Paulo Azevedo terá afirmado na Operação Marquês que o Grupo Espírito Santo já tinha uma situação líquida perto do zero em fevereiro de 2007 — altura em que a Sonae lançou uma OPA à Portugal Telecom (PT). Mas mesmo assim o GES conseguiu financiar o reforçar a sua posição acionista na PT de 8% para 10%. A informação da degradação financeira do grupo, segundo Azevedo, seria do conhecimento generalizado dos bancos portugueses e só a influência que Ricardo Salgado tinha no sistema de negócios português terá permitido que a derrocada do império da família Espírito Santo apenas tivesse ocorrido em 2014. Caso a Sonae tivesse ganho a OPA, Paulo Azevedo não terá dúvidas de que as fragilidades do GES teriam sido conhecidas mais cedo.

O testemunho do líder da Sonae, que se verificou em setembro de 2015 e cuja existência já foi noticiada pelo Diário de Notícias, ganha agora uma nova importância face às novas suspeitas que ligam o alegado favorecimento do GES por parte do governo de José Sócrates nos negócios da PT às transferências suspeitas do GES para Carlos Santos Silva, o empresário amigo de Sócrates, considerado pelo Ministério Público como o seu testa de ferro. Foi a partir do testemunho de Paulo Azevedo que a investigação da Operação Marquês começou a ganhar esse novo rumo. E que o procurador Rosário Teixeira e os restantes investigadores terão reforçado os seus indícios de que terá existido uma aliança estratégia entre o governo de José Sócrates e o Grupo Espírito Santo (GES) liderado por Ricardo Salgado.

A primeira preocupação do procurador Rosário Teixeira para a chamada de Paulo Azevedo (e do seu pai, Belmiro, que não compareceu por motivo de doença) a prestar depoimento no processo visava a OPA que a Sonae tinha lançado em 2007 sobre a PT SGPS e sobre a PT Multimédia — ao fim e ao cabo, este negócio de mais de 16 mil milhões de euros que surpreendeu o mercado terá sido o princípio da história da alegada ligação entre José Sócrates e Ricardo Salgado.

Duarte Paulo Azevedo terá afirmado, ao que o Observador apurou, que José Sócrates foi o primeiro contacto que ele e o seu pai Belmiro tiveram sobre a OPA à PT fora do restrito e reduzidíssimo núcleo da equipa da Sonae e do Santander (o banco que apoiou o grupo de Belmiro de Azevedo no processo) que estava a preparar o negócio. O encontro terá ocorrido em meados de dezembro a pedido dos Azevedo e ter-se-á concretizado na residência oficial do primeiro-ministro por determinação de Sócrates. O processo da OPA iria sempre obrigar a Sonae, independentemente do resultado final, a gastar um mínimo de 30 milhões de euros a preparar e a registar o processo. Era por isso natural que Paulo e Belmiro quisessem perguntar diretamente ao primeiro-ministro se o Estado tencionava usar a golden-share (500 ações com direitos especiais de veto) para inviabilizar a operação da Sonae.

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Sócrates, segundo Paulo Azevedo, terá ficado muito surpreendido com a possibilidade mas, aparentemente, agradado. O primeiro-ministro, que se encontrava acompanhado de Mário Lino (ministro das Obras Públicas com a tutela da PT), terá dito que, naquele momento, não estava a ver nenhuma situação que colocasse em causa o interesse nacional e obrigasse o Estado a usar a golden-share. Como bom político, e sem se comprometer, Sócrates não encontrava motivos, segundo contou Azevedo, para qualquer veto político à OPA por parte do governo caso a Sonae avançasse, acrescentando que o seu executivo iria sempre analisar a proposta com independência e equidistância.

Foi precisamente isso que aconteceu em fevereiro de 2007. Após o anúncio da OPA, o então ministro Mário Lino anunciou que iria criar uma equipa que iria ouvir a Sonae e a administração da PT que, entretanto, tinha considerado a OPA como hostil e tinha desaconselhado os acionistas a venderem.

