“Esquadrão Suicida”

Este filme de David Ayer (“Fim de Turno”, “Fúria”) é a nova arma da guerra entre heróis, super-heróis e anti-heróis de “comics” travada em Hollywood entre dois impérios do entretenimento global, a Disney/Marvel e a Warner/DC). Baseado nas personagens criadas por John Ostrander, “Esquadrão Suicida” põe em cena um grupo de psicopatas, mutantes com super-poderes, ladrões, assassinos profissionais e aberrações, tirados pelo governo dos EUA de uma prisão de altíssima segurança, para combaterem uma tenebrosa ameaça sobrenatural. O conceito quer ser original — os anti-heróis são os novos heróis –, mas “Esquadrão Suicida” é mais do mesmo no género: história de juntar por pontinhos, personagens monocórdicas, ultraviolência, destruição e saturação visual e sonora até à insensibilização do espectador mais resistente e ambiente de jogo de vídeo gigantesco, tudo banhado num espessíssimo molho de efeitos digitais. No final, os “bad guys” afinal nem são tão maus como isso e quem se revela mesmo implacável e má como as cobras, é a diretora do projeto estatal que os controla. Os iniciados e zelotas dos “comics” têm o êxtase garantido, os restantes ficarão compreensivelmente perplexos ou pura e simplesmente ignorarão.

“Race: 10 Segundos de Liberdade”

O simplismo de pendor hagiográfico e com polimento politicamente correto predomina neste filme de Stephen Hopkins que segue o campeão olímpico Jesse Owens desde a sua entrada na Universidade do Oregon, em 1933, até à ressaca da sua proeza nos Jogos Olímpicos de Berlim de 1936, onde conquistou quatro medalhas de ouro. Owens era um atleta superior e um homem bom e digno, vítima da descriminação racial e de humilhações várias nos EUA mesmo após o seu feito olímpico (chegou a ter que correr contra cavalos para poder sobreviver, e a certa altura desabafou que tinha sido mais bem tratado e respeitado na Alemanha hitleriana do que o era no seu país) e merecia melhor do que esta fita com pés de chumbo e pseudo-“inspiradora”. Salvam-se as interpretações de Stephan James em Jesse Owens e de Jason Sudeikis no seu treinador e antigo atleta olímpico, o lendário Larry Snyder.

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“Histórias de Bairro”

O escritor e também realizador francês Samuel Benchetrit adapta aqui ao cinema o seu livro Chroniques de l’asphalte, que o revelou em 2005, passado num degradado e tristonho prédio de habitação social de um subúrbio de Paris. Dispondo de um invejável elenco (Isabelle Huppert, Gustave Kervern, Michael Pitt, Valeria Bruni Tedeschi, entre outros), Benchetrit usa a personagem de um dos inquilinos, o jovem Charly (interpretado pelo seu filho, Jules Benchetrit) como pivô de um punhado de pequenas histórias protagonizadas por outros moradores, e que têm como denominadores comuns a solidão, a pobreza afetiva e um desespero surdo e resignado. Uma delas comunga da comédia absurda, com a aterragem, no terraço do edifício, de uma cápsula que transporta um astronauta americano que teve de se ejetar de emergência da nave onde estava em órbita, e fica em casa de uma simpática senhora de idade argelina até que a NASA o venha buscar. “Histórias de Bairro” é um filme agradavelmente conseguido na sua arrumação narrativa e modéstia tragicómica.

“Dersu Uzala”

No início dos anos 70, após uma depressão causada por uma fase má da sua carreira, e uma tentativa de suicídio falhada, Akira Kurosawa rumou à URSS para aí rodar a adaptação ao cinema de um livro que queria filmar desde os anos 50, a narrativa da amizade entre Vladimir Arseniev, um capitão de engenharia do exército russo, e um caçador nómada, Dersu Uzala, durante duas expedições científicas realizadas por aquele no início do século XX, nos confins da Rússia asiática, próximo da China. Além da história de uma amizade improvável que se revela profunda e intensa, e de uma grande aventura de exploração na natureza inóspita, “Dersu Uzala” é ainda um belíssimo poema cinematográfico, um elogio da nobreza dos sentimentos e uma elegia por um modo de vida ameaçado de extinção pela chegada do mundo moderno. Vencedor do Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, “Dersu Uzala” foi escolhido como Filme da Semana pelo Observador, e pode ler a crítica aqui.