o maior aumento em 25 anos. Na capital da nossa nação, os homicídios aumentaram 50%. Subiram quase 60% na zona de Baltimore”, referiu, para depois fazer a primeira menção direta a Barack Obama: “Na cidade do Presidente, Chicago, mais de 2 mil pessoas foram vítimas de tiroteios só neste ano e mais de 4 mil pessoas foram mortas na zona de Chicago desde que ele tomou posse”.

E, claro, numa convenção onde os homicídios recentes de polícias em serviço foram um dos temas mais frequentes, Donald Trump não deixou de fazer alusão a essa realidade, misturando-a com a da imigração ilegal — apesar de os tiroteios de Dallas e Baton Rouge terem sido da autoria de veteranos de guerra norte-americanos. “O número de polícias mortos em trabalho aumentou quase 50% comparado com esta altura no ano passado. Quase 180 mil imigrantes ilegais, com cadastro, que foram mandados sair do nosso país, estão hoje à solta para ameaçar cidadãos polícias“, garantiu. O público reagiu gritando “construam um muro!, construam um muro!”.

“O legado de Hillary Clinton não tem de ser o legado da América”

Da segurança interna passou para a segurança além-fronteiras, referindo-se assim a Hillary Clinton pela primeira vez no seu discurso. Nas palavras de Donald Trump, que citou os exemplos do Egito, da Síria, do Irão e da Líbia, “a América está muito menos segura e o mundo está muito menos estável do que quando Obama tomou a decisão de meter Hillary Clinton à frente da política internacional americana”. O público tornou a reagir, desta vez com o cântico mais comum desta convenção, em que é pedida a prisão de Hillary Clinton: “Fechem-na à chave! Fechem-na à chave!”.

“Mas o legado de Hillary Clinton não tem de ser o legado da América”, explicou. “Os problemas que encaramos agora — pobreza e violência no nosso país, guerra e destruição no estrangeiro — só vai durar enquanto continuarmos a contar com os mesmos políticos que os criaram”, referiu. E, acrescentou, enquanto os políticos no poder forem os mesmos, “as outras nações não vão tratar a América com o respeito que nós merecemos”.

Daí para a frente, Donald Trump começou a divulgar o seu “plano”, onde garantiu que “o povo americano virá em primeiro lugar”.

Na economia, prometeu a elaboração de um plano — outro — “que vai criar milhões de empregos e que vai trazer biliões de dólares que vão reformar a América” e prometeu uma espécie de New Deal ao construir “estradas, autoestradas, pontes, túneis, aeroportos e as linhas férreas do futuro”.

Na luta contra o terrorismo, falou de refugiados sírios e prometeu “suspender a imigração de qualquer país que tenha estado comprometido com terroristas enquanto não houver no terreno mecanismos de função” e acrescentou que só admite “indivíduos no nosso país que apoiem os nossos valores e amem o nosso povo”.

No tema da imigração, prometeu “construir uma grande muralha na fronteira para parar a imigração ilegal, para para os gangues e a violência”, garantindo que “as travessias ilegais vão acabar” e que “a paz vai ser restaurada”. “A primeira tarefa para a nossa administração será livrar os nossos cidadãos do crime, do terrorismo e do desrespeito pela lei que ameaçam as nossas comunidades”, prometeu. “Vamos derrotar os bárbaros do Estado Islâmico e vamos fazê-lo rapidamente.”

Além disso, deixou várias promessas isoladas. “Nós vamos acabar e substituir o desastre que é o Obamacare e os americanos vão poder voltar a escolher o seu médico”, disse. “Vamos resgatar as crianças de escolas falhadas e vamos ajudar os seus pais a mandarem-nos para uma escola segura da sua escolha”, referiu noutra altura. Sobre a vaga no Tribunal Supremo, que será preenchida por um juiz designado pelo próximo Presidente, Donald Trump disse que, no que depender dele e da sua escolha para aquela vaga, irá “proteger o direito de todos os americanos de manterem as suas famílias seguras” e manter a segunda emenda da Constituição, que garante o “direito a erguer armas”. E, por fim, prometeu que nestas eleições será “o candidato da ordem e da lei”.

