O Parlamento aprovou esta quinta-feira os projetos de lei do PSD, CDS e PCP que propunham tornar definitivos os cortes nas subvenções dos partidos e campanhas eleitorais. Mas para chegar a este resultado, foi preciso um invulgar acordo entre direita e esquerda, apenas com o PS e o PAN isolados na ideia de manter os cortes orçamentais impostos em 2013 aos partidos por apenas mais dois anos.

Desde que começou a atual legislatura, contam-se pelos dedos das mãos as matérias em que PCP votou ao lado do CDS ou em que o PSD votou ao lado do Bloco de Esquerda. Com uma maioria de esquerda a apoiar o Governo, a matemática das votações no plenário do Parlamento pouco tem variado. Até ao dia em que o que está em causa é a redução ou não do financiamento público dos partidos políticos e das campanhas eleitorais. Ou o fim das isenções fiscais de que atualmente beneficiam as forças partidárias.

Hoje foi esse dia. E foi assim: o PSD defendeu que os cortes orçamentais previstos atualmente para os partidos políticos deviam ser permanentes, numa lógica de “dar o exemplo” aos portugueses. CDS, assim como BE e PCP, defenderam o mesmo embora propondo montantes diferentes. Resultado? Algo como o PCP a apoiar propostas do PSD e CDS; o CDS a apoiar propostas do BE e do PCP; e o PSD a apoiar o PCP. Estranho? Nem por isso. É que numa coisa, pelo menos, todos estes partidos concordam: em reduzir de forma definitiva o financiamento público. Só não concordam noutra: no fim da isenção fiscal de que atualmente gozam os partidos, enquanto entidades de serviço público. Neste ponto, só CDS e Bloco de Esquerda estão de acordo: só por si, isso também não é comum de se ver e mereceu duras críticas dos comunistas, com João Oliveira a colá-los aos movimentos de extrema-direita europeus.

Das acusações de extrema-direita à proposta feita à medida: fogo cruzado sobre isenções fiscais

Neste ponto de aparente convergência entre democratas-cristãos e bloquistas estão em causa as propostas de acabar com os benefícios fiscais de que os partidos gozam, nomeadamente ao nível do património imobiliário destinado a atividade partidária, como sejam as sedes do partido. Para o PCP, a ideia de acabar com estas isenções fiscais (não só ao nível do IMI, como do IMT, IVA, etc, como propõe o Bloco de Esquerda e o PAN) é “populista e demagógica” e assenta num “discurso que, sendo contra os partidos, é contra a democracia”. Segundo o líder parlamentar comunista João Oliveira, ao fazerem estas propostas, os partidos como o CDS, BE e PAN estão a limitar-se a “cavalgar a onda que se vê por essa Europa fora dos movimentos de extrema-direita que atacam os partidos para atacar a democracia”.

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Se não é estranho que o CDS o faça, é mais estranho que o Bloco de Esquerda o faça”, disse João Oliveira, aproveitando a ocasião para dar uma bicada no seu maior adversário à esquerda.

O PCP considera ser “antidemocrático” acabar com os benefícios fiscais dos partidos e acusa o CDS de ter feito uma proposta à medida dos comunistas (já que o CDS pouco património imobiliário tem e o PCP é o que tem mais). João Oliveira também respondeu à letra. É que o novo imposto sobre o património imobiliário de elevado valor que o Governo, com o apoios dos partidos da esquerda, vai aprovar no OE 2017, também vai atingir em cheio o PCP. “O adicional do IMI vai fazer-nos muito provavelmente pagar mais impostos e não é por isso que não concordamos com ele”, disse o líder parlamentar comunista evidenciando que o PCP “também sabe dar o exemplo”.

Não não é demagogia, é a difícil realidade que está em causa. Não, não está em causa a democracia. É só uma questão de equilíbrio”, disse a deputada do CDS Vânia Dias da Silva.

Também o PS, que se apresentou ao debate sem propostas, rejeitou categoricamente as propostas para acabar com os benefícios fiscais, defendendo que “a atividade política, sendo de interesse público, é merecedora das isenções fiscais tal como o são todas as outras atividades que a lei reconhece como atividades de serviço público”. Para espicaçar os sociais-democratas, o deputado socialista Fernando Anastácio citou Luís Montenegro para dizer que o PSD defende, na voz do seu líder parlamentar, “que a lei não pode deixar de garantir que os partidos disponham dos meios financeiros suficientes para desempenharem a sua atividade”.

Certo é que, apurou o Observador, o PSD também não vai acompanhar as propostas do CDS, BE e PAN que visam o fim das isenções fiscais, limitando-se a viabilizar as propostas que visam a redução das subvenções para os partidos e das subvenções para as campanhas eleitorais.

Reduzir o financiamento dos partidos, um consenso mais amplo

O mote foi lançado pelo PSD, com a deputada Andreia Neto a defender que os cortes que foram aplicados em 2013 ao financiamento dos partidos (de 10% nos partidos, 20% nas campanhas e 20% no limite máximo de despesas para as campanhas) deviam manter-se e tornar-se definitivos por uma questão de “responsabilidade” e “exemplo”. “Os cortes nas subvenções dos partidos surgiram porque as dificuldades do país assim o ditaram, mas a situação continua delicada por isso o PSD, enquanto partido responsável, não aceita que se aumentem os gastos”, disse, sublinhando que a falta de propostas do PS nesta matéria é “ensurdecedora”.

Mas o PS recusa-se a ceder à “espuma dos dias” e à “demagogia” do debate anti-partidos. Nesse sentido, o deputado socialista Fernando Anastácio tirou mais uma citação da manga para vincular o PSD a outro tipo de discurso. Desta vez a citação foi de Rui Rio, conhecido crítico da atual direção do partido, que disse que “o Parlamento devia legislar sobre a transparência da vida pública toda, e não autochicotear-se para ver se lá fora olham melhor para nós”. Ou seja, o debate não pode ser “populista”.

Aqui, contudo, o PS aparece isolado, concordando apenas com a manutenção, para já, do corte a que os partidos estão sujeitos (mas não para sempre) e “do esforço de contenção na redução dos custos com as campanhas eleitorais”. Com o demais o PS não concorda. Por isso, apenas votou a favor do projeto do PAN que prolongava em dois anos os cortes das subvenções dos partidos e absteve-se nos projetos do PSD e CDS que tornavam os cortes até aqui temporários em cortes definitivos.

Como o projeto do Bloco de Esquerda incluía, no mesmo diploma, a redução das subvenções e o fim das isenções fiscais, acabou chumbado, contando apenas com o voto a favor do CDS. Destino igual tiveram os diplomas do CDS e do PAN sobre o fim dos benefícios fiscais, que não foram acompanhados por nenhum dos restantes partidos.

Que projetos de lei foram aprovados?

Os únicos sobreviventes desta troca de votos foram os projetos de lei do PSD, do CDS e do PCP sobre a redução permanente dos dinheiros públicos atribuídos aos partidos. PSD e CDS sugerem apenas que cortes se mantenham tal como estão, enquanto o PCP quer ir mais longe e aumentar a redução. Em todo o caso, os três projetos passaram o primeiro teste e vão agora ser novamente debatidos em sede de especialidade.