O par de Ray Webber, inglês de 93 anos, natural de Bristol, tem sido a poesia. Uma relação conturbada, que após 70 anos de vai-não-vai, de “seremos ou não felizes”, decidiu largar a meia-luz. Antes um autor tardio que a eterna privacidade, dizemos nós. High on Rust (com o carimbo da editora Tangent Books) reúne poemas que vêm desde a década de 70 até à atualidade, e chega agora para dizer que é tempo de Ray Webber ser lido — ou pelo menos assim vão dizendo alguns críticos ingleses.
A poesia deste britânico já leva 70 anos nas canetas e isso só pode ser sinónimo de que a arte de Ray Webber é muito mais do que aquilo que podemos encontrar em High on Rust. Ainda assim, o acontecimento merece atenção. Nascido em 1923 em Redcliffe, Bristol, filho de pais galeses, Ray Webber não teve uma infância fácil. O pai era o líder do Partido Comunista de Bristol e a mãe era uma acérrima católica. Este paradoxo nunca foi, portanto, sinal de grande à vontade — pelo contrário, o pão era para dividir e a escola, essa, foi para largar aos 14. Quatro anos volvidos e lá ia ele, como tantos outros jovens recém-adultos à época, para a Segunda Guerra Mundial.
Ray Webber, como não é difícil adivinhar, sobreviveu para contar. Só que vê-lo em documentários sobre a asfixia na batalha é pouco provável. Em 1946, o seu último ano no exército, estava destacado em Itália, onde um oficial lhe emprestou uma coleção de poesia. Até aqui apenas tinha consumido escritos políticos. Quando devolveu as obras ao oficial, este espantou-se com a capacidade de Webber recitar inúmeras partes de algo que lhe tinha mudado a vida.
Deu-se a vertigem, a epifania-criadora. Frank O’Hara, William Burroughs, TS Eliot ou Charles Bukowski começaram a ser os seus melhores amigos, as horas em que os devorava eram as que lhe davam mais gosto. Ainda que por esta altura tenha trabalhado como carteiro – “tinha sempre rimas à volta da minha cabeça, isso fez de mim um tipo distraído. Quando era carteiro passava o tempo a falhar as voltas, ia sempre às casas erradas”, confessou ao The Guardian – e, mais tarde, como líder sindical dos pintores e decoradores de Bristol.
[12 minutos com um pouco de história de Ray Webber]
Webber sempre foi pelos outros, pela comunidade, pelas boas ações. “É algo que faço todos os dias, não precisas da poesia ou de nenhuma outra manifestação artística para comunicar e influenciar as pessoas à tua volta”, garantiu à mesma publicação. E se é de publicação que falamos, teremos que dizer que o poeta, a meio da década de 1970, quase chegou aos livros. Ganhou um concurso promovido pelo Bristol Evening Post e entrou no clube de poesia da sua cidade.
Conheceu o poeta e músico Steve Bush – o mesmo que lhe selecionou os poemas para High on Rust – que rapidamente investiu no discurso em modo “vá, tu escreves lindamente, publica lá isso”, provavelmente com o mesmo empenho com que um ex-fumador se dedica a amaldiçoar os amigos do tabaco — com muita vontade. O poeta rodeou-se de amigos dados às letras e às tertúlias. E nessa mesma década chegou a editar um pequeno folheto com poemas. E depois veio o arrependimento, aquele que o fez queimar todo o trabalho feito até então. Acontece, não vale a pena questionar.
Webber foi durante muito tempo um remate ao poste. Agora, parece crescer alguma unanimidade em volta do poeta. E há já quem o apelide de “Bukowski de Bristol”. Vem com atraso mas é um bom começo.