Chegou à Universidade de Verão do PSD a distribuir afetos. Cumprimentou individualmente quase uma centena de alunos, contou piadas, abordou a falta de consensos políticos e classificou como uma “infantilidade” o facto de os partidos não os conseguirem fazer. Pediu pontes e quis falar de “esperança”. Não estamos a falar de Marcelo Rebelo de Sousa, mas sim de Luís Marques Mendes que esteve esta quarta-feira num jantar-conferência em Castelo de Vide a apresentar aos jovens sociais-democratas cinco propostas para tentar solucionar o problema de credibilidade que atravessa a política. Uma delas, disse, passa por aumentar o regime remuneratório dos governantes. Para quê? Porque “o barato sai caro” e assim os “melhores não vão para a política”.

A ideia é não deixar o nível de exigência cair, evitando que subam a cargos executivos personalidades de segunda ou terceira linha. Lembrando que o líder do PSD, Pedro Passos Coelho, vai estar perante aquela mesma plateia no domingo, o comentador e ex-líder do partido sugeriu mesmo aos jovens que lhe perguntassem, em privado, quantos ministros e secretários de Estado do governo anterior não foram a primeira escolha. “Há ministros que Passos teve que foram segundas, terceiras ou quartas escolhas, assim como há secretários de Estado que foram as sextas ou sétimas”, sugeriu, avançando ainda que António Costa não teve o número dois que queria devido a recusas.

Mas há uma diferença: aumentar salários dos governantes não é o mesmo que aumentar salários dos deputados, nem sequer é sinónimo de pagar “vencimentos milionários”. Isto porque, primeiro, os governantes, ao contrário dos deputados, estão sempre em regime de exclusividade. Depois, o aumento do vencimento dos deputados resultaria no efeito contrário. “Aumentar o vencimento dos deputados não aumenta a qualidade, aumenta apenas a competição nas sedes partidárias”, disse.

Outras das propostas que Mendes levou na manga para a aula foi a alteração da lei eleitoral por forma a haver círculos uninominais — “para que a eleição do deputado seja mais personalizada, como a do presidente da câmara”. Também avançou a proposta, já defendida noutros momentos, de criar uma verdadeira comissão de ética no Parlamento, composta por senadores e não por deputados, para não se fiscalizarem a si mesmos.

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OE 2017 aprovado e a bitola da maioria absoluta para o PSD

Trocando os estúdios da SIC pela casa dos sociais-democratas em época de rentrée, e apesar de ter sublinhado que “desde que abandonou a política” não tem participado em atividades partidárias, o ex-líder quis falar para dentro.

Lembrou — “modéstia à parte” — os tempos em que, quando era líder parlamentar, fez consensos de regime com o PS de Sócrates (não por gostarem particularmente um do outro, como sublinhou) e sugeriu que os partidos pusessem de lado a “infantilidade” e se unissem nos assuntos onde é preciso pôr o interesse nacional ao alto. “Pede-se mais humildade aos políticos e menos ego, mais capacidade de fazer pontes”, disse, num recado aos atuais líderes dos dois maiores partidos, PS e PSD. “Isso dá credibilidade a um político”.

Sobre os tempos que se avizinham, Marques Mendes não tem dúvidas de que o Orçamento do Estado para 2017, que vai ser discutido no próximo mês, vai ser aprovado pela esquerda. E sem dificuldades. “É tudo conversa fiada. A geringonça acerta tudo lá dentro, até as divergências“, disse. “Não sei se é com aumento de pensões ou com corte de rendas mas é certo que vamos ter orçamento”, reforçou, voltando a sugerir que depois de passada essa fase o Governo do PS possa aproveitar a maré para fazer remodelações de ministros.

Este é o calendário mais próximo, mas e depois? Depois, e pensando no momento em que o país volte às urnas, Mendes antevê uma dificuldade acrescida ao PSD: “Não consegue voltar ao poder se não tiver maioria absoluta”. Isto porque desde que a esquerda se consolidou num novo bloco não será possível voltar a ter governos minoritários tão cedo. “Isso acabou”. É certo que há sempre o CDS. Mas, numa fase inicial, o desafio é mais difícil para o partido principal: “A mobilização tem de ser muito maior”, avisa.

Presidente daqui a 10 anos? “A história não se repete”

Questionado por uma jovem social-democrata sobre se daqui a 10 anos equacionava candidatar-se a Presidente da República, Marques Mendes contradiz aquilo que há duas semanas disse em entrevista ao Observador. “Não tenho nenhum propósito nem intenção de qualquer regresso à vida política”, disse esta quarta-feira, descartando a semelhança entre o comentador Marcelo e o comentador Mendes: “A história não se repete e vão ver que a história não se vai repetir”, disse.

Há duas semanas, porém, numa entrevista de vida ao Observador, Luís Marques Mendes tinha deixado a porta aberta. “Um dia daqui a oito anos talvez pense nisso. O Presidente em princípio faz 10 anos e, portanto, começa-se a pensar nisso dois anos antes. Um dia poderei pensar nisso, apenas e só”, disse.

As eleições presidenciais ainda vão longe, mas as autárquicas estão a um ano de distância. Sobre isso, que tem feito correr tinta cruzada entre Mendes e Santana Lopes (que ainda não desfez totalmente o tabu sobre uma eventual candidatura a Lisboa), o ex-líder do PSD optou por não falar durante as mais de duas horas de intervenção em Castelo de Vide. Limitou-se a dizer que “a escolha de candidatos para as autárquicas é um exercício muito importante” e que a “credibilidade” do candidato é um critério forte a ter em conta.

Sobre a Caixa Geral de Depósitos, outro tema quente deste verão, Mendes deixou algumas notas: que o Governo não esteve bem na “trabalhada” do chumbo aos administradores nomeados, mas que esteve bem no processo negocial com Bruxelas e Frankfurt sobre a recapitalização do banco. Mas quanto à necessidade de auditar e perceber tudo o que se passou, Mendes não tem dúvidas de que a investigação só não avança mais rápido porque “há no PS e no PSD quem não esteja interessado em que se investigue a gestão da Caixa”.