António Guterres voltou a ter o melhor resultado na votação informal e secreta do Conselho de Segurança, órgão que terá mais à frente de indicar quem é que recomenda para o cargo de Secretário-Geral das Nações Unidas. O ex-primeiro-ministro português recebeu um total de 11 votos de encorajamento, três de desencorajamento e um de não-opinião.

A informação foi avançada pela jornalista Michelle Nichols, correspondente da Reuters nas Nações Unidas, e entretanto corroborada por vários jornalistas no local.

Nesta terceira votação, que é feita de forma informal e também secreta, António Guterres acaba por ter um resultado menos favorável do que nas duas primeiras ocasiões. A 21 de julho, não teve nenhum voto contra. A 5 de agosto, teve dois. Agora, esse número sobe para três. No caso de algum destes três votos de desencorajamento pertencerem a um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança (China, Rússia, França, Reino Unido e EUA), a candidatura de António Guterres fica mais dificultada, uma vez que os países conhecidos por P-5 têm poder de veto.

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A seguir a António Guterres, a ordem de preferência foi a seguinte: Miroslav Lajčák, ministro dos Negócios Estrangeiros e vice-primeiro-ministo da Eslováquia, com 9 votos de encorajamento, 5 de desencorajamento e 1 de não-opinião; a búlgara Irina Bokova, diretora da UNESCO, com 7-5-3; Vuk Jeremić, atual presidente da Assembleia das Nações Unidas e antigo ministro dos Negócios Estrangeiros da Sérvia, com 7-5-3; Susana Malcorra, ministra dos Negócios Estrangeiros da Argentina, com 7-7-1; o macedónio Srgjan Kerim, ex-presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas, com 6-7-2; Helen Clark, ex-primeira-ministra da Nova Zelândia, com 6-8-1; Danilo Türk, ex-Presidente da Eslovénia, 5-6-4; Natalia Gherman, primeira-ministra da Moldávia, com 2-12-1; e a costa-riquenha Christiana Figueres, secretária executiva da Convenção das Nações Unidas Para As Alterações Climáticas, com 2-12-1.

Esta votação representou uma aparente reviravolta para a candidatura de alguns candidatos. O caso que mais se destaca é o de Miroslav Lajčák, ministro dos Negócios Estrangeiros e vice-primeiro-ministo da Eslováquia, que na votação anterior ficou no 10º e penúltimo lugar na ordem preferência e que agora surge em segundo lugar. Também a búlgara Irina Bokova, diretora da UNESCO, salta para o terceiro lugar, tornando-se na mulher com melhor resultado. Essa posição era ocupada por Susana Malcorra, ministra dos Negócios Estrangeiros da Argentina, que agora passou para quinto lugar.

Nesta altura, restam dez candidatos ao cargo mais importante na estrutura das Nações Unidas. Para já, houve apenas duas desistências: a primeira foi de Vesna Pusić, ex-ministra dos Negócios Estrangeiros da Croácia, que se retirou depois de ter o pior na primeira votação; e a de Igor Lukšić, ex-primeiro-ministro do Montenegro, que desistiu a poucos dias da terceira votação.

A expectativa é que os candidatos com resultados menos favoráveis se retirem da corrida, permitindo a que, por meio de uma sucessão de votações, o Conselho de Segurança da ONU indique unanimemente o nome do candidato. Este será posteriormente submetido a uma votação final da Assembleia Geral da ONU.

China, Rússia, França, Reino Unido e EUA têm de chegar a um consenso

O Conselho de Segurança da ONU é composto por 15 países, entre os quais cinco que são membros permanentes, conhecidos como os P-5: China, Rússia, França, Reino Unido e EUA. A estes, juntam-se 10 países que integram aquele órgão em mandatos rotativos de dois anos. Atualmente, esses países são Angola, Egito, Japão, Malásia, Nova Zelândia, Senegal, Espanha, Ucrânia, Uruguai e Venezuela. Portugal esteve lá pela última vez em 2011-12.

A votação desta segunda-feira (que já é a terceira deste género, depois de 21 de julho e 5 de agosto) foi secreta e informal. Geralmente, o Conselho de Segurança só avança para uma votação formal quando se crê existirem as condições para haver um consenso, ou algo próximo disso. A votação formal continua a ser secreta.

No longo processo de eleição do próximo Secretário-Geral das Nações Unidas, a escolha do Conselho de Segurança é apenas uma recomendação e não tem caráter vinculativo. No entanto, os países P-5 têm de estar de acordo em relação ao nome indicado por aquele órgão. Assim, basta um país estar em desacordo para poder vetar a escolha dos restantes membros dos P-5.

