O debate entre os candidatos a vice-Presidente dos EUA ficou marcado pela insistência do democrata Tim Kaine em atacar o seu adversário, Mike Pence, exigindo-lhe repetidamente explicações para algumas das polémicas em torno de Donald Trump. Em contraste com a agressividade de Tim Kaine, Mike Pence saiu do debate como o candidato mais calmo, apesar de mais uma vez ter sido pouco eficaz na defesa do seu parceiro de campanha.

A tendência do debate foi marcada logo na primeira intervenção do debate, a cargo de Tim Kaine, atualmente senador pelo estado da Virginia, do qual também já foi governador. Na pergunta inicial da noite, cada um teve de responder que qualidades e capacidades tem para, caso venha a ser preciso, substituir o próximo Presidente dos EUA.

(PAUL J. RICHARDS/AFP/Getty Images)

Esquerda: Tim Kaine, democrata, senador da Virginia. Direita: Mike Pence, republicano, governador do Indiana (PAUL J. RICHARDS/AFP/Getty Images)

Tim Kaine começou por responder à questão recordando o que Hillary Clinton lhe terá dito quando o convidou para ser seu número dois. “Foste um missionário [jesuíta], foste um advogado pelos direitos civis. Foste vereador e presidente de câmara. Foste vice-governador e governador e agora senador a nível nacional”, recordou, referindo que é “essa experiência de ter servido a todos os níveis governamentais” que pretende usar caso tenha de substituir Hillary Clinton no cargo de Presidente.

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Mas, pouco mais à frente, virou o discurso para aquela que foi notoriamente a sua maior preocupação do debate: atacar Donald Trump e, pelo caminho, Mike Pence. Para tal referiu o filho, um militar atualmente destacado no estrangeiro com os Marines, e a sua mulher: “A ideia de ter Donald Trump como comandante-em-chefe assusta-nos de morte”.

Tim Kaine falou dos impostos de Trump 12 vezes

Estava marcado o tom. A partir daí, Tim Kaine procurou com insistência, e muitas vezes fugindo desviando-se do tema em discussão, para lembrar algumas das afirmar controversas de Donald Trump. Em cinco ocasiões, referiu a intervenção em que o republicano disse que o México enviava emigrantes que são “violadores” e “traficantes de droga”. Depois, referiu duas vezes a ocasião em que Donald Trump sugeriu que Gonzalo Curiel, um juiz nascido nos EUA a quem foi atribuído o caso que envolve a Trump University, não é idóneo por ter ascendência mexicana. Além disso, referiu por sete vezes as declarações favoráveis do candidato republicano em relação ao Presidente da Rússia, Vladimir Putin.

Mas se houve uma questão em que Tim Kaine insistiu mais do que em tudo o resto, foi na recusa de Donald Trump em divulgar a sua declaração fiscal — uma prática comum entre os candidatos presidenciais norte-americanos, embora não seja obrigatório. Ao todo, Tim Kaine disse as palavras “declaração fiscal” doze vezes durante diferentes ocasiões nos 90 minutos do debate. Uma delas, a décima vez em que usou a expressão, surgiu quando o tema era a Rússia. “O que é que isso tem a ver com a Rússia?”, perguntou-lhe Mike Pence.

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Tim Kaine insistiu várias vezes no tema das declaração fiscais de Donald Trump, que poderá não ter pago impostos durante 18 anos (JOE RAEDLE/LUSA)

Do seu lado, o governador do Indiana demonstrou um grau de tolerância superior ao que Donald Trump apresentou no primeiro debate, evitando com sucesso demonstrar uma postura intranquila perante o ataque cerrado de Tim Kaine. Porém, como já lhe tinha sido apontado noutras ocasiões, Mike Pence não foi particularmente forte na defesa de Donald Trump.

