Armando Bezerra de Andrade, Armandinho, era um jovem brasileiro de 16 anos, como outro qualquer. Guitarrista numa banda de rock, praticava futebol e karaté e gostava de caricaturar os amigos em graffiti. Até que um dia desapareceu sem deixar rasto. Esta segunda-feira, passados quase 20 anos, foi finalmente encontrado pela polícia. Onde estava? Em casa.

Já com 36 anos, Armando foi resgatado da sua própria casa, onde permanecia, há anos, acorrentado e maltratado num quarto, no Jardim Lebon, bairro dos Pimentas, na cidade de Guarulhos, em São Paulo.

O jornal Folha de São Paulo conta que as autoridades encontraram-no, na passada quinta-feira, durante uma operação de combate ao tráfico de droga no bairro. Quando a polícia revistou aquela casa, a família de Armando — o pai, a madrasta e o filho da madrasta — tinha saído. Foi então que o descobriram, num quarto dos fundos, acorrentado a uma cama, com a barba até à barriga e o corpo cheio de fezes.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A cama tinha apenas o colchão, sem lençóis nem cobertores. O quarto, trancado à chave por fora, com cerca de 16 metros quadrados, não tinha qualquer tipo de móveis nem eletrodomésticos. Havia uma casa de banho, coberta de urina e fezes.

Quando Armando desapareceu, um vizinho João Batista, jardineiro de 58 anos, questionou o pai do rapaz, que disse que o filho tinha ido para o interior do Brasil, e depois disse que já estava em Pernambuco. “Sempre uma história diferente. Mas dizia que ele estava bem“.

Segundo o Estadão, o pai de Armando terá dito à polícia que quando o filho regressou a casa pediu para ficar preso, uma vez que era toxicodependente.

Os vizinhos mostram-se chocados com o caso: “É muita crueldade, é desumano“. E revoltados pelo facto da família não ter sido presa de imediato. A Secretaria da Segurança Pública está a investigar o caso e a família, mas não adianta detalhes.

A família de Armando chamou um camião de mudanças este sábado e “fugiu” do bairro, com receio da reação da vizinhança. Esta ainda tentou impedir a sua saída, mas sem sucesso. Ao ver a ira, o filho da madrasta de Armando ainda questionou: “Para quê tudo isso?“.

Os vizinhos suspeitam que a madrasta, enfermeira, drogava o enteado para o acalmar. E foi assim que não o ouviram pedir socorro durante todos estes anos.

Fazíamos churrasco a poucos metros de onde ele estava. Nunca ouvi um pio”, explicou um vizinho à Folha de São Paulo.

É que a madrasta sempre terá sido violenta com Armando. João Batista é testemunha:

O Armandinho cresceu e vivia sentado aqui na frente da minha casa, conversando comigo e com todos os vizinhos. Era bom menino, mesmo quando a madrasta batia nele na frente de todos” disse.

No muro da casa onde Armando esteve preso, foram pintadas as palavras “Justiça“, “Três safados” e “Armandinho“, como o rapaz era conhecido.

Armando estava desidratado e desnutrido. Ficou tanto tempo preso, sem comunicar com ninguém, que agora apenas consegue falar por gestos. “Nas condições em que foi encontrado, estaria morto em um mês” afirmou Celso Machiori, do 8º Distrito Policial de Guarulhos, ao Estadão.

Outros casos de cativeiro

São já vários os casos conhecidos de pessoas mantidas em cativeiro, durante anos, e algumas pela própria família. Quem não se lembra de Natacha Kampusch ou das três raparigas de Cleveland? E do caso português, de um homem escravizado por uma família?

Elizabeth Smart, EUA (2003)

A rapariga de 14 anos foi levada, a meio da noite, do quarto que partilhava com a irmã mais nova por um homem armado, em Salt Lake City, Utah, EUA. A jovem esteve presa, foi sistematicamente violada, durante nove meses. Foi encontrada em março de 2003 a cerca de duas dezenas de quilómetros da sua casa. O raptor, Brian David Mitchell, foi condenado, em 2011, a prisão perpétua.

Natascha Kampusch, Áustria (2006)

Tinha apenas 10 anos. Saiu da escola e ia a caminho de casa quando um homem a agarrou, meteu-a numa carrinha e levou-a para um anexo que preparou debaixo da garagem da sua sua, em em Strasshof, Áustria. A 23 de agosto de 2006, já com 18 anos, conseguiu fugir. O raptor, Wolfgang Priklopil, matou-se nesse mesmo dia, numa linha de comboio. A história correu mundo, Natascha escreveu um livro e foi feito um filme.

Elisabeth Fritzl, Áustria (2008)

Aos 18 anos, Elisabeth Fritzl foi mantida em cativeiro pelo próprio pai, Josef Fritzl, numa cave em Amstetten, Áustria. Durante os 24 anos que esteve presa, teve setes filhos do progenitor. O caso foi descoberto quando, em 2008, uma das crianças foi para o hospital. Josef Fritzl foi condenado a prisão perpétua.

Maria Monaco, Itália (2008)

A família manteve-a presa num quarto durante 18 anos, a fim de castigá-la por estar grávida de um homem que não o seu marido, na aldeia de Caserte, na região de Nápoles. A filha de Maria viveu normalmente, em liberdade, e tinha 17 anos quando a mãe foi descoberta. Maria Monaco foi liberta em 2008, com 47 anos de idade, após uma denúncia anónima.

Jaycee Dugard, EUA (2009)

Enquanto esperava pelo autocarro, aos 11 anos, um carro parou junto à paragem e puxou-a para dentro. O padrasto assistiu a tudo, sem ter tempo de reagir. Foi descoberta em 2009, com 29 anos, no jardim de uma casa em São Francisco, EUA. Esteve presa 18 anos e teve dois filhos do seu raptor. A mulher dele sabia de tudo. Phillip e Nancy Garrido foram condenados a prisão perpétua.

Raptos de Cleveland, EUA (2013)

Três jovens mantidas em cativeiro:

Michelle Knight tinha 19 anos quando foi vista pela última vez em casa de um primo, em 2002. A família pensou que tinha fugido depois de ter perdido a guarda do filho. Amanda Berry desapareceu aos 16 anos, um ano depois de Michelle (2003). Apanhou boleia do raptor. No ano seguinte, em 2004, foi a vez de Gina DeJesus. Mais nova, com 14 anos foi raptada quando voltava da escola.

As três foram encontrada em 2013, na casa de Ariel Castro, já investigada pela polícia. Amanda conseguiu fugir e telefonou à polícia, assim como um vizinho que ouviu os seus gritos. Na casa estava também uma menina de seis anos, filha de Amanda e do raptor. Os irmãos de Ariel, Oneil e Pedro, foram também considerados suspeitos.

José Nunes, Portugal (2013)

Chegou de Angola em 1975 para trabalhar em Évora, numa quinta. Os patrões, um casal e os seus dois filhos, ficaram-lhe com os documentos e não lhe pagavam um tostão. Foi escravizado durante cerca de 26 anos. O casal dizia-lhe que se saísse dali, onde também morava em más condições, ia ter problemas com a polícia por não estar legalizado. Foi resgatado pela polícia em 2013.