Um décimo da área dos ecossistemas selvagens da Terra desapareceu nos últimos 20 anos, alertaram esta quinta-feira cientistas que apelaram à implementação de políticas internacionais de proteção dos espaços naturais, considerados essenciais à biodiversidade e à minimização dos efeitos das alterações climáticas.

As superfícies da natureza perdidas representam, no total, duas vezes o tamanho do Alasca e a metade da Amazónia, precisaram os investigadores, num relatório divulgado no congresso da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), que decorre esta semana em Honolulu, no estado norte-americano do Havai. O estudo foi também publicado na revista científica Current Biology.

“Os espaços selvagens, que são importantes para o planeta, são completamente ignorados nas políticas ambientais”, lamentou James Watson, da universidade de Queensland, na Austrália, e membro da Wildlife Conservation Society, em Nova Iorque.

No entanto, prosseguiu, tais espaços “albergam a biodiversidade ameaçada e representam um papel essencial para regular os climas regionais e garantir a existência de muitas comunidades que estão entre as política e economicamente mais marginalizadas” do mundo.

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“Sem medidas de proteção dessas extensões naturais, elas serão devastadas pelos empreendimentos imobiliários e industriais selvagens”, advertiu o professor de Ecologia.

Watson considerou que o mundo “dispõe provavelmente de uma a duas décadas para inverter este fenómeno” e preservar os espaços selvagens restantes e insistiu na necessidade de a comunidade internacional agir de forma concertada.

Estes especialistas salientam que a maioria das políticas ambientais se centra na perda das espécies, mas interessa-se menos pelo desaparecimento em grande escala de ecossistemas inteiros, sobretudo em zonas selvagens relativamente pouco estudadas.

Para colmatar esta lacuna, a equipa de cientistas cartografou e inventariou as extensões selvagens em todo o globo. Eles definem o estado selvagem como zonas biológica e ecologicamente intactas, sem perturbações humanas substanciais.

Os autores do estudo compararam este mapa com um anterior elaborado segundo os mesmos métodos no início dos anos 1990, e concluíram que 30,1 milhões de quilómetros quadrados, ou seja, cerca de 20% da superfície do solo terrestre, continuam em estado selvagem.

A maioria desses espaços ainda preservados encontra-se na América do Norte e no norte da Ásia e de África, bem como na Austrália.

A comparação dos dois mapas revela que 3,3 milhões de quilómetros quadrados, isto é, perto de 10% das áreas selvagens, desapareceram nos últimos 20 anos.

Estas perdas ocorreram sobretudo na América do Sul, com uma redução de 30% das zonas de natureza virgem, e em África, onde a redução atingiu 14%.

“A dimensão das perdas de espaços selvagens em apenas duas décadas é estupefaciente”, considerou Oscar Venter, professor da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, um dos coautores deste relatório.

“Devemos imperiosamente reconhecer que as extensões selvagens que pensamos erradamente estarem protegidas por serem remotas, estão de facto em vias de rápido desaparecimento em todo o mundo”, apontou.

“Sem medidas globais agressivas, arriscamo-nos a perder as últimas joias da natureza, pois, uma vez perdidas, não conseguimos restaurar os processos ecológicos dos ecossistemas, que nunca recuperam o seu estado inicial”, explicou o ambientalista, acrescentando que “a única opção é proteger o que resta”.

Segundo o professor Watson, as Nações Unidas e os Governos ignoraram a importância das zonas selvagens em acordos multilaterais sobre o ambiente. “Nós temos o dever de agir pelas gerações futuras”, defendeu.