Luzes, câmara, acção. Começa o US Open-2016. Calma, calma aí. Falta aqui o Roger Federer. Xiiiii, e agora? Basta chamá-lo, ele está ali na Suíça. No way. Federer dá uma nega, está lesionado. Uau, é o primeiro US Open sem Roger desde mil-nove-e-noventa-e-nove. É caso para repetir o xiiiii, e agora?

Vencedor de 88 títulos a nível individual (Open da Austrália-4, Roland Garros-1, Wimbledon-7 e US Open-5) e de mais oito em pares (incluindo um ouro olímpico, com Wawrinka, em Pequim-08), Roger Federer é o maior. Nem é propriamente uma novidade, já o sabemos há anos e anos. Em Novembro de 2012, por exemplo, o programa brasileiro CQC do canal televisivo Band encontra-se com Federer em Miami e entrevista-o por oito minutos, sobre as raparigas do circuito (a argentina Gabriela Sabatini é a sua preferida, segue-se a russa Maria Sharapova), futebol e, vá, ténis. Às tantas, o apresentador pega numa raquete e pede-lhe para a destruir. Federer olha para ele, ri-se e começa a bater com a raquete no chão. A produção do programa faz então uma malandrice e cola a foto de Rafael Nadal, como se Federer lhe estivesse a partir a cara. O suíço poderia enrrugar a testa ou franzir o sobrolho mas não. Mostram-lhe e ele sorri a dizer “very funny”.

Ligeiramente antes, em Agosto 2012, perde a final olímpica para o escocês Andy Murray por claros 6-2, 6-1, 6-4 e perguntam-lhe quanto tempo demorará a digerir. “Cinco minutos.” Um engraçadinho intromete-se na conversa e pergunta-lhe quanto tempo demoraria a reagir se fosse uma derrota em casa com a mulher Mirka. “Cinco anos, acho…” e parte-se a rir. É aqui que queremos chegar, à sua mulher. Mirka está mais comprometida com o ténis que o próprio Federer. O caso não passa despercebido a ninguém. É vê-la com aquele ar, de nariz empinado na bancada VIP. Seja qual for o jogo, seja qual for o adversário. E, cuidado, Roger tem o dobro dos rivais (oito) que filhos. Ele é Nadal, ele é Djokovic, ele é Murray, ele é Hewitt, ele é Del Potro, ele é Safin, ele é Nalbandian. É uma concorrência de peso. Junte-se-lhe então Wawrinka. Os dois discutem um lugar na final do Masters de Londres. O jogo é renhido e é Wawrinka quem serve. Mirka diz qualquer coisa alto e bom som e Wawrinka murmura “não se fala antes do serviço”. Acto contínuo, Mirka solta ‘chora, bebé, chora’. O próprio Federer manda-a calar com um gesto e Mirka atira o telemóvel ao chão. É surreal, não é? Isto continua. “Ela fez o mesmo em Wimbledon”, diz Wawrinka a Federer (e ao árbitro Cédric Mourier) no final do set. É aí que os dois tenistas saem do court e juntam-se numa sala durante uns bons 10 minutos. Voam acusações, segundo o comentador ESPN John McEnroe (olha quem).

De volta ao court, Federer salva uns quantos match-points e dá a volta ao fim de duas horas e 48 minutos. O amuo entre os dois tenistas, esse, demora muito mais tempo a sanar. Uma semanita. É a final da Taça Davis, o título em falta para Federer. Está sanado o problema da outra sexta-feira? “Não comento”, diz Wawrinka à chegada a Lille, de comboio. “Não digo nada”, desabafa Federer à chegada a Lille, de jacto privado. Na hora do sorteio, Wawrinka e Federer apresentam-se sorridentes (pudera, Mirka não está por ali), um ao lado do outro. Juntamente com a dupla de pares e o treinadores, os dois tenistas posam para a fotografia de grupo. E o que faz Wawrinka? Um chifre por cima da cabeça de Roger. É o fim da picada? Claro que não, Federer é o maior. Ri-se. E mete a foto no facebook.

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Stan Wawrinka of Switzerland hits a return to Novak Djokovic of Serbia during their 2016 US Open men's final match at the USTA Billie Jean King National Tennis Center in New York on September 11, 2016. / AFP / Timothy A. CLARY (Photo credit should read TIMOTHY A. CLARY/AFP/Getty Images)

TIMOTHY A. CLARY/AFP/Getty Images

Bom, vamos lá a esse US Open sem Federer. Que venha então o outro suíço. EI-lo, Stanislas Wawrinka. Ou “Stan The Man”. Ele gosta de ir com calma, muita calma: ganhar aqui, descansar ali. Nada de encher a casa com troféus e mais troféus. Em 2006, ganha o primeiro torneio, na Croácia – curiosamente vs Djokovic, que se retira lesionado. Só volta a festejar um título em 2008, o tal olímpico em pares, com Federer. Um ano completo na escuridão e o regresso às manchetes dos jornais, com o segundo título individual, agora em Casablanca. Em 2011, aí vão três com o Chennai Open, na Índia. Em 2012, nada de nada. Um zero bem redondo. O clique dá-se em 2013. Onde? Aqui, no Portugal Open.

