A história de Leonard Cohen é feita de música, poesia mas também das muitas mulheres que lhe serviram de inspiração ao longo dos anos (e que até deram nome a algumas das suas músicas). Dono de um charme irresistível (seria da voz rouca? da guitarra às costas?), as paixões foram-se seguindo umas às outras. Houve Marianne, a “mulher mais bonita do mundo” que conheceu no porto da ilha grega de Hidra, a fotógrafa Suzanne, que não deu nome a nenhuma música (ao contrário do que se pensa) mas que lhe deu dois filhos, e muitas outras.

Eterno amante (apesar dos muitos relacionamentos, nunca chegou a casar), numa entrevista em 2005 admitiu que sempre teve “um grande apetite pela companhia” feminina e pela “expressão sexual da amizade, da comunicação”. “Parece ser a versão óbvia e simples que inventei para a atração entre homens e mulheres. Nunca tive muito jeito para as coisas que as mulheres querem, e não sei se algum homem tem”, afirmou entre risos. É que Cohen amou muito, mas nunca foi capaz de dar amor. “Tive paixões maravilhosas mas nunca dei amor. Fui incapaz de responder ao amor que recebi”, disse a Sylvie Simmons, autora de I’m Your Man: The Biography of Leonard Cohen.

No semana em que Leonard Cohen se juntou a Marianne (“acho que vou seguir-te muito em breve”, escreveu por altura da morte da norueguesa), recordamos algumas das mulheres que marcaram os 82 anos de vida do compositor e poeta canadiano, um dos maiores da sua geração.

Now so long, Marianne, it’s time that we began…

Marianne

Porto da ilha de Hidra, Grécia

Quando tinha 25 anos, Leonard Cohen mudou-se para Londres. Um ano depois, farto da vida londrina, comprou um bilhete só de ida para a Grécia. Instalou-se na ilha de Hidra em 1960 e foi aí, no pequeno porto, que viu pela primeira vez Marianne Ihlen, a “mulher mais bonita do mundo”. “Estava numa loja com o meu cesto à espera de comprar água e leite. Ele estava à entrada, com o sol atrás dele”, lembrou Marianne anos mais tarde numa entrevista a uma rádio norueguesa, citada pela New Yorker. Ali parado, ao pé da porta, Cohen parecia irradiar “uma enorme compaixão” pela norueguesa, nascida nos arredores de Oslo, e pelo seu filho. Foi amor à primeira vista.

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Marianne, um ano mais nova do que Cohen, era então casada com o novelista Axel Jensen, de quem tinha um filho de quatro meses. Viviam em Hidra desde 1958, mas a vida a dois estava longe de ser perfeita. Jensen mantinha um caso com com uma compositora norte-americana chamada Lena, que namorada com Cohen na altura. O enredo era complexo, mas a sorte estava do lado do canadiano — Marianne acabou por abandonar o marido e pedir o divórcio.

Marianne Ihlen e Leonard Cohen passaram juntos grande parte da década de 1960 e a norueguesa tornou-se conhecida entre os fãs de Cohen à medida que este ia alcançando mais e mais sucesso. Musa inspiradora, deu nome à famosa música “So Long, Marianne”, que faz parte do primeiro álbum de Songs of Leonard Cohen (1967). Apareceu ainda na capa de Songs from a Room, de 1969, sentada em frente a uma secretária na casa do músico em Hidra.

Apesar do fim da relação, os dois mantiveram sempre contacto. Nas entrevistas que foi dando ao longo dos anos, Marianne Ihlen lembrou sempre Cohen com muito carinho. “É uma pessoa rara e vou sempre amá-lo e honrá-lo”, admitiu em abril de 2016, pouco tempo antes de morrer. “Estou contente que o tenha conhecido naquele dia no porto de Hidra. Ele ensinou-me tanto sobre mim. Houve algo que eu vi em mim quando ainda estava ‘cega’.”

