No Governo já se compara a resistência da geringonça à de uma barata — o inseto que dizem ter capacidade para sobreviver a um desastre nuclear — mas as baratas também têm dias maus. Esta quarta-feira foi um deles, com PS, PCP e Bloco de Esquerda a mostrarem ao longo do dia alguns momentos de desacerto, em três matérias distintas.

Anteontem ao fim do dia, o Bloco de Esquerda anunciou que tinha chegado a acordo com o Governo para que os trabalhadores independentes passassem a descontar pelo rendimento real, e não do ano anterior, que a contribuição feita passasse a resultar da aplicação de uma taxa sobre o que estes trabalhadores ganham e, por último, para que ficasse garantida a continuidade da carreira contributiva, mesmo que existam interrupções de rendimento em alguns períodos.

11h30 — A secretária de Estado da Segurança Social, Cláudia Joaquim, está numa conferência sobre o futuro do Trabalho, no Teatro da Trindade, e é confrontada com as declarações de José Soeiro, sendo bem mais reservada a proclamar o sucesso de qualquer acordo. Até refreou mesmo o Bloco: “É prematuro” falar de conclusões, disse.

12h00 — No Parlamento, o PCP começava a dar conta, nos corredores, de (mais um) mal-estar relativo ao Bloco de Esquerda. Os comunistas tinham tentado há um ano inscrever no Orçamento do Estado alterações ao regime de recibos verdes, mas a proposta acabou por não ser aceite nessa altura. Este ano voltou à mesa das negociações e foi acolhida pelo PS. Numa conferência de imprensa sobre o trabalho temporário, a deputado Rita Rato recolhia louros sobre o acordo sobre os recibos verdes que via o Bloco de Esquerda assumir como conquista sua publicamente: “Foi aprovada por iniciativa do PCP. Não só nos associamos, como entendemos que temos autoridade na matéria porque partiu de uma proposta nossa. Só peca por tardia a revisão desse regime profundamente injusto”.

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15h15 — Começa o debate no Parlamento com a presença de António Costa, para preparar o Conselho Europeu. É um debate que acontece sempre nas vésperas da realização desta cimeira e que desta vez não foi — como é costume — depois do debate quinzenal, mas num outro dia. Ou seja, não passou ao lado das atenções, por acontecer depois da intensidade dos quinzenais. Foi possível ver, como tem sido raro, a exposição das divergências entre PS, de um lado, e PCP e BE, do outro, no que a temas europeus diz respeito. Mas não só.

15h38 — Já depois do PSD ter falado, foi a voz de Catarina Martins que se ouviu alto e com o PS a ser o destinatário do recado: “O salário milionário dos administradores [da Caixa] é pura e simplesmente inaceitável“. No dia anterior o ministro das Finanças tinha revelado na comissão parlamentar de Orçamento e Finanças o valor dos salários da nova administração da Caixa Geral de Depósitos. Nessa reunião já tinha ficado claro o desconforto do Bloco de Esquerda, pela voz de Mariana Mortágua, mas agora ela surgia na pessoa da coordenadora do Bloco e tendo António Costa sentado à sua frente (que não falou sobre o assunto).

15h45 — Catarina Martins ainda tinha mais um recado para o primeiro-ministro, agora sobre as matérias em cima da mesa: Europa. E aqui foi direita ao tema sensível, o Tratado Orçamental Europeu, aconselhando o Executivo a “desatar o nó cego no Tratado Orçamental”, que incluiu nas formas “inaceitáveis” de limitar “a soberania democrática”. Isto além de outros dois tratados que a União Europeia está a estabelecer: o Tratado Transatlântico de Comércio e Investimento (TTIP) e também o CETA (Acordo Global de Economia e Comércio). Minutos depois, a assessoria do Bloco distribuía aos jornalistas uma pergunta que enviou ao Governo, mais concretamente ao ministro dos Negócios Estrangeiros, pedindo esclarecimentos sobre “se estão acautelados os interesses dos cidadãos”, em matéria de direitos laborais, mas também ao nível da segurança alimentar e ambiental, com a aprovação destes acordos. Mas o BE também quer que o Governo explique se a entrada em vigor do CETA será provisória. E escrutinada pela Assembleia da República? A última pergunta era sobre o que fazer no caso de resposta afirmativa a qualquer uma das questões anteriores: “O Governo pondera mudar de posição sobre a ratificação do acordo?”

15h54 — Heloísa Apolónia, dos Verdes, questiona o Governo sobre os mesmo acordos comerciais, assinados com os EUA e Canadá, criticando a entrada em vigor parcial do CETA sem haver escrutínio prévio da Assembleia da República.

16h01Jerónimo de Sousa entrava no debate, também com críticas sobre a mesma matéria. Os comunistas temem as “consequências para a economia e para a produção agrícola e pecuária” que possam advir dos acordos comerciais e Jerónimo de Sousa também se apoiou na questão do “ataque à soberania”. “Qual o lugar da democracia? Onde fica a defesa da nossa democracia neste processo?”. “Onde estão as garantias suficientes para o Estado dar o seu acordo?”, questionou o líder comunista, dirigindo-se diretamente ao primeiro-ministro. Mais, Jerónimo ainda levantou suspeitas sobre a falta de transparência do processo, dizendo que o que “mais grave sobre o acordo é o que não se sabe: se não há nada a esconder, porquê tanto segredo?”.

16h03 — Ainda antes de acabar o seu tempo e logo depois destas críticas, Jerónimo de Sousa não deixou de referir o tema que estava a marcar mais o debate: os salários dos gestores públicos. E aqui juntava PS e PSD no mesmo saco, ao dizer que Jerónimo de Sousa diz que ambos os partidos permitiram, de manhã numa votação na comissão parlamentar de Orçamento e Finanças, que continue o “aumento farto” de salários dos gestores públicos”, numa referência aos votos contra dos dois partidos ao projeto do PCP para limitar estes salários ao vencimento do primeiro-ministro (ou 90% do salário do Presidente de República).

16h05 — Depois do PCP falou o PS e apenas se ouviu a defesa sobre uma das críticas que vinham dos parceiros no Parlamento, a relativa aos acordos comerciais. Eurico Brilhante Dias garantia que tudo tinha sido discutido “com enorme transparência”.

16h16 — No final, foi a vez de o próprio António Costa fazer a defesa do seu Governo, mas só nesta última matéria e para dizer que é um tipo de acordo de natureza mista, uma parte é um acordo da União Europeia com EUA e Canadá e a outra é entre Portugal e esse países. Esta última passará pelo crivo do Parlamento, garantiu Costa que considera que a “negociação entre blocos favorece mais do que se estivéssemos sozinhos a negociar com o Canadá, os EUA e o Japão”.

Costa saiu do debate minutos depois, tendo conseguido passar por entre os pingos das críticas que caíram aos pares, vindas dos partidos que apoiam o seu Governo no Parlamento.