O Supremo Tribunal britânico deu esta semana razão, pela primeira vez, à mãe de uma jovem de 14 anos que morreu na sequência de um cancro raro mas que tinha manifestado um último desejo antes de morrer: ver o seu corpo recorrer à crio-preservação na expectativa de continuar a viver quando os médicos descobrirem uma cura para a sua doença. De acordo com o jornal britânico The Guardian, pai e mãe, divorciados, não estavam de acordo na decisão de dar cumprimento ao último desejo da filha e o juiz britânico teve de ser chamado a intervir no processo — dando razão à mãe.

A mãe, de acordo com a imprensa britânica, queria cumprir o desejo da filha, que terá passado grande parte dos últimos meses de evolução da doença a pesquisar sobre as possibilidades das técnicas de crio-preservação desenvolvidas nos EUA. Segundo decretou o tribunal, a mãe era a única pessoa que podia tomar a decisão no nome da filha. Na sequência do divórcio dos pais, a jovem viveu sempre com a mãe, não tendo contacto com o pai desde 2008.

Numa carta enviada ao tribunal, a jovem de 14 anos explicou o porquê de querer recorrer a esta técnica de congelamento do corpo: “Têm-me perguntado porque é que eu quero recorrer a esta técnica tão pouco habitual. Tenho apenas 14 anos e não quero morrer, mas sei que vou morrer. Por isso acho que recorrer à crio-preservação consigo ter uma chance de me curarem e de voltar a acordar, mesmo que seja daqui a centenas de anos”, lia-se, segundo o Guardian. Mais: “Não quero ser enterrada debaixo da terra. Quero viver e viver mais tempo, talvez mo futuro os médicos encontrem uma cura para o meu cancro e me possam acordar. É este o meu desejo”.

Desejo cumprido. Depois de o tribunal ter dado razão à mãe, decretou que o corpo da jovem, conhecida apenas por JS, fosse preservado e transportado de Londres, onde vivia, para os EUA, onde foi congelado de forma “permanente” por uma empresa comercial, pelo elevado custo de 37 mil libras (cerca de 43 mil euros).

Segundo a imprensa britânica, por ordem do tribunal o caso não foi noticiado enquanto a jovem estava viva, acontecendo apenas agora quando o processo já está encerrado e a crio-preservação do corpo já decorreu. JS estava demasiado doente para ir ao tribunal quando tudo se passou, mas o juiz tê-la-á visitado em casa. O juiz Peter Jackson, responsável pelo caso, considerou o caso “excecional” e disse que ficou “comovido pela forma corajosa com que JS enfrentou a situação”. “É a primeira vez que um pedido destes chega aos tribunais do Reino Unido, e provavelmente do mundo, e é um exemplo claro das novas questões que a ciência e a tecnologia colocam à lei. Nenhum outro pai foi posto numa situação como a que estes pais foram”, acrescenta.

Desde que foi feita, na década de 60, a primeira experiência de preservação por congelamento, o processo foi apenas replicado poucas centenas de vezes. O corpo tem de ser preparado logo após a morte, dentro de minutos, de preferência, sendo depois registado como óbito. Há questões éticas associadas, mas cada vez mais a preservação de células e tecido através do congelamento é uma técnica mais usada entre a comunidade médica e científica, nomeadamente através da preservação de células estaminais, ou de esperma como parte de tratamentos de fertilidade. A crio-preservação de um corpo é, no entanto, um registo totalmente diferente, que leva a técnica da preservação por congelamento ao extremo da sua potencialidade.

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