A oposição do governo Sócrates à OPA

Questionado pelo procurador Rosário Teixeira sobre quando teve a perceção de que não contava com o apoio do governo de José Sócrates, Paulo Azevedo terá sido claro na resposta: a partir do segundo semestre de 2006. Nesta altura, a Sonae já atuava com a crença de que existia uma aliança entre o governo de Sócrates e o GES e que tinha de convencer uma parte muito significativa do mercado para levar a sua avante e derrotar essa aliança.

Tudo começou quando a Sonae percebeu que as negociações com Luís Ribeiro Vaz, líder da equipa nomeada pelo ministro Mário Lino, eram alegadamente simuladas, segundo Paulo Azevedo. Além das reuniões que demoravam a ser marcadas e de perguntas sem nexo (como, terá recordado, a de saber se a Sonae tencionava deslocalizar a sede da empresa para fora de Lisboa), Paulo Azevedo terá contado que começaram a ter respostas pouco razoáveis do ministro Mário Lino sobre a falta de empenho nas ditas negociações ou sobre os alertas da Sonae do surgimento de novos acionistas após o anúncio da OPA.

O testemunho de Paulo Azevedo, juntamente com a recolha de outros indícios, levaram a equipa de Rosário Teixeira a considerar que Luís Ribeiro Vaz terá tido uma intervenção alegadamente decisiva para o insucesso da proposta da Sonae. Daí as buscas a que foi sujeito ao mesmo tempo que Zeinal Bava, Henrique Granadeiro e Luís Pacheco de Melo.

Questionado sobre a alegada proximidade entre Ricardo Salgado e José Sócrates, Paulo Azevedo não terá sido muito expansivo. O líder da Sonae terá afirmado que o seu grupo tinha a noção de que existia uma convergência de interesses entre a família Espírito Santo e o próprio governo, mas não soube dizer se isso correspondia a uma relação direta entre o então primeiro-ministro e o líder da família Espírito Santo. Azevedo terá ainda acrescentado que estavam envolvidas outras pessoas nesse processo de aliança, como o ministro Mário Lino, o secretário de Estado Paulo Campos, Armando Vara (Caixa Geral de Depósitos) e Luís Ribeiro Vaz (gestor contratado pelo Estado).

O MP suspeita agora que a oposição de José Sócrates à OPA da Sonae teve como alegada contrapartida transferências do GES para as contas bancárias de Carlos Santos Silva.

A conversa com Ricardo Salgado

Além de José Sócrates, Paulo Azevedo também terá contactado com Ricardo Salgado. Encarado pela Sonae como uma pessoa-chave em todo o processo devido ao seu peso acionista e influência (tinha conseguido indicar, segundo Paulo Azevedo, Miguel Horta e Costa e Henrique Granadeiro para liderar a PT), Salgado terá dado um bom exemplo de todo o seu poder ao afirmar, segundo Azevedo, que a Sonae deveria ter falado primeiro com ele. Uma afirmação com uma crítica forte implícita visto que o encontro só ocorreu já após o anúncio da OPA Sonae. Paulo Azevedo terá tentado argumentar que, tendo em conta as regras bastante apertadas da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, a OPA não podia ser do conhecimento de ninguém antes do seu anúncio formal, não devendo Salgado interpretar essa matéria como um ato hostil da parte da Sonae.

Este encontro entre Paulo Azevedo e Ricardo Salgado, que terá ocorrido na sede do BES, tem um significado especial devido à relação bastante distante que a Sonae sempre teve com o GES/BES. Paulo Azevedo queria melhorar as relações e, apesar da opinião negativa do seu pai Belmiro quanto ao sucesso dessas démarches, terá abordado Ricardo Salgado para lhe explicar as virtuosidades da proposta da Sonae.

Além da insatisfação por não ter sido a primeira pessoa a ser contactada (de preferência, antes do mercado saber), Salgado não se manifestou muito sobre o negócio, segundo Paulo Azevedo terá dito à investigação do caso Marquês. Limitou-se a afirmar que o preço oferecido pela Sonae podia ser mais elevado e que a PT já tinha concorrência a mais. Este último ponto representava uma oposição total face aos argumentos históricos da Sonae sobre a situação de alegado monopólio da PT.