Marianne morreu em agosto de 2016, poucas semanas depois de lhe ter sido diagnosticado leucemia. Tinha 81 anos. Cohen escreveu-lhe uma carta que foi lida no seu funeral. “Bem, Marianne, chegou aquela altura em que estamos tão velhos que os nossos corpos começam a desfazer-se e acho que vou seguir-te muito em breve”, disse, como que prevendo que a sua morte também estava para breve. “Quero que saibas que estou tão próximo de ti que se estenderes a mão talvez consigas tocar na minha. Sabes que sempre amei a tua beleza e a tua sabedoria, mas não preciso de falar sobre isso porque já sabes isso tudo. Quero apenas desejar-te boa viagem. Adeus, velha amiga. Encontramo-nos no caminho.”

Janis Joplin

Chelsea Hotel, Nova Iorque

Diz a lenda que Leonard Cohen conheceu Janis Joplin nos anos 60, quando vivia no mítico Chelsea Hotel, em Nova Iorque. Fundado no final do século XIX, o Chelsea sempre foi um lugar de artistas e de músicos (foi aí que morreram Dylan Thomas e Nancy Spungen, namorada de Sid Vicious) e foi por isso que Cohen o escolheu para servir de sua casa quando não estava no Canadá ou na ilha de Hidra, na Grécia.

As versões de como Cohen terá conhecido Joplin são muitas. O encontro terá sido breve mas memorável o suficiente para inspirar a criação de uma música,”Chelsea Hotel #2″, que faz parte do terceiro álbum do músico, Songs of Love and Hate (1971). O tema foi escrito um ano depois da cantora morrer, em outubro de 1970, num restaurante polinésio em Miami e em Asmara, na Etiópia, “antes de o trono ser tomado”. “Ron Cornelius ajudou-me com uma mudança de acorde numa versão anterior”, contou Cohen nas notas do álbum Leonard’s Greatest Hits, de 1997.

Num concerto em Nova Iorque em 1988, um dos muitos momentos em que o poeta e compositor admitiu que tinha escrito “esta música para a Janis Joplin no Chelsea Hotel”, Leonard Cohen relatou como teria conhecido a cantora durante uma viagem de elevador. “Há mil anos, vivi num hotel em Nova Iorque. Era um grande frequentador do elevador desse hotel, estava constantemente a sair do meu quarto e a voltar. Era um especialista em carregar nos botões desse elevador, uma das poucas tecnologias que nunca dominei”, contou.

“A porta abriu-se, entrei, pus o meu dedo no botão. Sem hesitação. Reparei numa jovem mulher nesse elevador. Estava a andar nele com tanto prazer quanto eu. Apesar de ela comandar multidões, andar de elevador era a única coisa que ela sabia realmente fazer. O meu pulmão reuniu a minha coragem, disse-lhe: ‘estás à procura de alguém?’. Ela disse: ‘Sim, estou à procura do Kris Kristofferson’. Eu disse: ‘A menina está com sorte. Eu sou o Kris Kristofferson’.”

Como aqueles eram “tempos generosos”, Janis Joplin acabou no quarto de Cohen (ou vice-versa) “apesar de saber que” ele era “alguém mais baixo do que” o músico e ator Kris Kristofferson. Anos mais tarde, Cohen mostrou-se por várias vezes arrependido de admitido que “Chelsea Hotel #2” era sobre Joplin por causa das referências sexuais explícitas. “Essa foi a única indiscrição na minha vida profissional que lamento profundamente porque associei o nome de uma mulher com a música”, afirmou durante uma entrevista à BBC, em 1994. “Liguei o nome dela a essa canção e sinto-me mal desde então. É uma indiscrição pela qual lamento e se existe uma maneira de pedir desculpa ao fantasma dela, peço desculpa agora.”

