A cartola de Tó Trips repousa, serena, sobre o amplificador. Ao lado, Pedro Gonçalves. E juntam-se mais três cadeiras à mesa dos Dead Combo. Falamos de Denis Stetsenko (violino), Bruno Silva (viola) e de Carlos Tony Gomes (violoncelo) ou de As Cordas da Má Fama — como se os Dead Combo já não tivessem dessa raça coisa que chegue. Todo juntos fizeram o álbum que recupera o concerto das Ruínas do Carmo, em Lisboa (aconteceu em setembro) mas gravado em estúdio. Coisa que merece toda a nossa atenção.

Pedro Gonçalves e Tó Trips, pelos vistos, discordam. Assim não fosse e não teriam feito um showcase só para provar que dois nem sempre bastam ou que cinco nem sempre estão a mais. Estamos no bar/restaurante Povo, no Cais do Sodré, onde uma plateia reduzida – ainda que volante, daquela irrequieta, sempre à procura do melhor enquadramento – aproveita para beber desta renovada densidade, cordas sobre cordas, uma esfera íntima que julgamos ser perfeita para apropriar Dead Combo. Bem como este novo capítulo da sua história sombria: “Dead Combo e As Cordas da Má Fama”. Não fosse meio-dia e esta era a situação ideal para pedir aquele copo. Agora que pensamos nisso…

dead combo disco

A capa do novo disco que é editado dia 25

Enfim, tempo de deixar o campo de minas que pode ser o terreno das hipóteses. Aqui tudo é certo, tal como a confissão de que este Povo só recebe a visita da malta “de vez a vez”, a escolha está antes relacionada com amizades de longa data. Ainda assim, esclareça-se, os Dead Combo são do povo, com p minúsculo: “Sim, sem dúvida… a música que fazemos está relacionada com a música popular”, concorda Tó Trips, já no final da sessão onde tocaram três temas, antes de acrescentar um motivo perfeitamente legítimo para justificar este novo disco: “Somos dois gajos… às vezes é fixe tocarmos com outras pessoas, para desenjoar”.

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Bom, está visto que a desculpa da canja todos os dias ainda não morreu. Que ninguém questione a sua longa vida. Só que, em podendo, gostamos de exigir mais. É aí que vem a tal ação-reação, um disco que aparece a título de um convite para um concerto “que tinha que ter algo de especial”, avisa Pedro Gonçalves.

Os Dead Combo já se tinham cruzado com As Cordas da Má Fama no Coliseu e aí lembraram-se de registar a coisa em disco e de forma mais alargada. Recuperar temas como “Anadamastor”, “Quando a Alma Não é Pequena” ou “Mr. Eastwood” tornou-se mais apetitoso com estes três amigos, assim o confirma Pedro Gonçalves: “É engraçado, já com a Orquestra das Caveiras aconteceu a mesma coisa: fizemos um concerto com eles para fechar um ciclo e na realidade abrimos outro”.

Nada como um digno bis. E este ciclo que agora se estende é um retomar de águas paradas, não navegadas há uns tempos. A ideia era gravar um disco ao vivo, algo que nunca viria a suceder por considerarem que as tentativas “não faziam justiça a este ensemble”. A dois metros de distância, de frente para a demonstração, sente-se a carga solene da coisa. “Sim, assim para pessoal mais velho”, confirma Tó Trips antes de prosseguir: “É um lado mais clássico ou romântico, algo que também temos, só que aqui é mais evidente”.

Acústico mas muito mais que isso

Por falar em evidências: os Dead Combo fizeram um disco acústico. Só que a perspetiva que esta dupla assombrada tem de um objeto desta natureza não é propriamente convencional: “Normalmente, a ideia que tenho dos discos acústicos da maior parte das bandas é que é uma grande xaropada, a sério, o pessoal já não sabe o que fazer e diz ‘epá, bora lá fazer um disco acústicos’. Só naquela, só para ser diferente. E acho que neste caso o que acontece é que todas as músicas ganham uma dimensão que não teriam se não tivessem este lado acústico e as cordas”, avisa Pedro Gonçalves.

Se em grande parte dos acústicos o conceito é despir, no caso dos Dead Combo toca a vestir o maior dos casacos de inverno. Mais: é dizer aos convidados para se alimentarem bem e virem como viriam se não fosse este o acontecimento. “Damos sempre liberdade às pessoas que tocam connosco, não somos de dizer ‘faz assim ou assado’, queremos que tenham a sua interpretação, convidamo-los por aquilo que eles são. E sabíamos que são pessoas abertas e disponíveis apesar de virem do clássico”, atira Tó Trips.

Dead Combo e As Cordas da Má Fama serviu-lhes também para fazerem um press release-statement, onde divagam sobre essa “Lisboa feita Lisboaria”. Pois é, caro leitor, já viu como vai a vida, nem sequer os Dead Combo têm forma de se esconder da insistente terminação. Mordacidade que não lhes é nova, muito menos moda, e que persegue essa reflexão que desde 2004 têm tentado adivinhar:

“Tem algo a ver com uma Lisboa fictícia, o passado é sempre uma ficção, para qualquer pessoa, quando nos lembramos de coisas antigas são sempre ficcionadas, alteramos sempre um bocado a realidade. Esta é uma memória de uma Lisboa antiga que perseguimos”, explica Tó Trips que se despacha a criticar esta Lisboa 3.0: “Acho que está um bocado exagerada esta Lisboa do turismo massificado, qualquer dia ninguém vive aqui”.

A tal boa má-fama dos Dead Combo não sairá abalada desta dança com as cordas que a desafiam. E eles não pensam muito nisso. “Não temos aquela cena das bandas de lançar um single que antecipa um disco, sempre estivemos livres disso, é música instrumental. A fama que nos calhou foi uma fama que já esperávamos”, confia Tó Trips. Se bem que é preciso cautela. Sobretudo quando no press release se lê: “Avisem os jornais, os Dead Combo abriram uma cordoaria”. Eles que asseguram que por lá é mais “uns pastéis de bacalhau e assim”. Cordas com bolo do caco não vão existir com toda a certeza.