Terá sido um acidente? Uma falha informática? Ou “fogo posto”? Ainda ninguém consegue explicar, com certeza, o que esteve na origem do caos nos mercados financeiros esta madrugada.

A libra esterlina derrapou esta manhã mais de 6% numa questão de segundos, na negociação da moeda britânica face ao dólar. O incidente, cujo resultado prático foi a maior queda (momentânea) para a divisa desde a manhã após o referendo de junho, ocorreu durante a sessão asiática e os investidores ainda não estão refeitos do susto.

No fuso horário de Hong Kong/Singapura, passavam poucos minutos das 7 da manhã quando a libra esterlina voou dos 1,26 dólares para 1,18 dólares — no espaço de dois minutos. Não sendo inédito, é um movimento sísmico numa negociação cambial tão importante quanto a libra britânica vs dólar dos EUA.

Operadores de mercado citados pelo Financial Times explicam que, nos 60 segundos após as 7h07, a libra foi de 1,26 dólares para 1,25 e, depois, para 1,24 dólares. Aí, “foi o caos”, disse um investidor ao jornal financeiro, e em poucos segundos a moeda já estava na fasquia dos 1,20 e tocou um mínimo de 1,1819 dólares às 7h09.

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O gráfico da Bloomberg ilustra a queda súbita.

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O gráfico mostra, também, que a recuperação levou quase meia hora e o par cambial ainda não recuperou totalmente do susto. Apesar de a primeira explicação avançada ser de um acidente, normalmente estes problemas afetam a negociação de uma forma que, por vezes, passam algumas horas até que os participantes do mercado percebam o que se passou e reposicionem as suas carteiras e as suas ordens bolsistas. Foi assim no flash crash de maio de 2010 na bolsa de Nova Iorque.

Tudo não passou, então, de um acidente?

Talvez. Muita da negociação bolsista, em especial nos mercados cambiais, é feita de forma automatizada. A imagem mais fiel é ter dois computadores a jogarem uma partida de ténis em que existem ordens de compra e venda pré-definidas e que servem de “balizas” à negociação. Só que não são dois computadores, mas muitos milhares ou, mesmo, milhões.

O que torna o mercado cambial ainda mais complexo é que, ao contrário das bolsas de ações, esses milhões de jogadores não estão, sequer, a jogar no mesmo campo. Ou seja, não existe uma bolsa fechada, um ambiente controlado como a Euronext Lisbon, por exemplo. Contudo, a bola e o resultado são os mesmos.

A primeira explicação que está a ser avançada é que algum dos algoritmos envolvidos na negociação tenha caído num erro e isso desencadeou a ativação de várias outras ordens de venda, em catadupa.

A tese da falha técnica pode, também, estar ligada a uma introdução errónea de um valor por algum dos participantes do mercado. É por essa razão que, na gíria, se fala num fat finger, ou seja, um dedo “gordo” (descuidado) que se engana a digitar um número. Um valor errado pode gerar um efeito em cadeia precisamente porque, voltando à imagem da partida de ténis jogada por milhares de computadores, esse valor pode cair fora de uma baliza e isso desencadear ordens de venda automáticas que inundam o mercado subitamente.

Mas pode não ter sido um erro. “É difícil dizer exatamente o que desencadeou isto”, afirmou Angus Nicholson, analista da IG Markets em Melbourne, à BBC. Uma outra explicação possível (também técnica) é que muitos destes computadores que participam no mercado cambial estão preparados para peneirar a Internet em busca de notícias relevantes.

A libra tem estado sob pressão nos mercados, devido aos receios de uma saída “à bruta” do Reino Unido da União Europeia. E houve uma notícia publicada esta manhã pelo Financial Times em que o Presidente francês, François Hollande, aparece a exigir uma posição negocial dura (por parte da UE, em relação a Londres) nos encontros que vão seguir-se nos próximos meses.

O Financial Times garante, contudo, que é pouco provável que esta notícia tenha sido apanhada nas malhas dos algoritmos cambiais e tenha causado todo o caos. Isto porque, segundo operadores contactados pelo jornal, a queda abrupta começou às 7h07m03s, ao passo que a notícia do Financial Times foi publicada às 7h07m13s, ou seja, 10 segundos depois.

Qual a relevância de tudo isto para o “mundo real”?

Não se pode excluir, contudo, que tenha sido uma ordem deliberada para tentar aproveitar um momento de baixa liquidez no mercado. É possível ganhar muito dinheiro com uma queda deste género (e, também, com a subida subsequente, se ela existir), portanto, se alguém tentou manipular o mercado a altura ideal seria, precisamente, poucos minutos depois da abertura da bolsa, em que são executadas as primeiras ordens e, depois, o mercado tende a tomar uma direção e a atividade reduz-se até que o dia aqueça e surjam mais notícias capazes de afetar a negociação.

Tenha ou não sido um acidente, o que a História mostra é que estas quedas súbitas têm um efeito traumatizante e o susto demora, por vezes, algumas horas a passar. Pelo menos até que se perceba o que passou. O “susto” já foi há várias horas mas, como mostra o gráfico da Bloomberg, a libra ainda não recuperou totalmente. E o valor da libra face ao dólar é um fator crucial para a economia global, servindo de indexante a inúmeros contratos financeiros que suportam o comércio de bens e serviços a nível mundial.

A moeda pode recuperar um pouco, mas fica o registo. Um registo que ocorre numa altura sensível para o Reino Unido e para a libra. Naeem Aslam, analista do ThinkMarkets, diz que “o momento que vivemos foi insano — e podemos chamar-lhe um flash crash, mas um movimento desta magnitude mostra bem até onde pode cair a moeda“.

O Banco de Inglaterra já informou que está a investigar as possíveis causas do incidente.