O advogado de uma ex-ministra timorense que está a ser julgada em Díli pediu esta quinta-feira a absolvição da arguida, acusando o Ministério Público “de preguiça e descaramento” e de não aplicar a justiça de forma objetiva e imparcial.
Nuno Morais Sarmento é o advogado português que lidera a equipa de defesa de Madalena Hanjam, ex-vice-ministra da Saúde que, com a ex-ministra das Finanças Emília Pires, é acusada de participação económica em negócio e administração danosa.
Em causa estão alegadas irregularidades na compra de centenas de camas hospitalares em contratos adjudicados à empresa do marido de Emília Pires, com um suposto conluio entre os três para a concretização do negócio, no valor de 800 mil dólares.
Nas alegações finais da defesa no julgamento, Morais Sarmento considerou que, “por distração ou falta de coragem” não foram acusados outras pesssoas envolvidas na compra, incluindo os então ministro da Saúde, Nelson Martins, e primeiro-ministro, Xanana Gusmão, “e acusa-se Madalena Hanjam”.
O advogado considerou as alegações do Ministério Público “um exemplo de arbitrariedade, um espelho de distração completa, ou mais grave, um exemplo de falta de coragem”.
Para Morais Sarmento, os procuradores fizeram conclusões de acusação “que têm mesmo a preguiça e o descaramento de se limitar a copiar as considerações de direito da acusação inicial, como se não tivesse havido julgamento”.
“Podem fazê-lo mas então o que não podem é dizer que vivem num Estado de Direito (…). Não podem pretender que aquilo a que assistimos (…) tenha qualquer coisa a ver com a aplicação de uma justiça objetiva e imparcial, na qual se possa confiar”, afirmou.
Pior do que a ausência de justiça, disse, “é um simulacro de justiça” ou “justiça a fingir”, onde à falta de justiça “se soma a mentira, a manipulação e o preconceito” que minam a confiança dos cidadãos no Estado de Direito.
“Sustentar a acusação em julgamento não é sinónimo de fazer-se valer uma acusação em julgamento, quando ressalte à evidência a sua leviandade, a sua insustentabilidade, a sua ligeireza ou mesmo os resquícios de um colonialismo ultrapassado”, afirmou.
O MP deu esta semana todas as alegações como provadas e pediu penas de 10 anos de prisão para as duas arguidas. Mas para Morais Sarmento, as conclusões do MP, mais do que em provas, sustentaram-se, em muitos casos, em “opiniões e suposições insuficientes”.
“Se a intervenção do MP já tinha surpreendido em muitos momentos do processo, há dois dias conseguiu ultrapassar tudo e (…) em apenas duas horas, ignorar, violar, fazer tábua rasa de todos e cada um dos princípios elementares a que está obrigado num Estado de Direito. É obra”, afirmou.
O advogado disse que o “poder” inerente à função dos procuradores lhes confere direitos e obrigações “especiais”, incluindo a necessidade de fazer prova de factos e a presunção de inocência.
Nas alegações finais, o MP disse que todos os factos tinham sido provados, o que, no entender de Morais Sarmento, leva a questionar para que é que serviu o julgamento e se não passou de um “faz de conta para encher os olhos aos timorenses”.
Num dos exemplos que deu, referiu-se à contradição do MP sobre o número de camas por utilizar, que numa parte das alegações finais diz ter ficado provado que eram 180 mas, mais adiante, diz que eram só 30.
Para Morais Sarmento, qualquer membro do tribunal deixaria de questionar a urgência das compras se tivesse um familiar entre as 11 vítimas mortais do surto de dengue dessa época ou entre os que estavam “deitados no chão em colchões infestados de percevejos, sujos e manchados de sangue”.
O advogado recordou, por outro lado, o contexto em que o inquérito começou, em 2012, quando estavam em Timor-Leste magistrados portugueses que estiveram envolvidos no arranque deste processo e também estiveram ligados à condenação a cinco anos de prisão da ex-ministra da Justiça Lúcia Lobato.
Em relação a este último caso, o Supremo Tribunal de Justiça português considerou já este ano, num acórdão, haver na intervenção dos magistrados portugueses “factos notoriamente integrantes de graves ilegalidades e irregularidades procedimentais, suscetíveis de, no mínimo, serem causa de grave prejuízo para a arguida”.
Morais Sarmento lamentou “as faltas desses operadores da justiça” portugueses e “as consequências negativas que possam ter tido, quer na formação e no exemplo perante colegas magistrados timorenses, quer nas decisões concretas dos tribunais timorenses”.