Em quatro jogos, Wawrinka despacha três espanhóis e o português Gastão Elias (duplo 6-4). Coroa-se o rei. A sua vida nunca mais será a mesma a partir daí. Estamos a puxar a brasa à nossa sardinha, claro. O momento da virada é um pouco mais tarde, em janeiro 2014, com a reconquista do Chennai Open e a vitória no primeiro Grand Slam, na Austrália (vs. Rafael Nadal, então o número um do ranking). Em abril, o terceiro título do ano, vs. Federer. O céu é o limite. Em 2015, a final de Roland Garros comprova-o em absoluto. Djokovic (então o número um do ranking) ganha o primeiro set, Wawrinka os três seguintes. Em 2016, segue-se qual Grand Slam: Wimbledon ou US Open? Bloco A ou bloco B, agora escolha.

Em Wimbledon, o argentino Del Potro arruma-o na segunda ronda. Pronto, lá terá de ser no US Open. “Quando cheguei aqui, só queria fazer o meu melhor. Nunca pensei nisto”, desabafa Wawrinka. O “nisto” é o título. Wawrinka está assim ò (e estamos a aproximar o indicador do polegar) de entrar no restrito lote dos Big 4 (Federer, Nadal, Djokovic e Murray) com vitórias nos Big 4 (Austrália, Roland Garros, Wimbledon e US Open). “Nã, ainda falta muito. Estou muito longe deles em matéria de sucesso, troféus e consistência ao longo de uma temporada durante anos e anos. Nem sequer penso nisso. Quero só desfrutar do terceiro título de Grand Slam. É incrível o que consegui, nem consigo explicar. Não dá. A cabeça ainda está à roda com tantas emoções. Antes de entrar no court, tremia e chorava no balneário. Como nunca tinha chorado. No início da carreira, ia descontraído para as finais como se me desse já por feliz de estar ali. Depois, amadureci e já ia com aquele nervoso miudinho para as finais. Hoje, tremi e chorei.”

Ao seu lado, Djokovic cumprimenta-o uma e outra vez. O sorriso do número um do ranking é diferente de um vice-campeão qualquer. Nota-se ali respeito e, sobretudo, admiração por Wawrinka. “Ele merece entrar nos Big 4. Com ele, Big 5.” A cortesia de Djokovic também se faz sentir durante o jogo. Wawrinka serve, Djokovic responde. Wawrinka dá uma esquerda violenta para o fundo do court, Djokovic vai lá buscar em esforço. Wawrinka repete o movimento e a bola quase quase quase bate no mesmo sítio da jogada anterior. Djokovic vai lá outra vez, em esforço. Wawrinka faz o mesmo, Djokovic devolve. Wawrinka atira novamente, agora mais cruzado ainda. Sem hipótese alguma. A bola não vai para o fundo do court, sai ali a meio. Djokovic aplaude com a raqueta. É um momento divinal. De ambos. Como aquele outro, durante uma paragem promovida por Djokovic para receber assistência médica. Às tantas, vira-se para ele e… “Stan, I’m sorry man, I couldn’t stand”. Wawrinka faz o sinal de “na boa”.

Djokovic chega à final do US Open sem rodagem. Pudera, passa três eliminatórias sem suar por aí além entre desistências, desistências e mais desistências (Vesely, Youzhny e Tsonga). Já Wawrinka é o primeiro de sempre a chegar à final depois de salvar um match point nos 32 avos-de-final, vs. Dan Evans (EUA). No quarto set, está 5-3 no tie break. Wawrinka respira fundo e reduz, 5-4 Quem serve é Evans e faz dupla falta (5-5). Um lob longo demais de Wawrinka garante a vantagem de Evans (6-5). Outro match point. Wawrinka salva-o com uma rara ida à rede. A partir daí, o comando é dele: 7-6, 8-7, 9-8 e 10-8. Zimbora. Nunca mais treme, o bom do Wawrinka – quer dizer, só no balneário antes da final: Marchenko, Del Porto e Nishikori, todos eles varridos a 3-1 em sets. Só falta Djokovic. O sérvio até começa melhor e ganha o primeiro set (7-1 no tie break). Depois é que elas lhe mordem. Elas, as bolas de Wawrinka, salvo seja. Umas atrás das outras: 6-4, 7-5 e 6-3. Atenção, Djokovic também lhe dá bem. Tanto assim é que só faz menos um ponto que o suíço (144-143).

Seja como for, Wawrinka é o campeão. De tudo: não só ganha as últimas 11 finais, como é, aos 31 anos de idade, o mais velho a ganhar o US Open desde Ken Rosewall (35) em 1970. Com Djokovic, perde o primeiro set. Em circunstâncias normais, é a morte do artista. Há excepções. Raras, raríssimas: Edberg 1992, Del Potro 2009 e, agora, Wawrinka 2016. Game, set, match.

https://www.youtube.com/watch?v=nYmpTCUO2ik