Quando confrontado com as palavras do seu parceiro — que disse que não ter pago impostos durante pelo menos 18 anos, depois de ter registado prejuízos superiores a 900 milhões de dólares, se deveu a um uso “brilhante” das leis tributárias e que isso faz dele “esperto” —, Mike Pence desculpou-o: “Donald Trump é um homem de negócios, não é um político profissional”. “A sua declaração fiscal [de 1995, tornada pública pelo The New York Times] demonstra que ele atravessou um período muito difícil, mas usou o código tributário da maneira como ele deve ser usado”, acrescentou. “E ele fê-lo de maneira brilhante.”

Mike Pence tentou dar a volta ao texto de Tim Kaine, devolvendo a acusação de a campanha republicana ser “movida a insultos”, trazendo para a mesa o comentário em que Hillary Clinton disse que “metade” dos apoiantes de Trump são “racistas, sexistas, homofóbicos, xenófobos, islamofóbicos” e que para ela fazem parte do “cesto dos deploráveis”. “Ela disse que eles eram irremediáveis. Que eles não era [parte da] América”, queixou-se Mike Pence.

Tim Kaine fez notar que Hillary Clinton expressou o seu arrependimento em relação àquelas palavras, notando que Donald Trump não tem por hábito pedir desculpa quando faz declarações polémicas. “Donald Trump pediu desculpa depois de começar uma guerra no Twitter com uma pessoa e por gozar com ela por causa do seu peso? Ele pediu desculpa por dizer que os afro-americanos vivem no inferno? Ele pediu desculpa por dizer que o Presidente Obama nem sequer era um cidadão dos EUA?”, enumerou o senador da Virginia.

Para lá dos insultos e acusações… a política

Além das trocas de acusações, que têm sido um elemento omnipresente desde que a época eleitoral norte-americana deu o primeiro passo com as eleições primárias, o debate dos vice-Presidentes teve espaço para algo que muitos apontaram como uma grande ausência do embate entre Hillary Clinton e Donald Trump: a discussão de propostas políticas.

Quando o tema foi a sustentabilidade da segurança social, Tim Kaine acusou Donald Trump e Mike Pence de quererem optar pela via da privatização — uma acusação negada pelo republicano, que respondeu parafraseando Ronald Reagan num dos debates de 1980, frente a Jimmy Carter, quando disse: “Lá vem você outra vez…”.

(Chip Somodevilla/Getty Images)

Tim Kaine defendeu que “as autoridades têm os recursos e as ferramentas para verdadeiramente restaurarem a lei e a ordem” (Chip Somodevilla/Getty Images)

Sobre as tensões raciais e a atuação da polícia junto de minorias étnicas como os afro-americanos, o democrata falou contra a “militarização” das autoridades, ao passo que o republicano garantiu que ira assegurar-se de que “as autoridades têm os recursos e as ferramentas para verdadeiramente restaurarem a lei e a ordem”. Além disso, disse que a polícia é vítima da “má língua de pessoas que aproveitam cada tragédia que ocorre no seguimento de uma ação policial para generalizar e acusar as autoridades e discriminação e racismo institucional”, acrescentando que “isto tem de parar”.

Tim Kaine aproveitou também o tema da violência para defender um maior controlo na venda de armas, referindo o tiroteio que matou 32 pessoas em 2007 na universidade de Virginia Tech, no seu estado, quando era governador — algo a que Mike Pence não chegou a responder.

Sobre o tema da imigração, Mike Pence defendeu que a prioridade dos republicanos é “remover os imigrantes ilegais que cometeram crimes e as pessoas que ficaram [nos EUA] para lá da validade dos seus vistos” e que, depois disso, “lidaremos com aqueles que sobrarem”. Tim Kaine pegou nesta ideia e acusou a campanha adversária de querer deportar cerca de 16 milhões de pessoas, numa conta que junta aos cerca de 11 milhões de imigrantes ilegais a viver nos EUA os cerca de 4,5 milhões de pessoas que nasceram em solo norte-americano em famílias cujos pais não têm documentos. “Eles querem ir casa a casa, escola a escola, empresa a empresa, e expulsar 16 milhões de pessoas.”

