O Tribunal de Évora começou esta quinta-feira a julgar, à porta fechada, uma família acusada de escravizar um homem durante 26 anos, numa propriedade agrícola do concelho, com a defesa a “recuar a prática dos factos”.

“Os meus clientes, tanto quanto sei, recusam a prática dos factos que lhes são imputados”, disse aos jornalistas Sidónio Santos, advogado da família (pai, mãe e dois filhos) acusada pelo Ministério Público (MP).

Os quatro arguidos estão acusados pelo MP, em coautoria e sob a forma consumada, da prática de um crime de escravidão e de um crime de tráfico de pessoas, enfrentando ainda os dois filhos a acusação, cada um, de um crime de detenção de arma proibida.

Fontes judiciais revelaram à agência Lusa que existe ainda um pedido de indemnização cível no valor de 30.468 euros.

O julgamento começou esta quinta-feira, à porta fechada, e, durante a manhã apenas um dos arguidos, o pai, é que prestou declarações perante o coletivo de juízes.

“Todos [os arguidos] já disseram que querem falar sobre o assunto”, indicou o causídico, acrescentando que há também testemunhas para ouvir.

Lembrando que, como advogado, não pode falar sobre o processo judicial em concreto, Sidónio Santos limitou-se a acrescentar aos jornalistas que a sua expectativa é a de que o julgamento “decorra com normalidade” e que os seus clientes possam “contribuir para a aplicação da justiça”.

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O caso remonta a 2013 e a investigação esteve a cargo da Unidade Nacional de Combate ao Terrorismo (UNCT) da Polícia Judiciária (PJ).

Na altura, o homem alegadamente escravizado, de 63 anos e de nacionalidade angolana, foi resgatado pela GNR, após uma denúncia, segundo fontes judiciais e policiais.

A alegada vítima, acrescentaram as mesmas fontes, foi encaminhada para uma instituição que acolhe vítimas de tráfico de pessoas, acabando por morrer, em novembro de 2015, vítima de doença prolongada.

Na acusação, o MP refere que, durante os cerca de 26 anos” que trabalhou “por conta dos arguidos e sob a sua subordinação”, o homem “teve a sua vivência reduzida à herdade” e “não conheceu Évora, não passeava uma vez que não tinha dinheiro, não convivia com ninguém, não mais tendo estabelecido qualquer contacto com a sua família”.

“Os arguidos nunca pagaram ao ofendido qualquer montante pecuniário ou outro pela sua prestação laboral, aproveitando-se da modesta situação social, económica, cultural e familiar daquele”, diz o MP.

O “poder dos arguidos”, pode ler-se na acusação, “advinha do facto de o ofendido se encontrar em território desconhecido, sem apoio da família”, e “de terem criado um clima de intimidação através da retirada dos documentos de identificação e de ameaças à sua liberdade”.

Para o MP, os quatro arguidos “agiram, em comunhão de esforços e de identidade de fins, com intenção de causarem receio ao ofendido” e “constrangendo-o a trabalhar e a viver sem o mínimo de condições de habitabilidade, higiene alimentação, trabalho e convivência, apropriando-se das contraprestações financeiras do trabalho prestado” pela vítima, que reduziram “a ‘coisa’ sua”.