O palco estava montado e uma multidão de perder de vista aguardava Jerónimo de Sousa. Vasco Marques, dirigente da JCP, e Manuel Rodrigues, diretor do jornal Avante!, aqueceram o público, mas o grande protagonista da Festa seria mesmo o secretário-geral do PCP. E o front man comunista não fez as coisas por menos: denunciou o “revanchismo de PSD e CDS”, falou sobre a necessidade de romper com a “política de direita e de submissão” da União Europeia e prometeu um combate intransigente pelo aumento do salário mínimo já no início de 2017.

A nota dominante do discurso de Jerónimo de Sousa acabaria por ser, no entanto, o reconhecimento das insuficiências e contradições do Governo socialista. De quem, de resto fez questão de se demarcar: “O atual quadro político traduziu-se não na formação de um governo de esquerda” ou de uma “maioria de esquerda na Assembleia da República”, mas sim “na entrada em funções de um governo minoritário do PS com o seu próprio programa” e na “existência de uma relação de forças em que PSD e CDS estão em minoria”.

“Uma situação”, continuou Jerónimo, em que o PCP não é uma “força de suporte ao Governo por via de um qualquer acordo de incidência parlamentar”, tendo apenas contribuído para que o “Governo [socialista] iniciasse funções e desenvolvesse a sua ação”. A independência dos comunistas mantém-se inamovível, assegurou o secretário-geral do PCP.

O mote estava lançado e haveria de acompanhar todo a intervenção do líder comunista. Perante centenas de milhares de militantes, sob um calor abrasador, o secretário-geral do PCP foi deixando bem claro que, apesar das conquistas conseguidas nesta fase da vida política portuguesa, este não é um Governo do PCP, nem de esquerda. Mais: a menos que mude de trilho, a menos que saia do Euro e da União Europeia, continuará condenado a falhar no essencial. Pensar o contrário é uma “ilusão”.

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As opções do PS e a sua assumida atitude de não romper com os constrangimentos externos são um grave bloqueio à resposta aos problemas do país. O futuro de Portugal exige a rutura com as imposições e chantagens que visa perpetuar a submissão, a exploração, o endividamento e o empobrecimento”, avisou Jerónimo de Sousa. A opção faz-se “entre continuar o arrastado caminho que nos tem conduzido ao empobrecimento ou um novo rumo com outra política, em rutura com a política de direita e de submissão à União Europeia e ao Euro”.

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Ainda assim, e apesar das críticas dirigidas ao caminho escolhido pelos socialistas, Jerónimo de Sousa renovou votos de fidelidade à “geringonça”. Enquanto existir o “compromisso de reverter direitos e rendimentos” e “inverter o curso para o desastre económico e social que vinha sendo imposto” é “esse o compromisso que importa cumprir“. Mas não passando cheques em branco.

Em vésperas de apresentação e discussão do Orçamento do Estado para 2017, o secretário-geral comunista reiterou o empenho em “propor e encontrar soluções”. Mas o compromisso do PCP não é aprovar o Orçamento — é “examinar a proposta”, salvaguardou Jerónimo de Sousa.

E não foi o único aviso do secretário-geral comunista. Com a banca portuguesa como tema sensível para a “geringonça”, o PCP fará tudo para impedir a “privatização do Novo Banco” e para “defender a Caixa Geral de Depósitos“. Estava deixado o recado para António Costa ouvir e registar.

Outro ponto importante a destacar no discurso de Jerónimo de Sousa. A pouco mais de um ano das eleições autárquicas, o líder comunista atirou os objetivos lá para cima: confirmar a CDU “como a grande e principal força de esquerda no poder local” e apresentar uma “proposta alternativa à gestão de PS, PSD e CDS”. Parecem estar, assim, definitivamente afastada a hipótese de “mini-geringonças” locais.

Para PSD e CDS, Jerónimo de Sousa deixou uma entre várias notas de rodapé: com a direita permanentemente empenhada em anunciar o desastre iminente, “fazem lembrar aquela senhora que vende bolas de Berlim e que diz: chora menino, chora que a mamã compra. Mas o povo português não vai comprar o regresso do PSD”, atirou o líder comunista. Estava encerrado o comício da 40ª edição da Festa do Avante!.

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