(Photo by Mark Wilson/Getty Images)

Tim Kaine sobre Trump e Pence: “Eles querem ir casa a casa, escola a escola, empresa a empresa, e expulsar 16 milhões de pessoas” (Photo by Mark Wilson/Getty Images)

Em matérias de política internacional, a Síria foi um dos temas em destaque, com Mike Pence a defender que “os EUA devem estar preparados para usar força militar para atingir os alvos militares do regime de Assad”, num esforço para “proteger” os cidadãos de Aleppo — e referiu pouco depois que “os russos e os outros países do mundo vão saber com quem é que estão a lidar”. Na resposta, Tim Kaine voltou aos seus dois temas de escolha do tema: a simpatia de Donald Trump por Vladimir Putin, referindo que “quem não sabe distinguir entre um ditador e um líder precisa de voltar às aulas de formação cívica do quinto ano”; e as declarações fiscais do candidato republicano, aludindo às revelações do The New York Times. “Quando um tipo concorre à presidência e não apoia as tropas, os veteranos de guerra ou os professores, isso é muito importante.”

Na reta final do debate, cada candidato tentou explicar de que forma é que pretende unir o país depois uma das eleições mais fraturantes de que há memória na História política dos EUA. Tim Kaine disse que Hillary Clinton “tem um historial de trabalho com o outro lado da bancada para fazer as coisas acontecerem”, referindo que também ele tem essa experiência. “Eu fui governador da Virginia com dois congressos [estaduais] republicanos”, lembrou.

Já Mike Pence disse que tem esperança em que o “povo americano se possa erguer mais alto”. “Eles [o povo] querem ver-nos a apoiar e a reconstruir o nosso exército e exigir o respeito do mundo”, referiu, falando de um “comeback da América”. Mas também acabou por usar a fórmula do seu adversário, referindo que nos 12 anos que representou o Indiana no Congresso, trabalhou “com muitos republicanos e democratas, homens e mulheres de boa vontade”.

Historicamente, os debates entre vice-Presidentes não são decisivos

É pouco provável que o único debate entre os dois vice-Presidentes venha a alterar significativamente o rumo destas eleições. Em primeiro lugar, a ajudar nesse sentido está o facto de, antes do debate ter começado, mais de 40% dos norte-americanos não conhecerem sequer os nomes dos vice-Presidentes, de acordo com uma sondagem da ABC News. Em segundo, está a História. Entre os debates de vice-Presidentes, não há registo de algum que tenha verdadeiramente causado uma mudança de rumo nas eleições.

Prova disso foi o debate de 1988 entre o democrata veterano Loyd Bentsen e o novato republicano Dan Quayle, que a páginas tantas se equiparou a John F. Kennedy. A resposta de Loyd Bentsen foi acutilante: “Senador, eu trabalhei com o Jack Kennedy, eu conheci o Jack Kennedy, o Jack Kennedy era meu amigo. Senador, você não é o Jack Kennedy”. A audiência respondeu com aquela que foi possivelmente a maior ovação num debate vice-presidencial — uma resposta à altura da maior gaffe nos embates entre os candidatos a número 2.

Porém, não é segredo nenhum como as coisas aconteceram. Apesar da clara vitória do democrata no debate vice-presidencial, os republicanos George H. W. Bush e Don Quayle venceram com facilidade a candidatura dos democratas George Dukakis e Loyd Bentsen, que foi marcada por vários momentos desastrosos e que teve naquele debate de reduzida importância um dos seus melhores momentos.

Seja como for, numa sondagem da CNN feita imediatamente após o debate que contou com a participação de 472 pessoas que assistiram ao duelo entre Tim Kaine e Mike Pence, os números caíram ligeiramente a favor do republicano. Ao todo, Mike Pence foi o melhor do debate para 48% os inquiridos, à frente dos 42% que escolheram Tim Kaine. Houve ainda 6% que os puseram ao mesmo nível.