“Há cada vez mais consciência mas muitos governos não dão prioridade ou reconhecem sequer que existe escravatura nos seus países. A magnitude total do problema nem sequer é conhecida, ou seja, não se sabe, em muitos países, quantas crianças trabalham, sem acesso a educação ou sem viver a sua infância”, disse Kailash Satyarthi.

“Lutar contra isto é duro, mas não é impossível. Tem de envolver toda a sociedade, os ‘media’, as organizações civis, Governo e empresas. A liberdade das crianças tem de ser protegida”, afirmou, recordando que o problema afeta 168 milhões de crianças em todo o mundo.

Kailash Satyarthi falava à Lusa em Díli, onde vai participar, nos próximos dias, em vários eventos para assinalar o 20.º aniversário da atribuição do Prémio Nobel da Paz aos timorenses José Ramos-Horta e Ximenes Belo.

Satyarthi está ligado ao movimento indiano contra o trabalho infantil há mais de três décadas e lidera a organização Bachpan Bachao Andolan, que se estima que tenha já ajudado mais de 80 mil crianças a sair da escravatura, contribuindo para a sua educação, reabilitação e reintegração na sociedade.

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“Sempre foi e continua a ser um grande desafio. 168 milhões de crianças em todo o mundo estão a trabalhar como trabalhadores infantis e 5,5 milhões são crianças escravos. A escravidão e a civilização não podem conviver”, enfatizou.

“Por um lado, temos tantos avanços no mundo, em tecnologia e noutras esferas, mas por outro lado, as crianças continuam a ser compradas e vendidas como animais, ou até pior do que animais. Isso é inaceitável”, insistiu.

Para Kailash Satyarthi, trata-se de fomentar a consciência e a vontade social e política, fortalecendo instrumentos legais ou condições para os implementar genuinamente.

“Temos de reforçar a capacidade para garantir recursos a quem investiga e combate este problema e também para apoiar a integração, a educação das crianças”, disse.

“E se empresas que usam trabalho infantil devem ser denunciadas e envergonhadas, também deve haver reconhecimento para as que lutam contra este problema e garantem que não há abusos na sua linha de contratação”, sublinhou.

Apesar de o problema não ser muito debatido em Timor-Leste, há casos de trabalho infantil no país, incluindo de jovens do interior que são aliciados por familiares na capital, Díli, com a promessa de acesso a educação e emprego, mas que são depois mantidos quase como ‘trabalhadores domésticos’.

“Em muitos locais, as pessoas confundem a escravidão ou negação de liberdade de crianças com a pobreza. Lidam com esta questão como sendo uma questão de pobreza e não como uma questão de escravidão”, afirmou.

“Mas muitas vezes há uma linha muito fina. As crianças nessa situação vêm de situações de pobreza. Temos de ver se há ou não força ou obrigação, que pode ser económica ou outra, se lhes são negados acesso a outros direitos, incluindo liberdade e educação. E se for o caso, então estamos perante situações de escravatura moderna”, afirmou.

Presidente da Marcha Global contra o Trabalho Infantil, Satyarthi, 52 anos, foi galardoado com o Nobel da Paz em conjunto com a paquistanesa Malala Yousafzai, hoje com 19 anos e a mais jovem laureada com o prémio.

Malala tornou-se num símbolo reconhecido internacionalmente de resistência aos esforços dos talibãs em negar educação e outros direitos às mulheres.

O comité norueguês justificou a escolha com a luta de ambos os ativistas “contra a repressão dos jovens e pelo direito de todas as crianças à educação”, destacando, no caso de Kailash Satyathi, a “grande coragem pessoal” que, “na tradição de Gandhi”, o levou a liderar protestos e manifestações, sempre pacíficos, para denunciar a exploração infantil.

“Contribuiu além disso para o desenvolvimento de importantes convenções internacionais de direitos das crianças”, indicou o comité.