Há mais de uma década começou a surgir em alguns subúrbios de Lisboa uma música de dança que era, e continua a ser, diferente de tudo o que se tinha ouvido. As suas raízes estão em algumas ex-colónias de Portugal e partem do kuduro/batida, tarraxinha e afro-house, sons que se ouviam nestas comunidades e que serviram de base para um conjunto de jovens DJs/produtores construírem o seu próprio som. O seu ritmo passou primeiro por festas de bairro e discotecas africanas, espalhado depois por todos os cantos do mundo graças também ao trabalho da editora Príncipe e das festas mensais que organiza no MusicBox desde Fevereiro de 2012.

Tim & Barry gostam de filmar e documentar música de dança, cenas musicais que os entusiasmam, e também organizam eventos centrados nisso: já levaram alguns dos DJs/produtores que filmaram para as suas festas em Londres. Vieram a Lisboa filmar as pessoas responsáveis por esta música que os fascina, para compreender um pouco da sua história e contexto, para mostrar a Portugal e ao mundo aquilo que acontece nos subúrbios de Lisboa. “Sons do Gueto” tem a sua estreia internacional esta sexta à noite, pelas 21:30 na sala Manoel de Oliveira no São Jorge, na sessão de abertura da secção Heart Beat do Doclisboa. Se ficar contagiado pelos sons, a festa continua um pouco mais tarde no Musicbox com a Noite Príncipe, onde se poderá ouvir a música de alguns dos intervenientes deste documentário — e falámos com os autores.

tim & barry

Os realizadores, Tim & Barry

Quando foi o vosso primeiro contacto com a música dos DJs/produtores de os “Sons do Gueto”?
Em 2010 um amigo pôs a tocar alguns temas do DJ Marfox. No ano seguinte o nosso amigo J Cush mostrou-nos uma série de temas do DJ Marfox e de outros DJs de Lisboa e foi a partir desse momento que começámos a prestar mais atenção.

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Qual foi a vossa reacção?
Soava a algo muito fresco e, ao mesmo tempo, cru, com uma base rítmica incrível.

Encontram alguma semelhança entre esta cena/som e outros que documentaram?
Na altura fez-nos lembrar um pouco o grime do início, mas apenas de um ponto de vista estético generalizado, por causa do som muito cru e por ser uma cena local e completamente autossuficiente.

É habitualmente apresentada como uma cena, mas cada DJ/produtor tem o seu próprio som. Acham que essa singularidade foi importante para a música deles chegar a todo o mundo?
Acho que isso é bastante importante para a cena em Lisboa e para a forma como se expande a partir daqui. Mas penso que internacionalmente passa uma ideia mais homogénea. Na nossa perspetiva, cada género de música de dança pode ser definido pelo número dos seus BPMs [“beats per minute”, batidas por minuto]: o grime e o dubstep têm 140 BPM, o jungle e o footwork 160 BPM, o garage 132 BPM, etc. Mas estes produtores são diferentes, não há essa restrição, e acabas por ter uma música que não é catalogável pelo padrão de BPMs.

Conheceram algumas pessoas que foram importantes para a divulgação desta música, em particular os responsáveis pela editora Príncipe. Qual é a vossa opinião sobre o papel que eles desempenharam?
Esses tipos são uns totós [risos]. A sério, foram e são fundamentais para espalhar a palavra, não só por cá, mas também internacionalmente. Perceberam o quão importante era construir uma casa para sedimentar a cena e divulgar o som, que foi o que fizeram com a mensalidade Noite Príncipe no MusicBox.

DJ Nervoso é um tópico fundamental de “Sons do Gueto”. Vieram à procura dele?
Para nós o DJ Nervoso sempre foi uma espécie de figura mítica. Mas ele é real! E, para nós e para a forma como compreendemos tudo o que se passou e está a passar, é absolutamente primordial.

No documentário há muitos relatos sobre a produção desta música. O que mais vos impressionou?
Ficámos incrédulos quando descobrimos que a maior parte dos beats são construídos a partir de um rato. O som é tão vivo e frenético que parece impossível ser construído nessa base.

O que vos levou a fazer este documentário?
Estávamos viciados e inspirados pelo som. E houve um momento em que sentimos que tínhamos de canalizar esse fascínio para algo mais concreto. As filmagens foram bastante fáceis, demoramos cerca de uma semana, mas na montagem demorámos cerca de um ano.

Já tiveram oportunidade de ver alguns destes DJs a atuar em diferentes cidades. Há alguma diferença na reacção das pessoas?
Há diferenças e similaridades entre uma festa em Lisboa e uma, por exemplo, em Londres. Mas o essencial, o modo como as pessoas recebem e reagem à música, é sempre fantástico. E o ambiente também é sempre inacreditável.

A vossa perceção sobre a música e a cena mudaram depois de terem filmado o documentário?
Definitivamente. Temos muito mais presente que a maior parte das pessoas envolvidas nesta cena sentem-se um pouco à margem, postos de lado, não só por viverem nos subúrbios de Lisboa. Mas a força e a música deles vence isso e é isso que é importante no final.