Em 2014, Leonard Cohen lembrou Joplin numa entrevista ao jornal britânico The Guardian admitindo ter ficado muito triste com a sua morte. “Não por ter morrido — isso em si não é terrível. Mas gostava muito do trabalho dela. Ela era tão boa que me faz sentir que o trabalho que deixou para trás foi demasiado breve”, explicou. “Existem certos tipos de artistas que brilham com uma luz muito forte por muito pouco tempo. Os Rimbauds, os Shelleys, Tim Buckley – pessoas assim. E Janis era uma dessas pessoas.”

Suzanne

Los Angeles

Leonard Cohen conheceu a artista norte-americana Suzanne Elrod em Los Angeles, no início dos anos 70. O casal teve dois filhos: um rapaz, Adam, nascido em 1972, e uma rapariga, Lorca, dois anos mais nova, que recebeu o nome em homenagem ao poeta espanhol Federico García Lorca, um dos favoritos de Leonard Cohen. Adam, hoje com 44 anos, está ligado ao mundo da música e ajudou a produzir o último álbum do pai, You Want It Darker, editado no passado mês de outubro. Lorca é realizadora e fotógrafa, tendo realizado o videoclip da música “Because Of”, lançada em 2004.

Suzanne e Cohen estiveram junto durante cerca de nove anos (separaram-se em 1979), sem nunca terem chegado a casar. Numa entrevista em 2001, Cohen admitiu que nunca pediu a artista em casamento por “medo” e “covardia”. Apesar disso, o relacionamento ficou imortalizado em vários trabalhos do canadiano — foi Suzanne Elrod que tirou a fotografia que serviu de capa ao álbum Cohen’s Live Songs, de 1973, e é ela que aparece em Death of a Ladies’ Man (1977), sentada ao lado de Cohen.

https://www.youtube.com/watch?v=ZX0CfFdk-jw

Ao contrário do que muitas vezes se crê, a Suzanna da música não é Suzanne Elrod (até porque em termos temporais isso não seria possível). “Suzanne”, o primeiro tema do álbum Songs of Leonard Cohen (1967), fala sobre Suzanne Verdal, ex-mulher de um amigo de Cohen, o escultor quebequense Armand Vaillancourt.

Dominique Issermann

Ilha de Hidra, Grécia

Nos anos 80, Leonard Cohen manteve um relacionamento com a fotógrafa francesa Dominique Issermann, 13 anos mais nova. De acordo com o livro Various Positions: A Life of Leonard Cohen, de Ira B. Nadel, os dois conheceram-se em 1982 na ilha de Hidra, por intermédio da atriz quebequense Carole Laure e do seu marido, Lewis Furey, amigos de Coohen que se tinham estabelecido recentemente em Paris.

Dominique e Cohen estiveram juntos durante vários anos. Cohen visitava-a regularmente na sua casa em Paris, onde costumava compor. Os dois chegaram a colaborar profissionalmente em várias ocasições, e foi a francesa que realizou o primeiro videoclip do músico, “Dance Me to the End of Love”, tema que integra o álbum Various Positions (1985).

Dominique Issermann foi ainda responsável pelo vídeo do single “First We Take Manhattan”, lançado no ano seguinte, e pelas imagens que compõem o booklet do álbum I’m Your Man (1988). No interior, Cohen deixou uma pequena dedicatória à francesa: “All these songs are for you, D.I.” (“Todas estas músicas são para ti, D.I.”). As capas do livro Stranger Music (1993) e do álbum more Best of Leonard Cohen (1997) também são da sua autoria. Dominique Issermann foi a fotógrafa oficial da digressão de 2010 do músico.

Rebecca De Mornay

Foi no final dos anos 80 que Leonard Cohen conheceu a atriz norte-americana Rebecca De Mornay. Conhecida por filmes como Expresso para o Inferno (1985), O Regresso para Bountiful (1985) e Backdraft — Cortina de Fogo (1991), a atriz co-produziu, a pedido de Cohen, o álbum The Future (1992), que lhe foi dedicado. Este inclui no interior uma passagem da Bíblia sobre Rebeca, mulher de Isaac.