Quando, em 2011, Verónica Milagres pensou em fazer uma rádio online para crianças, pais e educadores, onde até os “miúdos” pudessem ser radialistas, o projeto não avançou. “Demorou alguns anos a conseguir pôr em prática”, conta ao Observador. Mas não desistiu. “Tudo o que tenho feito na vida vai quase sempre dar às crianças. E na altura pensei: não há por aí nenhuma rádio para crianças em português. E faz falta”, diz.

Licenciada em ensino básico, cantora profissional do coro da Gulbenkian há 20 anos e com dois filhos, Verónica Milagre queria juntar três grandes paixões: a música, a língua portuguesa e as crianças. Acabou por juntá-las na Rádio Miúdos, uma webrádio que hoje dirige e que começou a emitir regularmente em janeiro deste ano. Volvidos sete meses, o projeto conta com ouvintes de quase 90 países (do Brasil ao Irão, da Austrália ao Botsuana) e com quatro crianças na equipa (porque a ideia, explica, também passa por pôr crianças a fazer rádio). Este mês, a Rádio Miúdos foi premiada pela representação da Comissão Europeia em Portugal, na categoria “Canvas – Projetos Que Marcam”.

O prémio da Comissão Europeia foi fantástico, não só pelo dinheiro [3.000 euros], mas também pela divulgação, pela força que dá ao projeto. É uma honra termos sido premiados e é mais um reconhecimento, mais uma validação, depois das validações dos profissionais e pais que nos escrevem e enviam mensagens”, diz.

A ideia surgiu a partir de uma “conversa informal”, em 2011. Mas Verónica conta que ficou na gaveta. Mais tarde, falou dela ao jornalista e radialista João Pedro Costa (que já passou pela RFM e Euronews, por exemplo). Ele “gostou imenso” e começaram, juntos, “a delinear e a construir esta rádio”. No processo, concorreram ao prémio Faz Ideias de Origem Portuguesa 2015, da Fundação Calouste Gulbenkian. Acabaram em terceiro lugar e com 10.000 euros no bolso, que usaram para montar um estúdio, no Bombarral (distrito de Leiria).

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A Rádio Miúdos começou a ganhar vida. E cresceu até estar 24 horas online, sete dias por semana, com duas horas de direto diárias (das 14h às 16h), de segunda-feira à sexta-feira. Como agora. Sempre com um objetivo em mente: o de não se ficar apenas por ser uma “rádio divertida”.

Nunca quisemos fazer uma rádio para crianças só de entretenimento, mas uma rádio normal, com todos os programas que uma rádio tem, mas adaptada às crianças, com assuntos que lhes interessam a elas, com músicas que não passam numa rádio normal — música infantil, por exemplo. Uma rádio cultural e educativa”, resume.

Pôr o português nos ouvidos dos lusodescendentes

Outra das preocupações da Rádio Miúdos passa pela relação dos lusodescendentes com a língua portuguesa. Foi uma das motivações para terem avançado com o projeto. Porque “há muita emigração jovem com miúdos que vão muito pequenos para fora. Os miúdos obviamente aprendem muito rapidamente a língua do país para onde vão, o que é muito bom. Mas às vezes os pais sentem também que há uma tendência para perderem o português, mesmo falando em casa”, explica Verónica.

Porque o português que falam em casa é limitado, o léxico é o discurso normal de uma casa. A Rádio Miúdos tem essa preocupação. Daí que tenhamos programas de conversa, com duas pessoas a fazerem a emissão, para que se possam utilizar as palavras todas. Além disso, não temos um discurso infantilizado. Temos é a preocupação de, quando dizemos uma palavra mais difícil, explicar o que é a palavra, desmontá-la. E muitas vezes nem é preciso, eles percebem pelo contexto”, diz.

No que toca à música, a Rádio Miúdos não passa apenas música infantil, esclarece a diretora. “Passamos música de muitos géneros em português. De música pop, rock e rap a tradicional e fado. Obviamente que, se passamos um rap, temos de ter o cuidado de ver se não há nenhuma asneira. Se passamos um fado, não vamos pôr um tema de chorar as pedras da calçada”, explica.

Outra vontade passa por continuar a ter crianças a experimentar fazer rádio. “Qualquer criança, esteja onde estiver, no mundo inteiro, pode participar e fazer emissões connosco, mesmo em direto. Já fazemos isto às sextas-feiras, com miúdos lá de fora, miúdos portugueses, lusodescendentes”, explica Verónica. Mas também adultos: foi por Skype, por exemplo, que falaram, recentemente e em direto, com “uma professora de português e com uma turma inteira dela, no Qatar”, conta.

Além de poder ser ouvida no site, a Rádio Miúdos também já pode ser ouvida através de uma app gratuita, que pode ser descarregada, por exemplo, na App Store. A aposta na app é feita porque “o digital é o presente e o futuro. Quisemos ir ao encontro do que as crianças e jovens mais usam e mais gostam”, explica a responsável, que sublinha, contudo, não querer que as crianças “fiquem presas a estes meios”.

Quanto às receitas e à possível introdução de publicidade na rádio, Verónica Milagres diz que estão “abertos”, mas que, “sendo uma rádio para crianças, há publicidade e publicidade”, pelo que não faria sentido um anúncio de uma marca de cerveja passar na Rádio Miúdos, exemplifica.