Hillary Clinton e Donald Trump encontraram-se na madrugada de domingo para um dos debates mais agressivos da história da política norte-americana, que ficou marcado pela troca de acusações entre os dois candidatos, depois de um fim-de-semana em que o republicano voltou a estar no centro de uma nova polémica. Durante os 90 minutos, Clinton voltou a apostar na estratégia de provar que o seu adversário não tem capacidades para liderar os EUA. Durante esse tempo, Trump tentou atacar a sua adversária do ponto de vista pessoal, referindo as acusações de violações contra o seu marido, e garantindo que, se ele for Presidente, Clinton seria presa.

Não havia outra maneira de começar o segundo debate presidencial entre Clinton e Trump. Depois de uma pergunta inicial sobre se cada candidato achava que era um exemplo para os jovens norte-americanos, o moderador Anderson Cooper, da CNN, atalhou e tocou no assunto que marcou o fim-de-semana e a agenda política dos EUA, a um mês das eleições de 8 de novembro: a gravação de 2005 onde Trump disse que, por ser famoso, beijava e mexia nas partes íntimas de algumas mulheres com quem privava, escusando-se a pedir-lhes permissão.

“Isso é uma agressão sexual”, atirou-lhe o jornalista. “Você gabou-se de agredir sexualmente mulheres.”

Donald Trump sabia que o tema ia chegar e, mais do que ninguém, estaria consciente de que dificilmente sairia dele imaculado. “Aquilo era conversa de balneário. Não estou orgulhoso, peço desculpa à minha família e ao povo americano. Certamente não me orgulha, mas aquilo foi era conversa de balneário”, respondeu. E, à primeira oportunidade que arranjou, desviou o tema. Primeiro para o Estado Islâmico (“que anda a cortar cabeças”).

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Depois de Anderson Cooper adotar uma postura insistente que desagradou a Trump (“Boa, são três contra um”, implicando que os dois moderadores estavam do lado da sua adversária), o republicano acabou por negar ter feito as coisas de que se gabou naquele vídeo com 11 anos. E na frase seguinte desviou a conversa para o tema da segurança, para as fronteiras dos EUA e para “as pessoas que estão a entrar por todo o lado vindas do Médio Oriente e de outros sítios”.

Foi um arranque de debate difícil para Trump e fácil para Clinton, a quem bastou fazer a habitual listagem de controvérsias que o seu adversário tem levantado no último ano e meio de campanha. “Não é só as mulheres [que Donald Trump ataca] e não é apenas este vídeo que está levantar questões sobre a sua capacidade para ser nosso Presidente”, disse Clinton. “Ele também atingiu imigrantes, afro-americanos, latinos, pessoas com deficiência, muçulmanos e outros”, relembrou.

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Depois de duas semanas de polémicas, Donald Trump foi obrigado a começar o debate à defesa

Logo a seguir, depois de o tema da gravação de 2005 ter sido novamente referido, Trump jogou um dos trunfos que tinha para esta noite: a infidelidade e alegadas violações de Bill Clinton. O candidato republicano surpreendeu tudo e todos ao anunciar, uma hora antes do debate, uma conferência de imprensa com três mulheres que acusaram Bill Clinton de violação e uma quarta, vítima de violação aos 12 anos, cujo agressor foi defendido em tribunal por Hillary Clinton em 1975. “Eu disse, ele fez”, repetiu, em relação a Bill Clinton. “Nunca houve ninguém na história da política desta nação que tenha sido tão abusivo para as mulheres, por isso vocês podem dizê-lo como quiserem, mas Bill Clinton foi abusivo para as mulheres”, continuou, estendendo as acusações a Hillary Clinton, dizendo que ela “atacou estas mulheres”.

“Pois, porque estarias presa”

Foi nesta altura que Donald Trump ganhou fôlego. Aproveitando o embalo, o republicano evocou o controverso uso de uma conta de e-mail privada — e por isso potencialmente insegura — por parte de Hillary Clinton durante os seu mandato como Secretária de Estado, entre 2009 e 2013. “Se eu ganhar, vou instruir o procurador-geral a escolher um procurador extraordinário para averiguar a sua situação, porque nunca tinha havido tantas mentiras e tantos enganos”, atirou, numa declaração onde parece ter ignorado as barreiras entre o poder executivo e o poder judicial.

“Ainda bem que ninguém com o temperamento de Donald Trump está à frente da justiça no nosso país”, respondeu-lhe Clinton. “Pois, porque estarias presa”, respondeu Trump de forma imediata, para gáudio de alguns apoiantes na plateia.

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Clinton justificou uma citação controversa de um discurso pago por um banco de Wall Street com um filme sobre Abraham Lincoln. “Agora está a pôr as culpas no grande Abraham Lincoln”, gracejou Trump.

O republicano demonstrou ser eficaz a reagir às palavras de Clinton das poucas vezes que esta foi obrigada a jogar à defesa. Prova disso foi quando se falou da recente revelação por parte do site Wikileaks de alguns discursos pagos a peso de ouro que Hillary Clinton fez em eventos privados para bancos e outras instituições financeiras. Num desses discursos Clinton referiu que os políticos devem ter “uma postura em público e outra em privado”, o que lhe valeu novamente acusações de desonestidade.

