Ao lado de um socialista e de volta a um encontro do CDS depois de se ter votado a uma “nova vida” longe da política, Paulo Portas esforçou-se por manter o discurso centrado na cena internacional. Perante uma plateia de “jotas” e com Assunção Cristas na fila da frente, o ex-líder falou do impeachement no Brasil, da “preocupação” sobre os EUA, do acordo com elússia para resolver crise dos refugiados, da falta de governo em Espanha e até de Angola, que nos últimos dias se tornou um tema quente no CDS. “Não cabe a Portugal explicar aos angolanos como devem ser angolanos” e “se Portugal não mantiver a boa relação que tem com Angola, outros países o farão”, disse.

“Angola tem mais de 100 mil portugueses, duas mil empresas nacionais sediadas em Angola e 10 mil empresas em Portugal a exportar para lá. Em circunstâncias normais é o nosso quarto mercado e o primeiro fora da UE. É por estes factos tão importantes que devemos perceber que a escola diplomática sabe que são os interesses portugueses que têm de ser defendidos e não devemos explicar aos angolanos como devem ser angolanos“, disse. E reforçou: “Se Portugal não tiver boa relação com Angola, os chineses, turcos, ingleses ou espanhóis vão tomar as posições de Portugal”.

É a primeira vez que Portas fala, ainda que indiretamente, da polémica que se instalou depois de o CDS ter aceitado marcar presença no congresso do MPLA, em agosto, e depois de o deputado Hélder Amaral ter sublinhado a proximidade “cada vez maior” entre os dois partidos.

Antes, contudo, teve de fazer duas notas prévias para explicar a sua aparição este sábado na Escola de Quadros do CDS, a debater os “desafios de Portugal no contexto internacional” ao lado do ex-comissário europeu e ex-ministro da Defesa socialista António Vitorino. Primeiro, disse que só voltou a pisar o palco do CDS pelo “carinho” e para cumprir a promessa de ajudar a formar as novas gerações do partido; e, depois, que todas as opiniões que expressar não representam ninguém a não ser ele próprio, “nem comprometem quem quer que seja”. Ou seja, o palco é da líder Assunção Cristas e do antecessor não se ouvirá uma consideração sobre política nacional.

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Mas ainda assim, não deixou escapar uma ou outra alfinetada ao Governo. Cumprimentando o parceiro de painel, Portas classificou o socialista António Vitorino como uma “pessoa moderada”, notando que não é uma qualidade “muito abundante no mercado hoje em dia”. No mercado global, claro, retificou. E comentando o facto de Espanha estar sem governo há mais de 300 dias, notou que “nem sempre não ter governo prejudica a economia, às vezes são os governos que prejudicam as economias”.

O dossiê Espanha seria o tema mais propício a comparações com a situação política nacional, mas nem depois das perguntas dos jovens democratas-cristãos Portas ousou trilhar esse caminho.

Preferiu voltar-se para a situação da União Europeia, onde o ex-vice-primeiro-ministro identificou a crise dos refugiados e a vulnerabilidade dos ataques terroristas como os “problemas mais urgentes” e avançou que a única forma de os resolver era através da assinatura do acordo com a Rússia no Conselho de Segurança da ONU.

No tema Brasil, e sobre o impeachement que esta semana afastou a presidente Dilma Rousseff, Portas voltou a seguir o princípio da não-ingerência. Se a forma regimental do impeachement está prevista na Constituição brasileira, então “não nos compete dar lições aos brasileiros de direito constitucional“. O lema é esse: “Não vamos fazer juízos ideológicos sobre Estados soberanos”, disse.

Mas além do brexit e da crise europeia, o tema que mais “preocupa” o ex-ministro da Defesa e dos Negócios Estrangeiros é, no entanto, as eleições nos EUA. Sublinhando que a maioria dos republicanos que conhece, e com quem partilha a matriz ideológica, está “pouco confortável” com o candidato Donald Trump, Portas deixou uma nota implícita de apoio a Hillary Clinton. “Uma presidente em concreto será certamente melhor do que o outro”, disse, explicando depois que nesta fase “só quer uma pessoa profissional à frente da maior potência mundial”.

António Vitorino, que foi a segunda figura da área socialista a marcar presença este sábado na Escola de Quadros do CDS, depois da ex-ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues, partilhou opiniões com o ex-líder centrista mas também divergências. E num rasgo de diplomacia politicamente incorreta, deixou um recado à postura do Brasil na CPLP: “Nunca foi uma alavanca para projeto coletivo”, disse.