Crescimento baixo e em desaceleração: 0,3% no segundo trimestre, depois de 0,5% nos primeiros três meses do ano. Inflação que não passa da cepa torta: “não está a mostrar uma tendência ascendente convincente”, lamenta o próprio Banco Central Europeu (BCE). Valha a Mario Draghi, o presidente do BCE, que os mercados financeiros têm estado relativamente tranquilos após o Brexit e perante a expectativa de uma nova subida dos juros nos EUA. O Conselho do BCE reúne-se esta quinta-feira e, apesar de os analistas não excluírem a possibilidade de haver novidades, Mario Draghi deverá optar, para já, por conservar munições — “já não lhe restam muitas”, diz um analista.

Em julho, era quase um dado adquirido: para conter a instabilidade no pós-referendo britânico, e aproveitando uma revisão em baixa das estimativas económicas, o BCE anunciaria novos estímulos na reunião de setembro. Essa hora chegou — a cúpula do BCE reúne-se esta quinta-feira e há conferência de imprensa de Draghi às 13h30 — mas tornou-se menos provável que o BCE anuncie um reforço do programa de estímulos com o qual há longos meses tenta estimular a taxa de inflação na zona euro.

“O mandato do BCE é claro: é o da estabilidade de preços”, afirma José Lagarto, gestor de ativos da Orey Financial, em declarações partilhadas com o Observador. E, aí, a taxa de 2% que o BCE define como “estabilidade dos preços” continua a ser uma miragem (0,2% em agosto). Ainda assim, José Lagarto diz que “após o Brexit e a última reunião de julho até ao momento presente, os dados económicos não espelham os receios existentes na altura em torno do abandono do Reino Unido da União Europeia”. “O BCE poderá, portanto, intensificar os programas de estímulo só quando as condições económicas assim o exigirem”, conclui.

Patrick Artus: "Seria dramático para Portugal se o BCE deixasse de comprar a dívida"

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Para Portugal, “seria dramático se o BCE deixasse de comprar a dívida”, disse em julho o economista chefe do banco francês Natixis, Patrick Artus, em entrevista ao Observador.

Pode ler a entrevista clicando nesta ligação.

Elwin de Groot, economista do holandês Rabobank, defende que o BCE terá de anunciar um reforço do programa de compra de dívida, até porque está previsto este terminar em março de 2017, mas não será para já. O que não deverá ser especialmente negativo para a evolução dos mercados — e, em particular, dos juros da dívida portuguesa — porque poucos especialistas têm dúvidas de que esse prolongamento do programa acabará por vir.

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Para Portugal, “seria dramático se o BCE deixar de comprar a dívida”, disse em julho o economista-chefe do banco francês Natixis, Patrick Artus, em entrevista ao Observador.

Associado a esse prolongamento (no tempo) do programa de compra de dívida terá de estar uma alteração das regras que o BCE impôs a si próprio quando embarcou nesta expedição. Isto porque já existem evidências de que essas regras estão a tolher a atuação da autoridade monetária, sobretudo depois da expansão do programa anunciada a meio caminho.

O ritmo mensal de compras de dívida tem travado a fundo e, em julho, o banco alemão Commerzbank afirmou que, especialmente na “situação específica” de Portugal, isso poderia significar que o acesso ao mercado poderia estar em risco.

Compras do BCE mantêm juros da dívida na região dos 3%

GSPT10YR Index (PORTUGUESE GOVER 2016-09-07 12-21-13

As compras de dívida pelo Banco de Portugal/BCE têm mantido os juros perto dos 3%. A exceção foi fevereiro, altura do conflito com Bruxelas sobre o programa de estabilidade e crescimento.

“Não é provável que desapareçam as questões sobre se as atuais medidas de estímulo são suficientes e sobre se é necessário fazer alterações nos parâmetros”, diz Elwin de Groot. Contudo, “acreditamos que o BCE vai tentar ganhar um pouco mais de tempo para preparar um plano de ação e de comunicação a olhar para o médio prazo”, acrescenta o especialista.