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Boutros Boutros-Ghali não foi reeleito em 1996 porque os EUA vetaram a sua escolha no Conselho de Segurança

Foi assim, por exemplo, que a reeleição do egípcio Boutros Boutros-Ghali, Secretário Geral da ONU entre 1991 e 1996, foi impedida. Nessa ocasião, os EUA anunciaram publicamente que iam vetar a escolha do Conselho de Segurança por Boutros Boutros-Ghali, que nessa altura era o único candidato. Essa tomada de posição de Washington D.C. levou a que quatro candidatos africanos avançassem, entre eles Kofi Annan, que acabou por ser escolhido pelo Conselho de Segurança numa votação formal, com 14 votos de encorajamento e um de não-opinião — este último presume-se ter sido de França, que até então teria votado contra —, e que mais tarde foi eleito para liderar as Nações Unidas.

A juntar à necessidade de haver um consenso de todos os países do P-5, também terá de haver a aprovação de um mínimo de quatro países entre aqueles que são membros temporários do Conselho de Segurança. Assim, para ser indicado pelo Conselho de Segurança para o cargo de Secretário-Geral, um candidato precisa de ser escolhido por um mínimo de nove países, entre os quais têm de se incluir obrigatoriamente a China, a Rússia, a França, o Reino Unido e os EUA.

De acordo com a votação desta segunda-feira, António Guterres é o único candidato a recolher nove ou mais votos de encorajamento — o que pode ser um sinal positivo para a sua candidatura, a não ser que um país dos P-5 figure nos três votos de desencorajamento que recebeu nesta terceira votação do Conselho de Segurança.

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Em 2006, Ban Ki-moon foi aprovado pelo Conselho de Segurança com 14 votos de encorajemento e um de não-opinião

É possível que já na próxima votação os países do P-5 o façam com boletins azuis e os restantes países com papéis brancos. Na prática, isto permite que tirar a limpo quem são os candidatos que contam com a oposição de um país dos P-5 — e que, por essa razão, muito dificilmente serão eleitos, tendo em conta o poder de veto dos membros permanentes do Conselho de Segurança. Essa informação poderá servir para acelerar a escolha do Conselho de Segurança — até porque a oposição de um país dos P-5 poderá ser um sinal forte o suficiente para alguns candidatos desistirem.

Este procedimento foi utilizado em 1991 e em 2006, quando foram eleitos o egípcio Boutros Boutros-Ghali e o sul-coreano Ban Ki-moon, respetivamente. Nas duas ocasiões, o Conselho de Segurança avançou para uma votação secreta e informal com boletins azuis para os P-5 depois de três votações iniciais com os boletins indiferenciados. De igual forma, tanto em 1991 como em 2006, foi feita uma votação formal logo a seguir à votação com boletins coloridos.

Planos para eleger uma mulher podem dificultar vida a Guterres

Para já, esta unanimidade parece estar ainda algo longínqua. Por um lado, é sabido que a Rússia tem procurado eleger alguém mais próximo de Moscovo. Por outro, tem havido uma pressão alta para que pela primeira vez seja eleita uma mulher para a liderança das Nações Unidas. Neste momento, entre os dez candidatos que ainda se mantêm, metade são mulheres. Entre estas, a búlgara Irina Bokova foi a que teve o melhor resultado na votação desta terça-feira, surgindo em terceiro lugar na lista de preferências.

Semanas antes da votação desta segunda-feira, o atual Secretário-Geral das Nações Unidas, o sul-coreano Ban Ki-moon, falou no sentido de ser escolhida uma mulher para lhe suceder. “Temos muitas mulheres que são líderes distintas e respeitadas em governos nacionais ou outras organizações e até em comunidades empresariais, políticas e culturais e todos os outros aspetos da vida”, disse ao The Guardian. “Não há razão para que não [tenhamos também] nas Nações Unidas.”

Também a sub-secretária da ONU Mulheres, a entidade das Nações Unidas criada em 2010 e que se concentra na causa da igualdade de género e nos direitos das mulheres, Phumzile Mlambo-Ngcuka, emitiu um comunicado a 26 de agosto onde dizia que “nunca tinha havido tantas mulheres altamente qualificadas a candidatarem-se a este cargo”. “Chegou a oportunidade de escolher um líder que abra um novo capítulo na luta pelos direitos das mulheres, partindo do topo”, lê-se naquele documento.

Data da eleição final depende da decisão do Conselho de Segurança

A data da eleição final, que estará a cargo da Assembleia Geral das Nações Unidas, ainda não está escolhida, em parte graças ao impasse do Conselho de Segurança no que diz respeito à sua escolha. Nos três processos de seleção mais recentes, a data oscilou entre outubro e dezembro. Em 1991, o egípcio Boutros Boutros-Ghali foi eleito Secretário-Geral das Nações Unidas a 13 de dezembro. Em 1996, a escolha foi feita ainda mais perto do limite: o ganês Kofi Annan só foi aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas as 17 de dezembro daquele ano. Já Ban Ki-moon foi escolhido a 13 de outubro do ano de 2006.

Certo é que a votação derradeira terá de acontecer até 31 de dezembro deste ano, que é quando Ban Ki-moon termina o seu mandato. No dia seguinte, a 1 de janeiro de 2017, o seu sucessor entra em funções.