Mas não foi só de promessas que se fez o discurso de Donald Trump. Como não poderia deixar de ser, a presumível candidata do Partido Democrata, a ex-Secretária de Estado Hillary Clinton, foi alvo de várias críticas por parte do seu rival. Donald Trump apontou que “as grandes empresas, os media da elite e os grandes contribuidores financeiros para as campanhas” estão com Hillary “porque eles sabem que ela vai fazer tudo para garantir que o nosso sistema continua engendrado”. Por isso é que “eles estão a mandar-lhe dinheiro para cima dela”. “Eles têm total controlo sobre tudo o que ela faz. Ela é o fantoche deles e eles é que puxam os cordelinhos.”

Sobre o caso do servidor privado que Hillary Clinton usou para alojar os e-mails profissionais dos seus tempos de Secretária de Estado, Donald Trump acusou-a de “meter o nosso país em risco” e de “mentir sobre isso de todas as maneiras” sem que com isso sofresse “nenhuma consequência”. “Eu sei que a corrupção chegou a um nível que nunca, nunca antes tivemos no nosso país.”

Donald Trump, o assentador de tijolos, o negro, o latino e o gay

Também houve oportunidade para Donald Trump falar dele próprio. Neste caso, longe parecem estar os tempos em que a sua linha de honra era dizer algo como “eu sou rico, mesmo muito rico” ou, como chegou a dizer numa entrevista à CNN, quando lhe perguntaram com quem é que se andava a aconselhar em matérias de política externa, “tenho falado comigo próprio, porque eu tenho um bom cérebro, muito bom”.

Agora, parece estar concentrado em passar a ideia de que é um homem comum, quase um homem do povo. Quando falou do pai, o construtor Fred Trump, referiu que “ele era um tipo que estava mais confortável na companhia dos assentadores de tijolos, dos colocadores de alcatifa e dos eletricistas”, para depois acrescentar “eu também sou muito assim”.

E quando não tentava passar por um “homem do povo”, garantia que era o homem certo para defender o povo. “Eu tenho tido uma grande vida no mundo dos negócios. Mas, agora, a minha única e exclusiva missão é trabalhar por um país e ir trabalhar para vocês”, disse. Mais do que uma vez, garantiu: “Eu sou a vossa voz!”. E mais tarde acrescentou: “Eu entrei na arena para que os poderosos não continuassem a bater naqueles que não se podem defender”.

Noutro gesto pouco comum, Donald Trump acusou o governo de Barack Obama de piorar a vida dos afro-americanos e dos latinos, ambas minorias com quem tem tido uma relação problemática e pouco sucesso eleitoral. O mesmo se passou em relação à comunidade LGBTQ — à qual Donald Trump se referiu generosamente ao relembrar ao tiroteio na discoteca Pulse, em Orlando — embora tenha tropeçado ao referir aquela sigla de cinco consoantes.

Os dias do bully Donald Trump podem estar pelas costas — pelo menos enquanto tiver um teleponto à frente. Donald Trump parece agora estar investido em ser aquilo que muitos lhe criticaram de não ser: presidencial. Agora, depois de umas eleições primárias onde venceu muito graças à sua agressividade e instinto de sobrevivência, o improvável candidato dos republicanos à Casa Branca demonstra um desejo claro que se esticar até ao centro e conquistar o eleitorado que até agora ainda não convenceu.

Tem 109 dias até 8 de novembro de 2016 para fazê-lo. E sobre aqueles que acham que esse é um desfecho improvável, Donald Trump deixou uma mensagem: “Lembram-se daquelas pessoas que diziam que ‘o Trump não tem hipótese nenhuma de estar aqui esta noite, nenhuma’? Nós adoramos derrotar essas pessoas não adoramos?”.