Bruges. Este nome sugere cinema. Cinema? Isso mesmo, o filme Em Bruges, com Colin Farrell, Brendan Gleeson e Ralph Fiennes. É comédia de humor negro, em Bruges. Sempre em Bruges. Dá vontade de mergulhar no filme, tal a beleza da cidade, espécie de Veneza com canais de água a serpentear as casas e igrejas.

Bruges. Este nome sugere futebol. A cidade é a casa de dois clubes, o Cercle e o Club. Um, leva só quatro mil adeptos por jogo, o outro enche mais (24 mil). Ambos jogam no Jan Breydel, onde joga o Porto esta terça-feira à noite, para a 3.ª jornada da Liga dos Campeões, e sonha com a primeira vitória na fase de grupos. A acontecer, seria a primeira vitória portuguesa em seis jogos. Nos anteriores cinco (Sporting 1967, Porto 1972, Boavista 1984, Braga 2011, Marítimo 2012), a estatística portuguesa acumula dois empates e três derrotas mais 4-9 em golos.

Desses nove golos sofridos, um terço pertencem ao francês Jean-Pierre Papin, autor de um hat-trick vs Boavista (3-1), a 2 outubro 1985, É a 2.ª mão da primeira eliminatória da Taça UEFA e o Club Bruges apresenta uma equipa de respeito internacional, com Ceulemans, Degryse, Franky van der Elst, Leo van der Elst e Rosenthal. Lá no meio, com o número 9 nas costas, um tal Papin, que marca golos de toda a maneira e feitio, uma situação que se torna comum e que até tem direito a nome próprio: “papinades”, aka remate forte e certeiro, até nas situações e posições mais inverosímeis. Que o diga Alfredo, por exemplo. Ou ainda Silvino (Marselha-Benfica em 1990) mais Vítor Baía (FC Porto-Milan em 1993).

Nesse outubro 1985, o guarda-redes do Boavista é Alfredo. “Isso foi a minha estreia europeia. Na primeira mão, em que ganhámos 4-3, o Paulino foi o titular e eu estava no banco. Na segunda, joguei e perdemos 3-1, com três golos do Papin.” Como? “O primeiro foi de cabeça, uma elevação espetacular, já na pequena área. O segundo foi um livre indireto dentro da área. O árbitro [Sánchez Arminio, de Espanha] assinalou falta porque, segundo ele, mantive a bola em meu poder mais de seis segundos. O 3-1 foi um outro pontapé com pé direito.” O Papin ainda está longe de ser o Papin. “Lembro-me de o João Alves, o nosso treinador, falar dele nas palestras. Que o defesa-esquerdo teria de ter cuidado com o Papin, porque ele costumava descair do meio para a direita do ataque.”

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Já sem Papin nem ninguém parecido, o Bruges é um clube mais fraco do que nos anos 80. Até agora, zero pontos e 0-7 em golos na Liga dos Campeões. Quem é que treina estes rapazes? Michel Preud’homme. Remember? O guarda-redes belga, titular do Benfica desde 1994 até 1999. É o enésimo encontro entre Michel e o Porto. O primeiro data de março 1982. É um Standard-FCP, para os quartos-de-final da Taça das Taças. A primeira mão é em Liège, no dia em que João Lagos consegue trazer o campeão sueco Bjorn Borg para torneio Chivas Regal Cup, no Pavilhão Dramático de Cascais.

Seja como for, em Liège, aquilo está a ferro e fogo. Mais de 40 mil operários metalúrgicos saem à rua para protestar com as regras impostas pela CEE em acabar daí a três anos com o apoio belga ao aço. Os rapazes invadem a sede do Partido Liberal e incendeiam documentos, além de atirar móveis pela janela. Este cenário relega o Standard-FCP para segundo plano. Na baliza de Michel, nem um remate portista para amostra. O onze de Stessl nunca se habitua ao lamaçal de Scelssin e sai de lá vergado ao peso da derrota por 2-0, com um golo em cada parte, o último deles na própria baliza, da autoria do lateral Gabriel. É a primeira vitória de Michel sobre o Porto. Só se seguiriam mais três, todas ao serviço do Benfica. Três em quantos jogos? Pois, boa pergunta. Em 15 jogos. Só três vitórias? Só três vitórias. De resto, cinco empates (o primeiro de todos a garantir a Supertaça para o FCP, em Coimbra) e sete derrotas, uma das quais o 5-0 na Luz para a Supertaça.

Pelo meio, entre o Standard-FCP 1982 e a despedida no clássico SLB-FCP 1999, Michel tem uma proposta do Porto. Tudo se passa no verão 1988. Enquanto o Sporting procura treinador para substituir Manuel José (seria o uruguaio Pedro Rocha), estala o verniz no designado Pacto dos Cavalheiros, com o Porto a sacar o central Dito e o avançado Rui Águas ao Benfica. É tempo de bate-boca presidencial, entre Pinto da Costa e João Santos. Quando já só restam estilhaços desse diálogo de cavalheiros, o Porto começa a pré-época sem o guarda-redes polaco Mlynarczyk, incomunicável e em parte incerta. Passa um dia, dois… uma semana, duas. A situação é insustentável. Quinito, o treinador, olha para o lado e só tem Zé Beto como alternativa a Mlynarczyk mais um miúdo verdinho dos juniores chamado Vítor Baía.

É aí que se dá o encontro entre dirigentes do FC Porto e a equipa do Malines, no aeroporto de Milão. Aí, a 20 julho 1988, Pinto da Costa e Cª falam com Michel Preud’homme e convidam-no para assinar pelo Porto. Ali mesmo, no Aeroporto Malpensa, nas barbas do Malines. O belga agradece a atenção e recusa. Afinal, é o titular da baliza do vencedor da Taça das Taças desse ano (1-0 ao Ajax) e do futuro campeão da Supertaça Europeia. O Porto ouve o não e arrepia caminho, resignado. Dias mais tarde, lá aparece Mlynarczyk, que (coisas do destino) se lesiona na clavícula durante um treino em setembro e volta a deixar o Porto à guarda de Zé Beto. Só até fevereiro. Aí, Artur Jorge aposta em Vítor Baía. E o resto é o que a gente sabe. Sobre Baía, o homem dos 29 títulos. E sobre Preud’homme, o homem que pede à FIFA para usar óculos escuros durante os jogos do Mundial-90, em Itália, devido ao sol, e ganha o prémio Yashine no Mundial-94, antes de assinar pelo Benfica. E de começar a perder à grande com o Porto. Hoje também?