O pedido de recusa do juiz de instrução Carlos Alexandre assinado por José Sócrates e entregue no tribunal da Relação de Lisboa já foi distribuído a um juiz. O “super juiz”, como é conhecido, não perdeu tempo e entregou também a sua resposta às queixas do ex-primeiro-ministro, na última terça-feira. A edição da revista Sábado desta semana explica quais os argumentos que cada um apresentou.

O que diz Sócrates?

O ex-primeiro-ministro, suspeito de corrupção, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais num inquérito que se prolonga há já dois anos, acusa o juiz de instrução Carlos Alexandre de o “odiar” e “perseguir”. Acusa, ainda, o magistrado de ter usado a entrevista, que deu no último dia 7 de setembro à SIC, para lhe apontar o dedo. Refere-se à frase em que Carlos Alexandre falou de “modéstia, austeridade” e de “trabalho honrado”.

Refere a revista Sábado que são 18 as páginas do pedido de recusa e que são 25 os argumentos usados pela defesa de Sócrates para convencer os juízes do Tribunal da relação de Lisboa a afastarem o juiz de instrução do processo que resulta da “Operação Marquês”. O ex-governante admite que alguns destes argumentos são anteriores à entrevista e que só não tomou esta iniciativa antes porque acreditou que “se faria justiça”.

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Para Sócrates, Carlos Alexandre tem-se limitado a seguir aquilo que o Ministério Público lhe pede e a assumir a mesma posição. Fê-lo em “99%” dos casos, diz, não sendo por isso “imparcial”. A defesa do ex-primeiro-ministro fez as contas e alega que em 76 volumes do processo, só por três vezes Carlos Alexandre se afastou das pretensões do Ministério Público.

O ex-líder do PS juntou ao seu pedido de recusa uma série de artigos de opinião publicados em vários jornais. Destacam-se os artigos do advogado Manuel Magalhães e Silva, que foi consultor do presidente da República Jorge Sampaio, do jornalista Daniel Oliveira e de Francisco Louçã, ex-líder do Bloco de Esquerda.

No artigo de opinião publicado no Correio da Manhã, o advogado Manuel Magalhães e Silva interroga-se de como o juiz Carlos Alexandre esteve “mais de uma década e silêncio”, para depois “fazer um comentário, claramente intimidatório” em que parece estar a pedir “um incidente de suspeição”. O ex-consultor de Sampaio referia-se à parte da entrevista em que Carlos Alexandre fala nos créditos que contraiu e no facto de se ver obrigado a trabalhar horas extraordinárias para pagar essas despesas. Por não “ter amigos” que lhe façam transferências. “Sou o ‘Saloio de Mação’, com créditos hipotecários que tem de trabalhar para os pagar, que não tem dinheiros em nome de amigos, não tem contas bancárias em nome de amigos”, respondeu Carlos Alexandre à SIC.

O artigo de Francisco Louça que Sócrates junta ao pedido de recusa foi publicado no jornal Público. O ex-líder do Bloco de Esquerda critica o facto de um juiz dar uma entrevista, porque na sua ótica “a sua vida privada ou as suas considerações sobre o mundo não importam para a nossa apreciação da sua conclusão”. Critica ainda a descrição que o entrevistado faz sobre a sua vida “espartana”, em que não vai a restaurantes nem tem amigos.

O colunista Pedro Marques Lopes também a ponta a quebra da discrição do juiz Carlos Alexandre. Num artigo no Diário de Notícias, acusa o magistrado de ter falado num processo que tem nas mãos. “Carlos Alexandre insinuou que o arguido José Sócrates tem dinheiro em nome de amigos. Ou seja, Carlos Alexandre falou claramente de um processo em que está envolvido e insinuou que um arguido praticou uma certa conduta. Mais, Carlos Alexandre dá como certa a tese principal da acusação, a de que o dinheiro em nome de Santos Silva é de Sócrates”, escreve.

No Expresso, Daniel Oliveira defende também que a “entrevista não devia ter sido dada”. Também ele concorda que há uma clara referência a Sócrates e à Operação Marquês quando o juiz fala em “dinheiro em nome de amigos”. Mais grave, segundo Oliveira, é que o magistrado tece este comentário a dias de sair, ou não, uma acusação contra o ex-ministro (afinal o inquérito acabou por ser novamente prolongado).

Sócrates sugeriu ainda os nomes de algumas testemunhas que gostava que fossem ouvidas, como Maria de Belém, Alberto Costa e Gabriela Canavilhas.

O que diz Carlos Alexandre?

O juiz Carlos Alexandre entregou terça-feira, em mãos, a sua posição no Tribunal da Relação de Lisboa. O magistrado, diz a Sábado, garante que não segue as posições do Ministério Público e lembra que muitas das decisões que tomou foram alvo de recurso de Sócrates para a Relação. Quase sempre este tribunal superior deu razão a Carlos Alexandre. Para confirmar o que diz, o magistrado juntou os acórdãos que assim o atestam à sua resposta.

Entre esse acórdão estará um que passou pelo Tribunal da Relação e, depois, para o Constitucional. Nenhum deu razão a Sócrates. A defesa do ex-primeiro-ministro punha em causa um despacho assinado por Carlos Alexandre que usava ditados populares para considerar a existência de indícios de crimes como “quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vêm”, “milagre de altruísmo” e “gato escondido com rabo de fora”. Nesse despacho, que declarava a prisão preventiva de Sócrates, foi também posto em causa o facto de o juiz não ter ouvido o arguido sobre a proposta de prisão, ouvindo apenas o advogado; e a remissão do juiz para a fundamentação do procurador, na aplicação da medida de coação. A Relação não viu qualquer irregularidade no despacho. O Constitucional, numa decisão de agosto de 2015, não apreciou a constitucionalidade das expressões idiomáticas, mas não encontrou qualquer inconstitucionalidade no despacho.

Sócrates perdeu ainda os recursos que enviou para ser ouvido novamente pelo juiz e pela medida de coação aplicada. Tanto pela primeira vez, em que ficou em prisão preventiva, como quando a medida foi reapreciada e mantida. Todas estas decisões deverão constar na resposta entregue em mãos por Carlos Alexandre. O magistrado juntou também um conjunto de decisões relativas a incidentes de recusa de outros juízes, mostrando como a maioria decidiu no sentido de não afastar o juiz.

O próprio Carlos Alexandre, que está no tribunal Central de Investigação Criminal desde 2005, já foi alvo de cerca de uma dezena de incidentes. Foi ele quem ganhou sempre esses casos.