No testemunho prestado na Operação Marquês, Paulo Azevedo terá insistido ainda que a OPA lançada pela Sonae visava promover a concorrência no mercado de telecomunicações face ao poder da PT, segundo o seu ponto de vista lesivo para os consumidores, devido à quota de cerca de 80% de todos os mercados de telecomunicações menos o móvel. A PT tinha, terá argumentado Paulo Azevedo, quase 100% do satélite, quase 100% da voz fixa, quase 100% da televisão paga, quase 100% dos cabos submarinos e ainda cerca de 40% da rede móvel. A Sonae, terá dito Azevedo, queria inverter essa situação, vendendo as redes fixas a outro player e fazendo com que a PT dividisse a sua quota de mercado com outros concorrentes nos mercados de satélite, internet, voz fixa, televisão paga, etc. Este status quo, desejado pela PT e pelo BES, era insustentável a prazo por pressão da opinião pública e até da Comissão Europeia, terá argumentado Paulo Azevedo junto de Ricardo Salgado.

O mesmo terá dito o líder da Sonae sobre a manutenção da Vivo no Brasil, já que entendia que manter o Brasil e Marrocos era impossível. A PT não tinha capacidade financeira para suportar os dois mercados. Salgado discordava em absoluto — e Sócrates olhava para a manutenção da PT no Brasil como uma questão de interesse nacional.

A situação financeira do GES e o reforço na PT

Uma das questões mais surpreendentes do testemunho de Paulo Azevedo prender-se-á com a afirmação, que, ao que o Observador apurou, terá sido repetida por diversas vezes na conversa que teve com o procurador Rosário Teixeira, de que o GES já estava em crise financeira em 2007. O líder da Sonae começou por afirmar que o grupo de Ricardo Salgado tinha 8% do capital da PT antes do anúncio da OPA por parte da Sonae mas que logo a seguir reforçaram para perto dos 10%.

Esse aumento da posição acabou por surpreender a Sonae porque o grupo de Belmiro e Paulo Azevedo já tinha noção que o GES nesse momento já teria uma situação líquida perto do zero, sem capacidade de financiar um aumento da sua participação, disse Azevedo

Paulo Azevedo terá sido igualmente questionado sobre se a Sonae tinha noção em 2007 do investimento que a PT realizava em dívida do GES — investimento que, segundo Ricardo Salgado afirmou ao Ministério Público, chegou a alcançar cerca de 1,2 mil milhões de euros. O líder executivo da Sonae terá referido que a sua equipa nunca conseguiu averiguar o número exato, mas que se falava em diversos empréstimos de tesouraria com números elevados.

Terão sido igualmente abordados os contratos de fornecimento de serviços que a PT estabelecia com os seus acionistas. Isto é, empresas do GES (como o Banco Espírito Santo Investimento) da Caixa Geral de Depósitos (a Caixa Banco de Investimento), do Grupo Ongoing (Heidrick & Strugles), do Grupo de Joaquim Oliveira (Sport TV) e do Grupo Visabeira eram fornecedores da PT. Paulo Azevedo terá afirmado mesmo que, face aos valores muito significativos desses contratos, era natural que, no contexto da OPA da Sonae, os mesmos pesassem na decisão de venda por parte desses acionistas. Existia sempre a dúvida sobre qual a verdadeira conta que estariam a fazer: aos contratos e dividendos que perderiam ou ao valor que ganhariam com as vendas das respetivas ações. Para a Sonae, essa era um obstáculo importante a ultrapassar.

Uma coisa era certa para a família Azevedo. Se vencessem a OPA, realizariam concursos para todos os fornecimentos com uma regra de ouro: ganharia quem oferecesse os preços mais competitivos e a maior qualidade e segurança no fornecimento dos serviços ou produtos que a PT desejasse adquirir. Paulo Azevedo terá afirmado no DCIAP que alguns dos acionistas que forneciam serviços à PT tinham receio dessas novas regras porque poderiam perder os contratos que tinham com a empresa.

