O ex-diretor de comunicação de Downing Street, Craig Oliver, relatou no seu livro, Unleashing Demons, recentemente publicado, uma viagem que fez com David Cameron, no jaguar oficial do antigo primeiro-ministro britânico. Na viagem, Cameron foi desafiado a elaborar as razões que o levavam a defender que o Reino Unido não deveria sair da União Europeia. Cameron foi perentório na sua resposta: o referendo “poderá libertar demónios que desconhecemos”. Acertou. O referendo revelou demónios sob a forma de mentiras, traições e guerras fratricidas. De acordo com um relatório do Ministério do Interior publicado na passada quinta-feira, o clima social pode ter provocado um sério aumento de crimes xenófobos no país.

No final de agosto passado, Arkadiusz Jóźwik, cidadão polaco de 40 anos residente em Harlow, seguia acompanhado por dois amigos. Ajudava um deles, recentemente chegado ao país, a reformular um quarto alugado naquela pequena cidade do nordeste de Londres. Ao cair da noite decidiram jantar numa pizaria local. Aí foram brutalmente atacados por um grupo de jovens. Jóźwik morreu dois dias depois no hospital. Seis menores foram associados ao crime. O irmão de Jóźwik visitou, emocionado, o local do crime. “Mataram-no”, disse, porque o “ouviram a falar polaco”.

“Depois do voto a favor do Brexit tudo piorou”, lamentou. “Vimos que as pessoas estão a mudar. É um momento difícil”.

A polícia ainda não conseguiu apurar o verdadeiro motivo do ataque, mas considera como mais lógica a hipótese de se tratar de um crime de ódio. Apenas cinco dias depois da morte de Arkadiusz Jóźwik, outros dois imigrantes da mesma nacionalidade foram atacados em Harlow. Dois agentes da Policia de nacionalidade polaca foram enviados para o local para reforçar a segurança desta comunidade, que é a mais numerosa no Reino Unido. Seja qual for o resultado da investigação, para as centenas de polacos que saíram às ruas de Harlow para uma marcha silenciosa, uma semana depois da morte de Jóźwik, os ataques racistas depois do referendo estão a tornar-se algo muito recorrente.

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Esta quinta-feira, um relatório do Ministério do Interior confirmava com números o que já era sentido pela maioria dos imigrantes no Reino Unido. O número de delitos de ódio disparou 41% em julho, em comparação ao mesmo mês do ano passado. Na sequência do referendo, em que saiu vitoriosa a vontade dos britânicos saírem da União Europeia, já se tornaram públicos 5 468 crimes de ódio, categoria em que a polícia inclui os crimes contra um coletivo definido pela sua origem nacional.

Os dados apresentados, que não se aplicam à evolução de outro tipo de crimes, “encaixam no padrão amplamente denunciado do aumento dos delitos de ódio depois do referendo europeu”, assinala o relatório. No mês de agosto, os dados constataram que as ocorrências de crimes de ódio baixaram, mas continuam significativamente superiores aos que se conheceram antes do referendo.

Bernard Hogan-Howe, alto-comissário da polícia Metropolitana de Londres, também falou há uns dias sobre o “pico horrível” de crimes de ódio que coincidiram com o referendo. “Não podemos dizer que se deve tudo ao Brexit, mas há uma clara mudança depois do mesmo. Os europeus de leste têm sofrido particularmente mais ataques que consideramos como delitos racistas. Há certamente um aumento relacionado com os mesmos”, explicou.

A ministra do Interior britânica, Amber Rudd, disse, depois de apresentar o relatório onde se constatam estes dados, que “o ódio não tem lugar no país” e mostrou-se “determinada” a extingui-lo. Sugeriu ainda que o aumento destes casos pode estar relacionado com a denúncia cada vez maior deste tipo de ataques.” Amber Rudd acrescentou ainda que apesar de tudo, mostra-se satisfeita, ” ao ver que a ação do governo está a funcionar e que as vitimas estão a ganhar coragem para denunciar estes crimes”, disse.