Rui Moreira disse ter ouvido “com muita surpresa, uma pequena deselegância e alguma acrimónia” as palavras ditas por Passos Coelho no Porto. Respondendo à indireta do líder do PSD, o presidente da Câmara do Porto devolveu a acusação: “Os partidos pelos vistos é que querem o fato à medida e aquilo que eu pretendo, apenas, é envergar o mesmo fato que os partidos construíram para si”, disse esta terça-feira.

À margem da inauguração de uma exposição construída a partir do arquivo Ephemera, de Pacheco Pereira, Rui Moreira garantiu que, “se os partidos entendem que querem ganhar, ou tentar ganhar isto na secretaria”, ou seja, mantendo desigualdades entre as candidaturas de partidos e de independentes às eleições autárquicas, isso não o impedirá de se recandidatar. “Pela minha parte, eu estarei presente nas próximas eleições.”

As declarações são uma resposta a Pedro Passos Coelho que, na segunda-feira à noite, no Porto, considerou as desigualdades entre candidaturas partidárias e candidaturas independentes “uma falsa questão”, pelo que não vê necessidade de mudar a lei eleitoral. “Essa candidatura independente do Porto foi eleita nas últimas eleições sem nenhum problema na lei eleitoral”, justificou.

De acordo com o jornal Público, o líder do PSD dirigiu-se aos participantes na conferência “Descentralização — O Caminho do Desenvolvimento”, organizada no Porto pelos Autarcas Social-Democratas, para dizer que “parece que há quem queira fazer” alterações à lei. “E parece que é, assim, uma espécie de fato feito à medida de uma candidatura independente, aqui, no Porto, até. Quero dizer que essa é uma falsa questão. Essa candidatura independente do Porto foi eleita nas últimas eleições sem nenhum problema na lei eleitoral”, afirmou.

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“O fato à medida é o fato dos partidos”, reiterou o presidente da câmara do Porto, lembrando que os deputados tiveram três anos para alterar a lei “e deviam-no ter feito conhecendo como conheciam, por exemplo, a situação criada em Gondomar. Portanto não compreendo o argumento, e muito menos que se diga que é apenas para a cidade do Porto.”

Em causa está, sobretudo, a obrigatoriedade de os candidatos independentes apresentarem com muita antecedência o nome de todos os candidatos à Câmara, à Assembleia Municipal e às juntas de freguesia, e não apenas o cabeça de lista. Os nomes das dezenas de candidatos têm de constar desde logo nas folhas em que são recolhidas as assinaturas na rua, que viabilizam depois a candidatura. “Em caso de morte, inelegibilidade ou desistência de qualquer elemento da lista, o processo poderá ser imediatamente anulado”, explicou Moreira, em setembro. “Os partidos têm dito sempre que os movimentos independentes autárquicos reforçam e aprofundam a democracia, então é preciso serem coerentes”, acrescentou Rui Moreira, dizendo acreditar que a lei tenha sido desenhada com boas intenções, mas que acaba por se revelar “contraproducente e contraria a liberdade de candidatura que desejava fomentar”.

As eleições autárquicas deverão acontecer no último quadrimestre de 2017. Em junho e em setembro, Rui Moreira, que foi candidato independente à Câmara Municipal do Porto e planeia sê-lo novamente, fez um apelo aos partidos para que alterassem a Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais. “Pretendemos um estatuto equiparado aos partidos nesta matéria, não vamos até mais longe, e haveria outras”, sublinhou.

Sem o PSD e o PCP, não se pode mexer na lei

Diferenças entre partidos e independentes

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Assinaturas
Um partido tem apenas de apresentar a lista de candidatos no tribunal da comarca. Os independentes têm, além disso, de recolher um número de assinaturas, que é calculado dividindo o número total de eleitores pelo triplo do número de eleitos. Essa lista não pode sofrer mudanças. Se um elemento sair, todas as assinaturas podem perdem a validade. É esta a principal alteração pedida por Rui Moreira.

Financiamento
Só os partidos têm direito a financiamento público, seja antes das eleições, com o adiantamento da verba partidária, seja com as subvenções, após as eleições. Um movimento independente não tem direito a estes financiamentos e pode até ver um pedido de empréstimo bancário recusado ou com juros mais elevados.

IVA
A diferença é muito simples: os partidos não pagam IVA, pelo regime de isenção fiscal atribuído a todos os partidos políticos. Já um movimento independente tem de pagar IVA a 23%.

Boletim de voto
Os partidos têm direito a ter o logótipo impresso no boletim de voto. Os movimentos independentes não têm esse direito – recebem aleatoriamente um número romano que os identifica.

Tal como o PSD, o PCP também se mostra contra qualquer alteração, ao passo que CDS e BE apresentaram à Assembleia da República, recentemente, projetos de lei para alterar a lei eleitoral autárquica. O debate na Assembleia da República sobre estas alterações está agendado para sexta-feira, 21 de outubro.

Ainda na mesma sessão, o PS vai propor uma alteração à lei que simplifique e clarifique “as condições de apresentação de candidaturas por grupos de cidadãos” e alargue “o âmbito de aplicação da Lei da Paridade”. No documento, o grupo parlamentar socialista defende “um modo simplificado de recolha de assinaturas”, bem como “a substituição de candidatos sem que a mesma implique a reapresentação destas declarações com novas assinaturas, desde que não esteja em causa a substituição do cabeça de lista e o número de candidatos substituídos não ultrapasse o número legal mínimo de suplentes”.

No entanto, para que as alterações à lei eleitoral sejam aprovadas, não basta uma maioria simples. É necessário o voto favorável de dois terços dos deputados. Com os sociais-democratas e os comunistas contra, a lei continuará tal como está.