Autoridades tradicionais de Angola, Sobas do Cuango, na Lunda Norte, entregaram, esta sexta-feira, uma queixa na Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola, denunciando uma empresa diamantífera por retirar “à força” centenas de lavras aos camponeses ou pagando falsas indemnizações.

Segundo o documento entregue na PGR, em Luanda, subscrito por dois sobas e dois regedores – autoridades tradicionais angolanas – de Cafunfo, município do Cuango, trata-se de uma “participação de crimes públicos de extorsão e usurpação de imóvel”, contra a Sociedade Mineira do Cuango (SMC) e cinco administradores e diretores, por atos alegadamente cometidos desde 2015.

“Nestas operações participam quadros da empresa acompanhados com forças de segurança usando uniforme que afastam as pessoas das terras e destroem as culturas”, lê-se no texto da participação, a que a Lusa teve acesso, pedindo a “intervenção imediata do Ministério Público”, para “fazer cessar as violações do direito de propriedade e instaurar o processo criminal”.

Contactada, esta sexta-feira, pela Lusa, fonte oficial daquela empresa negou o teor da denúncia, garantindo que cumpre na totalidade com um acordo com a população local e autoridades municipais, prevendo, entre outros aspetos, a forma de cálculo de indemnizações, que servem para os camponeses comprarem sementes e prepararem outros locais de cultivo, e “dando tempo” à sua retirada.

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“Não há nada que indique que tenhamos feito isso. Não o fazemos, se existe alguma situação desse tipo, nós não temos conhecimento. Não violámos de forma nenhuma os acordos que temos”, garantiu a fonte da SMC.

Já os sobas acusam a administração da empresa de, com o “intuito de expandir a exploração de diamantes”, ordenar a diretores de operações “que expulsem e destruam terras pertencentes a terceiros, recorrendo ao uso da força e pagando por vezes uma indemnização fingida”.

“Fazem a exploração e deixam só os buracos para os lundas [povo das províncias da Lunda Norte e Sul]. Não temos benefícios de nada”, criticou, por seu turno, o regedor MwaCapenda Camulemba, um dos subscritores desta queixa, juntamente com o regedor MuaCafunfo e os sobas Muamuxico e Txindjanga, autoridades tradicionais.

“Se não fizerem nada, vou mobilizar todo o povo das lundas. A minha resposta é manifestar e denunciar isto. Sem resposta para a exploração nem quero ouvir falar de eleições [gerais, em Angola, em 2017], não fazemos”, disse ainda o regedor, à Lusa.

A denúncia refere que entre 2015 e 2016, a SMC “destruiu 402 lavras” de camponeses locais, sendo que 98 destas só entre julho e setembro últimos, nas margens dos rios Pone e Lué, e nos riachos Kamaconde, Kamilengo, Kamalowa e Sachi, no Cuango.

“Sucedeu-se a ocupação dos terrenos por parte da SMC, com vista à exploração de diamantes”, acusam, afirmando que a secção de Agricultura do município do Cuango estará em posse de uma lista com mais 123 lavras adicionais “a serem destruídas proximamente” pela empresa.

Referem que por vezes “são concedidas falsas compensações aos camponeses”, como na forma de “tambores vazios com capacidade para 200 litros ou valores monetários”.

“Não foi passado qualquer recibo nem realizado qualquer ato formal para obtenção da posse dos terrenos. Tudo se resumiu a um exercício de força, com a ajuda da polícia”, apontam.

“A SCM não tem interesse absolutamente nenhum em ter litígios e conflitos com as populações. Cada vez mais nos queremos aproximar”, enfatizou a mesma fonte da empresa, sublinhando os apoios que tem atribuído à recuperação de escolas e abastecimento de água no Cuango, onde é a maior empregadora privada.

No texto da participação à PGR refere-se que a SCM é uma entidade formada por três sócios, casos da empresa pública Endiama (41%) e dos privados ITM-Mining (38%) e Lumanhe (21%), esta última, lê-se, propriedade de vários generais angolanos.

“É só buracos que nos deixam. A colonização é a mesma, foi Portugal e agora continua. A tortura é a mesma da colonização”, queixa-se o regedor MwaCapenda Camulemba.

“Estas práticas fazem lembrar as dos colonizadores portugueses que desembarcavam nas costas africanas com umas bugigangas e uns tecidos mal-amanhados, que trocavam por ouro e outros objetos preciosos, enganando o indígena, como se compraziam em dizer”, acusam, na participação entregue esta manhã na PGR, em Luanda.