Vinte anos exatos após a tomada de Cabul pelos talibãs e da sua derrota militar cinco anos depois, o combate ao fundamentalismo islâmico alastrou-se a várias regiões do mundo e apresenta-se como um caminho para “várias gerações”.

Para Nuno Lemos Pires, coronel do Exército português e professor de Relações Internacionais na Academia Militar, o combate ao terrorismo resultante do islamismo radical “é um caminho longo, para várias gerações”, que “só será solucionado se olharmos para a origem do problema, que não está na Europa ou nos Estados Unidos, mas na massa de área gigantesca, que vai desde o norte do Congo até ao Paquistão, Bangladesh, Índia ou Filipinas, onde grassam e crescem movimentos radicais que vão do Boko Haram e Al Shabaab ao Jamaat-e-Islami e Jemaah Islamiyah”.

O islamismo radical é “um sistema político, não uma religião” e é aqui, nesta ideia, que assenta o seu sucesso e proliferação, sublinha o mesmo analista.

“O que está em causa é um choque político e religioso entre visões da humanidade, é uma guerra política por um lugar no céu”, sublinha o general Loureiro dos Santos, ex-chefe de Estado-Maior do Exército e autor de vários livros relacionados com as questões da estratégia e das relações Internacionais

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Neste sentido, como sublinha Sajj Gohel, professor convidado da London School of Economics, assim como acontece noutras regiões do mundo, o Estado Islâmico “pode até vir a ser derrotado na Síria e no Iraque num prazo de 12 a 18 meses”.

Porém, “podemos derrotar o califado físico, mas como é que se derrota o califado ideológico?” – questiona o analista.

O objetivo final de um estado islâmico, um califado ideológico e físico “vai continuar a existir nas mentes das pessoas”, garante Gohel. “Mesmo no ocidente, entre pessoas que nunca se manifestaram. Como é que se vence isso? Este é um problema, um grande desafio”, afirma.

É precisamente na proliferação da “ideia” política do islamismo radical no seio do próprio mundo ocidental que Carlos Branco, major-general na reserva, ex-porta-voz da Força Internacional de Assistência à Segurança (ISAF) no Afeganistão entre setembro de 2007 e julho de 2008, vê a maior ameaça à segurança na Europa, mas também nos Estados Unidos.

“Na Europa há uma coisa mais perigosa do que o ‘jihadismo’ radical e em relação à qual não estamos atentos: a incapacidade da Europa integrar os diferentes grupos muçulmanos, que se irão radicalizar”, se não encontrarem espaço para a afirmação ideológica e sentimento de pertença no “mainstream” político ocidental, afirma Branco.

“Trinta por cento dos muçulmanos ingleses nunca entraram numa casa que não fosse muçulmana. Isto é que é integração? Como é que é possível existirem 114 imãs na Bélgica e que apenas uma meia-dúzia fale as línguas locais? Está a haver uma exportação de ideólogos para os países ocidentais, alguns radicais, e isto pode tornar-se um problema sério”, afirma Carlos Branco.

O combate deste estado de coisas implica mais do que uma resposta económica. Nos países onde proliferam as várias metástases do islamismo radical, a reconstrução das infraestruturas administrativas e económicas ajudará, “como aconteceu com os nazis e todos os sistemas totalitários, que tiveram sempre muito maior expressão quando as pessoas precisavam de agarrar alguma coisa que não tinham: a esperança”, diz Lemos Pires. Mas não chega.

Tanto no Afeganistão com os talibãs, como no Iraque pós-2003 com o Estado Islâmico ou na Nigéria com o Boko Haram, os movimentos islâmicos radicais recolheram o apoio das pessoas que sobreviviam a custo na violência e no caos, que não tinham emprego ou perspetivas de futuro, porque lhes ofereceram ordem, esperança, sentimentos de pertença e identidade, consideram os analistas contatados pela Lusa.

Onde o islamismo radical mais grassa “é onde não há educação, ou onde a educação é substituída por escolas corânicas radicais: as madrassas”, sublinha Lemos Pires.

A resposta ao islamismo radical passa, assim, por “uma aposta fortíssima na educação”, acrescenta o militar.