O ex-primeiro-ministro José Sócrates disse este sábado que as eleições presidenciais nos Estados Unidos da América (EUA), com a vitória de Donald Trump, são “uma lição sobre a questão do carisma”.

“Se olharmos hoje para os EUA e se olharmos para a campanha eleitoral dos EUA, é toda uma lição sobre a questão do carisma”, frisou durante a apresentação do seu novo livro “O Dom Profano – Considerações sobre o Carisma”, no Porto.

E acrescentou: “Em primeiro lugar, vocês viram alguma competição, alguma disputa, alguma discordância, algum debate sobre o programa dos dois candidatos? Não, o que vocês viram foi um confronto entre duas personalidades e, fundamentalmente, os americanos queriam mesmo isso, escolher alguém e não um programa”.

O ex-governante considerou ainda que a candidata democrata Hillary Clinton — que Sócrates gostava de ter visto ganhar — não venceu porque se deixou “aprisionar” numa imagem de alta funcionária.

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“Aquilo foi uma competição entre o político iconoclasta e a alta funcionária da política e, de certa forma, os americanos acharam que deveriam escolher o outro e não a política treinada, experimentada e preparada demais para alguns americanos”, considerou.

Olhando para as eleições americanas, realizadas no início deste mês, Sócrates achou que emergiu um novo carisma: o carisma populista.

“O populismo que vemos despoletar nos EUA é um populismo que se baseia na certa pureza do povo contra o não povo. Vemos despoletar esse perigo de haver um povo americano com a sua autenticidade, pureza e essência contra aqueles que nada têm de americanos porque são os outros, são imigrantes ou são refugiados, e isso é perigoso”, afirmou.

Segundo Sócrates, esse populismo “antidemocrático” põe em causa a grande conquista da globalização, que assenta nos direitos individuais.

O antigo governante socialista aproveitou ainda para definir como carisma ou liderança carismática uma liderança política que tem uma base muito pessoal de confiança, muito emocional e transformadora.

Para dar exemplo de um líder político carismático, Sócrates fez referência ao discurso do histórico socialista Mário Soares quando, em 1986, foi eleito Presidente da República.

“Quando começou o seu discurso dizendo ‘esta é a vitória da tolerância’, isso significou que ao carisma de lutador pela liberdade sucedeu o carisma do reconciliador”, relembrou.

No lançamento do livro – cuja apresentação foi da responsabilidade do presidente da Câmara de Matosinhos, Guilherme Pinto –, Sócrates, constituído arguido na Operação Marquês (por suspeitas de fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção passiva para ato ilícito), agradeceu aos centenas de presentes.

“Estou-vos grato, não me é indiferente a razão da vossa presença aqui, para mim é muito importante”, sustentou.