Para responder, Clinton referiu que quando fez esse discurso estava a falar do filme “Lincoln”, de Steven Spielberg, que retrata o processo do Presidente Abraham Lincoln para conseguir aprovar a 13ª Emenda da Constituição dos EUA, que aboliu a escravatura. “O Presidente Lincoln estava a tentar convencer algumas pessoas com uns argumentos e outras com argumentos diferentes”, disse. “Isso foi ótimo, achei que foi uma demonstração de liderança presidencial.”

“Ela foi apanhada numa completa mentira”, atirou-lhe Trump, na resposta. “Ela mentiu. E agora está a pôr as culpas no grande Abraham Lincoln.”

Outra polémica revista neste debate foi aquela que diz respeito aos impostos de Trump, que até agora tem optado por não divulgar as suas declarações fiscais. Porém, uma investigação do The New York Times revelou que em 1995 o empresário declarou um prejuízo de 916 milhões de dólares, acrescentando que nessas circunstâncias ele pode ter usado a lei para não pagar impostos sobre o rendimento durante um período que pode ter chegado aos 18 anos. Quando lhe perguntaram confirma que “usou” essas leis, respondeu: “Claro que uso”. Assim mesmo, com estes tempos verbais. Quando lhe perguntaram durante quantos anos é que beneficiou dessa lei, preferiu não responder.

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Na quarta-feira, o vice de Trump, Mike Pence, defendeu ataques contra Assad e a Rússia na Síria. Agora, Trump defende exatamente o contrário.

No campo da política internacional, Clinton saiu por cima de Trump, que acabou por contradizer as palavras do seu número dois e candidato a vice-presidente. Referindo-se à guerra na Síria durante o debate entre candidatos a vice-Presidente na madrugada de terça-feira, Mike Pence defendeu a possibilidade de os EUA atingirem alvos militares de Assad e acrescentou que as “provocações” da Rússia devem ter uma resposta americana. Ora, no debate desta madrugada, Trump explicou que a Rússia e Assad “estão a matar o Estado Islâmico”, deixando implícito que o seu único objetivo na Síria seria atacar o Estado Islâmico. Quando foi chamado à contradição da sua posição com a de Mike Pence, respondeu sem grandes problemas: “Okay. Eu e ele ainda não falámos e eu discordo”.

Apesar deste faux-pas, Trump demonstrou estar significativamente mais bem preparado para este debate do que quando se apresentou para o primeiro frente-a-frente com Clinton a 26 de setembro. Ainda assim, tal como aconteceu há duas semanas, permanece a dúvida da capacidade do candidato republicano de falar não só para a sua base eleitoral e de alcançar votos entre os eleitores indecisos ou naqueles que tendem a favorecer a sua adversária. É o caso do eleitorado afro-americano, referindo-se a este apenas nas duas ocasiões em que a pergunta foi colocada por membros da plateia negros. Nessas alturas, aproveitou o embalo para referir os latinos. E quando uma eleitora muçulmana lhe perguntou de que forma iria combater a islamofobia depois das eleições, Trump fugiu de uma resposta concreta.

Por outro lado, Clinton apresentou uma postura confiante durante o debate. Porém, ao contrário daquilo que ficou da sua prestação no primeiro debate, a candidata democrata não conseguiu, ou não quis, aplicar um golpe de misericórdia a um candidato que muitos já davam como morto.

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A sondagem da CNN voltou a dar a vitória a Hillary Clinton, mas com uma margem menor em relação ao primeiro debate

Na última pergunta do debate, naquele tom que os pais usam quando querem pôr fim a uma discussão entre dois dos seus filhos, um eleitor indeciso pediu-lhes que referissem uma coisa que respeitam um num outro.

Trump seria o primeiro a responder, mas perante a hesitação do empresário, Clinton antecipou-se e falou dos filhos do seu adversário. “Os filhos dele são incrivelmente capazes e comprometidos e eu acho que isso diz muito sobre o Donald”, disse. Trump agradeceu-lhe o elogio e, depois de pensar, gabou a adversária pela primeira vez desde que a época eleitoral começou: “Ela não desiste. E eu respeito isso. Eu digo as coisas como elas são. Ela é uma lutadora. Eu discordo de muitas das coisas pelas quais ela luta, eu discordo das suas decisões eu muitos casos, mas ela luta no duro e não desiste e eu acho que isso é uma característica muito boa”.

No final do debate, numa sondagem da CNN realizada logo após o debate, 57% dos inquiridos atribuíram a vitória do debate a Clinton, contra 34% que responderam a favor de Trump — o que, olhando apenas para esta sondagem, representa uma vitória clara da democrata — mas menos vistosa do que aquela que ela obteve no primeiro debate, quando 62% lhe deram a vitória, contra 27% que escolheram o republicano.

O terceiro e último debate entre os dois candidatos à Casa Branca está marcado para a madrugada de 20 de outubro, às 02h00 (hora de Lisboa).