How Can We Be Joyful in a World Full of Knowledge (2014) já passou por nós há uns anos e ainda assim é difícil largá-lo. Aquele cruzamento entre pop, música contemporânea, jazz, ambiente e tudo o resto que aparece pelo caminho é coisa de gerar vícios. Neste 2016, o regresso de Bruno Pernadas é duplo. Worst Summer Ever é um disco feito em quinteto que retoma uma dança íntima com o jazz que Pernadas nunca escondeu; Those Who Throw Objects at the Crocodiles Will Be Asked to Retrieve Them, ou apenas Crocodiles, parte da fixação que admite ter com estas criaturas e que percorre um universo mais pop.

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Larguemos as terminologias, essas que pouco importam na hora de ouvir a música — por exemplo, na hora de ver e escutar Pernadas ao vivo no Maria Matos. A semana passada já esteve por lá. Esta terça-feira regressa para falar do pior verão da sua vida, sim, que ninguém está livre de o ter, nem que seja uma vez na vida.

Dois concertos, um para cada disco. Porquê? Fácil. Bruno explica: “O Worst Summer Ever já estava para ser editado há algum tempo, mas devido a vários fatores o processo começou-se a atrasar bastante e foi culminar com o início do trabalho em Those Who Throw Objects at the Crocodiles Will Be Asked to Retrieve Them (ambos com o carimbo da Pataca). Ou seja, era muito difícil que um disco ficasse à espera do outro, não queria editar um disco de pop, chamemos-lhe assim, para depois esperar seis meses e editar o outro. Achei que o melhor era dividir o mal pelas aldeias e editar os dois ao mesmo tempo”. E achou muito bem, dizemos nós.

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Bruno Pernadas é dos que teima em não se resignar aos constrangimentos do mundo, às pedras soltas na calçada que desejam tropeção. “A verdade é que não posso depender desse tipo de problemas para criar música”, chuta antes de prosseguir: “E também não quero estar sempre a mudar nomes de projetos, ou criar bandas cada vez que quero gravar um disco diferente, não faz sentido”.

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Dois discos, duas linguagens distintas mas que, no fundo, estão completamente relacionadas. É a história da vida de quem faz música. Melhor: de quem ouve música, de quem a consome porque tem de o fazer, porque não consegue viver de outra maneira. Bruno, o criativo sem limites, é também o melómano crónico, que ouve de tudo, sempre que pode. Por isso fizemos a pergunta: e se tivesses de escolher cinco discos fundamentais? “Conseguia fazer isso com quinhentos. O que consigo é falar de cinco desses quinhentos”, defende-se. Assim seja, estamos cá para os ouvir — a ele e aos discos:

Tom Waits: “Franks Wild Years” (1987)

“É um disco que faz parte de uma triologia, juntamente com o Swordfishtrombones (1983) e com o Rain Dogs (1985). É um disco que ouvi na adolescência e que me surpreendeu. Já tinha ouvido Tom Waits mas as coisas mais comerciais, e não sabia que esta música dele existia, foi uma surpresa incrível, esta abordagem aos instrumentos mais crua e orgânica. O close-miking da voz, faz parecer que ele está constantemente a contar-nos histórias ao ouvido. A partir daí comecei a prestar mais atenção ao que este senhor fazia e ao que já tinha feito.”

Pixies: “Doolittle” (1989)

“Podia ser qualquer um dos Pixies, mas escolho o primeiro que ouvi, o Doolittle. Conheci-o com 11 ou 12 anos, sei que foi antes de começar a estudar guitarra, algo que fiz aos 13. E foi através de um vizinho que tinhas umas cassetes e estava-me a mostrar várias, para ver o que é que conhecia. O Doolittle estava lá e foi uma espécie de amor à primeira vista. Primeiro com a parte melódica, depois com o som que eles têm que é inigualável, ninguém tem aquele som. E ainda com a guitarra do Joey Santiago, a abordagem que ele fazia — por exemplo, o solo dele não era um solo, era apenas ele a abrir o overdrive e a encostar a guitarra ao amplificador, a puxar feedback.”

Wes Montgomery: “The Incredible Jazz Guitar of Wes Montgomery” (1960)

“Foi um disco que conheci quando fui estudar para o Hot Club e foi através deste que me tornei fanático do Wes Montgomery durante muitos anos. Sendo que depois essa febre passou um bocadinho. O Montgomery até tinha outra profissão, era leiteiro, mas depois começou a ficar famoso, a fazer muitos concertos, a entrar no circuito comercial, digamos assim. É um dos guitarristas mais importantes da história do jazz, não é que tenha revolucionado, mas o estilo dele a tocar era muito particular.”

https://www.youtube.com/watch?v=SeBtS8_HBGk&list=PLFE0F607269C73DC0

Paul Simon: “Still Crazy After All These Years” (1975)

“Este escolhi sobretudo por razões emocionais/técnicas. Quando ouvi este disco pela primeira vez reparei que o Paul Simon usava harmonias que não eram pop, estando ele a fazer pop. A estrutura não é simples, e as músicas são muito boas, a voz dele é linda, ainda assim, sempre me perguntei como é que ele conseguia chegar àqueles acordes. Depois descobri que ele tinha estudado jazz e tudo fez mais sentido.”

Les Baxter: “Jewels of The Sea” (1961)

“É o Les Baxter, não preciso de explicar, as pessoas que oiçam. É um dos meus compositores e músicos preferidos, e este Jewels of The Sea é muito interessante. O que acontece nos outros discos do Les Baxter é que ele combina sempre a música exótica ou lounge com o conceito que quer trabalhar. Se for uma coisa mais brasileira ele vai usar a música dele num contexto mais tropical, mais próximo de ritmos como o samba, ou seja, ele adapta-se sempre. Neste em particular nem tanto, é engraçado, as músicas têm pouco ritmo, é um disco mais próximo da música impressionista e é muito diferente de todos os outros, por isso é que o acho especial.”

Concerto esta terça, dia 20, às 22h, no teatro Maria Matos, em Lisboa. Bilhetes entre os 6 e os 12 euros.