O GES de Ricardo Salgado terá sido mesmo apontado pelo filho de Belmiro de Azevedo como aquele que tinha mais a perder com uma vitória da Sonae — nomeadamente algo que tem mais valor do que um simples contrato: a influência.

Azevedo terá descrito Ricardo Salgado como o líder de uma vasta aliança de acionistas portugueses (GES, Caixa Geral de Depósitos, Ongoing, Visabeira e Joaquim Oliveira). Mas para liderar essa aliança necessitava da influência que o seu estatuto de maior acionista português na PT lhe proporcionava. A Sonae não tinha dúvidas que, caso conseguisse retirar esse estatuto ao GES, Ricardo Salgado deixaria de ter algo relevante para oferecer aos restantes acionistas.

Paulo Azevedo terá afirmado mesmo que, caso a Sonae vencesse a OPA em 2007, era possível que a crise financeira do GES que se iniciou em 2014 e culminou com a insolvência de diversas holdings como a Espírito Santo International e a Rioforte, tivesse acontecido mais cedo.

O líder da Sonae considerou que o GES conseguiu manter durante muito tempo uma situação líquida negativa, que era do conhecimento pelo menos na banca, devido à influência que tinha no sistema de negócios português e da perceção que conseguiu construir de que nunca cairia. Para Paulo Azevedo não havia dúvidas que tal situação só foi possível devido ao poder que Ricardo Salgado foi angariando ao longo dos anos e à perceção generalizada subjacente ao cognome pelo qual era conhecido: DDT – Dono Disto Tudo. Uma empresa normal não resiste muito tempo com a situação líquida negativa e ainda por cima em anos tão difíceis, terá concluído o líder da Sonae.

Ao contrário de Ricardo Salgado que, considerou que foi o negócio da Oi que destruiu a PT, Paulo Azevedo terá afirmado que a crise do GES foi determinante para o gigante português das telecomunicações. Até porque, terá justificado o gestor, o setor das telecomunicações não foi especialmente afetado pela crise. Verificou-se mesmo, em termos de minutos, um aumento do volume do consumo, embora com muita pressão competitiva e receitas a cair.

Spin off da PT Multimedia

A separação da PT Multimédia da PT, uma das consequências da derrota da OPA da Sonae assumida pela administração liderada por Henrique Granadeiro, foi o último tema a ser abordado na inquirição de Paulo Azevedo. O gestor terá contestado que tivesse acontecido uma separação real, visto que, na sua ótica, os acionistas mantiveram-se os mesmos, não se tendo verificado o pressuposto de que os acionistas ficavam de um lado ou do outro – e não nos dois ao mesmo tempo.

A concorrência, contudo, aumentou porque ter-se-á verificado uma luta de gestores entre Rodrigo Costa, o novo líder da PT Multimédia, e Zeinal Bava, ex-líder da PT Multimédia e então o número 2 da administração de Henrique Granadeiro na PT — luta essa que, segundo terá dito Azevedo, não estava na expectativa dos acionistas.

Tal luta terá começado quando Zeinal Bava, terá dito o líder da Sonae ao procurador Rosário Teixeira, contratou 50 gestores da PT Multimédia antes do spin off, tendo depois o Rodrigo Costa respondido contratando mais tarde cerca de 30 executivos à PT que estavam a ser substituídos por pessoas da confiança de Bava.

Paulo Azevedo não terá deixado, no entanto, de afirmar que o facto das estruturas acionistas das duas empresas terem muitas semelhanças impediu durante muito tempo a fusão a fusão da Optimus com a Zon (a nova marca criada pela nova PT Multimédia). Só as dificuldades financeiras acrescidas da aliança nacional que dominava a PT (nomeadamente, o GES e a Controlinveste de Joaquim Oliveira) fizeram com que esses acionistas se fossem retirando e que a essa fusão fosse possível. O GES, por exemplo, vendeu a sua participação na ZON a Isabel dos Santos ao mesmo tempo que a Caixa, mas numa fase de muito aperto financeiro.