Em entrevista à Bloomberg TV, Antonio Garcia Pascual, economista-chefe do Barclays, concorda que “sem grandes perturbações nos mercados [após o Brexit] e sem que a atividade tenha sido muito penalizada, é previsível que eles [o BCE] queiram conservar munições — não lhes restam muitas“.

Taxa dos depósitos pode descer (ainda) mais

Os analistas não excluem, contudo, que o BCE anuncie mais uma descida da taxa dos depósitos — que já é negativa, em 0,4%. Isso permitiria à autoridade monetária comprar mais títulos de dívida, sobretudo alemã, já que essa taxa dos depósitos corresponde, nos termos previstos no programa, à taxa mínima a que o BCE compra títulos de dívida. Alguma dívida alemã já está com taxas ainda mais negativas do que isso, portanto está fora.

Com a procura elevada por parte dos investidores em geral de obrigações soberanas de elevada qualidade, grande número de emissões acabam por ficar fora desse limite. Desta forma poderemos falar de uma diminuição de obrigações elegíveis que pode levar a um consequente abrandamento das compras do BCE. No entanto, o montante global de ativos comprado no âmbito do programa de quantitative easing está acima de mil milhões, ou seja, dentro dos montantes previamente adiantados para o período em causa. Ainda assim, num cenário potencial de escassez de títulos para compra, o BCE poderá flexibilizar algumas das regras do programa como ampliar o montante máximo de compra por emissão, estender o prazo de maturidade dos títulos ou reduzir o limite mínimo de taxa de juro de depósitos”, diz a Orey Financial.

Ainda assim, a Ebury diz que “embora não se anteveja uma necessidade premente de cortes nas taxas de juro de referência, ou de reforço do programa de estímulos monetários, a ausência total de pressão inflacionária na zona euro poderá significar uma forte probabilidade de uma segunda extensão das medidas de compras de ativos para além do prazo atual de março de 2017, pelo menos por mais seis meses”.

“Qualquer prorrogação inferior a seis meses ficará aquém das expectativas do mercado”, defende a empresa que presta serviços financeiros de gestão de câmbios.

Contudo, a confirmar-se uma nova descida da taxa dos depósitos, Mario Draghi e o BCE ficarão sob pressão ainda mais intensa por quem acredita que alguns dos estímulos em curso estão a colocar o sistema financeiro em risco. É o caso, por exemplo, do presidente executivo do Deutsche Bank, John Cryan, que recentemente lançou fortes críticas ao BCE e às políticas que têm vindo a ser seguidas.

As políticas que têm vindo a ser seguidas “estão a ser contraproducentes à luz do objetivo de fortalecer a economia e tornar o sistema bancário europeu mais seguro”, afirmou John Cryan.

Tempo para falar da Grécia e da política europeia?

O programa de compra de ativos e as eventuais alterações vão concentrar todas as atenções, não só do discurso de Draghi como, também, da habitual sessão de perguntas e respostas. Mas os jornalistas presentes na conferência de imprensa em Frankfurt poderão, também, questionar Mario Draghi sobre a falta de governo em Espanha e do referendo que se aproxima em Itália.

Para agravar as tensões que se adivinham na política europeia nesta reta final de 2016, surgiu esta semana a notícia de que a Grécia poderá ver bloqueados os desembolsos de assistência financeira que deveria receber até ao final do mês. Segundo o jornal alemão Handelsblatt, possivelmente até ao final do ano.

A questão, aqui, é que o BCE devolveu, em junho, à Grécia o regime de exceção (waiver) que permite aos bancos gregos financiarem-se no banco central utilizando dívida pública grega (apesar de todos os ratings serem de lixo). Esse waiver tinha sido retirado logo no início da governação de Alexis Tsipras, mas o BCE voltou a concedê-lo a Atenas depois do acordo para o terceiro resgate.

Mas, segundo as fontes europeias citadas pelo Handelsblatt, o governo ainda só aplicou duas das 15 reformas estruturais que estavam acordadas. O que coloca um ponto de interrogação sobre o cumprimento do acordo para o terceiro resgate à Grécia.