O juiz decide, está decidido? Não é bem assim. Esta quinta-feira, o Tribunal Superior de Justiça de Londres decidiu que o governo britânico não tem o poder de, apenas pela força do referendo que levou a cabo em junho, invocar o artigo 50 do Tratado de Lisboa para acionar o processo de saída do Reino Unido da União Europeia — se a adesão foi decidida pelo Parlamento, a saída terá de ser decidida pela mesma via. Mas o governo de Theresa May já afirmou que vai recorrer da decisão junto do Supremo Tribunal de Justiça e já deu a entender à Comissão Europeia que tudo se mantém como antes: o artigo 50 será invocado antes do final de março de 2017.

Não é que a nova primeira-ministra britânica, que chegou a Downing Street na sequência da demissão pós-referendo de David Cameron, seja ferverosa adepta da “saída”. Mas desde que assumiu funções, a líder do governo conservador disse sempre que “brexit significa brexit”, logo, se o povo britânico votou pela saída é a saída que acontecerá.

Mas não é assim tão simples.

O que significa o artigo 50º?

Artigo 50º
1. Qualquer Estado-Membro pode decidir, em conformidade com as respetivas normas constitucionais, retirar-se da União.

2. Qualquer Estado-Membro que decida retirar-se da União notifica a sua intenção ao Conselho Europeu. Em função das orientações do Conselho Europeu, a União negocia e celebra com esse Estado um acordo que estabeleça as condições da sua saída, tendo em conta o quadro das suas futuras relações com a União. Esse acordo é negociado nos termos do n.o 3 do artigo 218.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. O acordo é celebrado em nome da União pelo Conselho, deliberando por maioria qualificada, após aprovação do Parlamento Europeu.

3. Os tratados deixam de se aplicar àquele Estado em questão dois anos depois da notificação [para acionar o artigo], a não ser que o Conselho Europeu, através de um acordo prévio com o Estado-membro decida prolongar o período.”

Leia aqui o artigo na íntegra.

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Para o Reino Unido sair da União Europeia é preciso, primeiro, que o governo britânico invoque perante a Comissão Europeia o tal artigo 50º do Tratado de Lisboa. Uma vez acionado o pedido cabe ao Conselho Europeu dar as linhas que vão orientar as negociações entre a UE e os britânicos. Começa então a contar o relógio de dois anos, mas se até ao fim deste processo não houver acordo, a pertença do Reino Unido à União termina automaticamente.

Durante este período de negociações (que só começa a contar a partir do momento em que o artigo for acionado) as leis europeias continuam em vigor no Reino Unido, assim como todos os direitos dos cidadãos europeus que lá vivem.

Porque é que o Reino Unido ainda não invocou o artigo 50º?

A primeira-ministra britânica já anunciou que pretende acionar o mecanismo “até ao final de março de 2017”. Se assim for, significa que as negociações para a saída arrancam nessa altura e, por altura do verão de 2019 (passados dois anos), o Reino Unido já terá saído da União Europeia — ainda que os prazos sejam também alvo de negociações.

Porque está a demorar tanto? Porque, segundo tenta explicar a BBC, de forma bastante simples, deitar por terra 43 anos de tratados e acordos não é uma tarefa propriamente fácil ou de rápida execução. A isto acresce o facto de não haver precedentes, já que nunca antes um país pediu a saída da União Europeia. O acordo pós-Brexit é a parte mais complexa das negociações já que precisa da aprovação de mais de 30 parlamentos nacionais e regionais da Europa.

Com isto tudo, quando é que o Reino Unido sai da União Europeia?

No limite, dois anos depois de o artigo que revoga a pertença à União Europeia for acionado. Ou seja, se se mantiver o prazo anunciado por Theresa May (março de 2017), a saída acontece pelo menos dois anos depois, depois de março de 2019, sendo que com o decorrer das negociações o calendário pode sofrer alterações.

Para saber a resposta certa a esta pergunta é preciso que as negociações comecem oficialmente, para perceber que tipo de acordo o Reino Unido vai procurar fazer com a União, em termos comerciais, de imigração, etc.

O primeiro passo deste processo, contudo, será a aprovação da chamada “lei de revogação”, que irá pôr fim à primazia da lei europeia sobre a lei britânica. O processo é minucioso, uma vez que será preciso incorporar leis da legislação da União Europeia na legislação do Reino Unido. Só aí o governo decidirá o que fica na legislação, o que salta e o que se altera. É este processo negocial que irálevar tempo.

Mas isto muda com a última decisão do tribunal?

O Tribunal Superior de Justiça de Londres decidiu, esta quinta-feira, na sequência de uma ação interposta por um grupo de pessoas encabeçado pela empresária Gina Miller, que o governo não podia invocar o artigo 50º sem antes obter o apoio do Parlamento britânico. Theresa May apressou-se a dizer que ia recorrer da decisão junto do Supremo, mas a verdade é que isto pode significar, no mínimo, atrasos no processo.

Se o recurso falhar, o governante responsável pela pasta do Brexit, David Davis, já afirmou que o Governo está disposto a apresentar ao Parlamento uma proposta legislativa para os deputados autorizarem o início das negociações com Bruxelas. Apesar de ser relativamente unânime que o Parlamento votará a favor do Brexit, mesmo os deputados que não concordam, no sentido de dar seguimento à vontade popular, esta via dá margem aos deputados para introduzirem cláusulas de segurança para, por exemplo, conseguirem manter o Reino Unido no mercado único.

E isto o tribunal não pode evitar, uma vez que a única coisa que os juízes podem decretar é que o governo não tem poder legal para ativar o artigo 50º sem antes ter autorização prévia através de um ato parlamentar.