O sociólogo António Barreto, o advogado António Vitorino e o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, defendem que “a zona euro tem de dar passos em frente, não passos atrás”. Com mais ou menos otimismo, esse foi um dos pontos de concórdia numa mesa-redonda organizada pelo Banco de Portugal, esta segunda-feira, em Lisboa. Barreto disse que a União Europeia está numa “crise grave” (em várias crises, na verdade) e até António Vitorino reconheceu ter momentos de “euro-depressão”, mas da mesa-redonda saiu a convicção de que é na abertura à Europa que está a saída para a crise.

António Barreto fez o discurso mais aplaudido da manhã, no edifício-museu do Banco de Portugal, enumerando as várias crises que a Europa e a moeda única atravessam. Antes disso, atento ao calendário e à aproximação do referendo italiano de 4 de dezembro, o sociólogo alertou para o perigo de se “governar através de referendos“. Da esquerda à direita, afirmou o sociólogo, Barreto observa várias iniciativas de partidos políticos a quererem colocar as decisões cruciais nas mãos dos cidadãos, o que não é mais do que uma “aparência de abertura“, com grande “carga demagógica“.

CGD. Carlos Costa "perfeitamente tranquilo" com estabilidade financeira

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O governador do Banco de Portugal manifestou-se “perfeitamente tranquilo” em relação à estabilidade financeira. Em resposta a uma questão sobre a Caixa Geral de Depósitos (CGD), Carlos Costa não se alongou em considerações mas procurou mostrar serenidade em relação ao impasse que se vive no banco público.

No mesmo painel, António Vitorino defendeu a necessidade de haver novas transferências de poder para as instâncias europeias. Mas reconhece que “mesmo os líderes políticos que defendem essas novas transferências de poderes para o centro fogem delas como o diabo da cruz se isso obrigar a um ou vários referendos“. A alternativa à alteração dos Tratados poderá passar, defende Vitorino, pela celebração de “tratados intergovernamentais feitos no âmbito do funcionamento das instituições europeias, inserindo mecanismos de decisão dentro da união”.

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Esta não é uma ideia nova e, como recorda Vitorino, houve franceses a acusarem esta ideia de ser criar uma União dentro da União — Vitorino discorda.

O anfitrião, Carlos Costa, contrapôs que na Europa “estamos num quadro de grande incerteza“. E temos cinco grandes incertezas: “1) tendências protecionistas, 2) euroceticismo, 3) o Brexit, 4) o referendo italiano e 5) o populismo”. Perante esta incerteza, Carlos Costa diz que “uma das tentações é parar o relógio, regressar ao protecionismo”.

A pior forma de reagir politicamente é pensar que se interrompe o curso dos acontecimentos”, diz Carlos Costa, defendendo que “a melhor forma é verificar que há um problema e que esse problema tem de ser governado”. “Tudo o que seja voltar atrás ou pensar que se entra num standstill é uma ilusão”, porque “a economia digital está aí, como as novas facilidades de transporte. Se fecharmos a porta durante 10 anos veremos, depois, que os beneficiados foram os outros, os que estavam mais bem preparados”.

Carlos Costa, o governador do Banco de Portugal, foi o anfitrião da 8ª Conferência do Banco de Portugal — “Desenvolvimento económico português no espaço europeu“. Esta sessão, moderada pela jornalista Helena Garrido. Na abertura da cerimónia, Carlos Costa afirmou que a Europa “é uma inevitabilidade” apesar de existirem “ventos e marés” contrários — isto é, uma “tendência isolacionista”, a economia “não consegue viver nesse ambiente”, sublinhou o responsável.

“O problema da Europa é que a Alemanha e a França não se entendem”, diz Vitorino

Carlos Costa deixou uma crítica ao funcionamento das instituições europeias e, ao mesmo tempo, uma sugestão. Na zona euro, “falta quem olhe no dia a dia pela zona euro, que é o que seria o Eurogrupo”, mas não tem estrutura para isso, como explica Carlos Costa. “O que temos hoje é um todo que tem regras mas as regras não são suficientemente finas para um acompanhamento do dia a dia”.

“E não vale a pena adicionar instrumentos”, avisa Carlos Costa, “se não colocar alguém com o poder de usar e usar quando deve os seus poderes”. “Não é por colocar mais termómetros no carro, se não tivermos quem conduza o carro na corrida, ou se ele estiver a ser conduzido por quatro mãos“, isso não será a solução.

Neste ponto, do carro conduzido a quatro mãos, que António Vitorino afirmou que “o problema da Europa é que a França e a Alemanha não se entendem” sobre o que querem para o projeto europeu e sobre o binómio partilha de soberania/partilha de riscos. Mas Vitorino alerta que a eliminação da moeda única não é a solução — não é, sequer, uma possibilidade, porque isso implicaria o fim do mercado único europeu.

A mensagem principal que António Vitorino quis transmitir é que, ao contrário do que se pensaria no lançamento da união monetária, a economia, por si só, não foi capaz de vencer a política no caminho da cada vez maior integração. Um exemplo concreto:

O Brexit é um disparate do ponto de vista económico, mesmo para os britânico, mas as questões identitárias sobrepuseram-se”. Ou seja, “os pais fundadores estavam errados. Não é a economia, estúpido. são os valores, estúpido“.

“A solidariedade na Europa não é a regra”

Vitorino fechou com uma sugestão prática: um complemento de desemprego a nível europeu. “Seria um sinal de preocupação com a dimensão social da moeda única. Não seria uma panaceia mas seria um elemento de estabilização automática que teria mais-valia política de mostrar preocupação com as consequências sociais que a união monetária implica”.

António Barreto, que se afirma como mais liberal do que intervencionista, concorda que essa seria uma boa medida porque seria equivalente a um mecanismo de reparação — e não de prevenção, por via estatal — dos efeitos negativos que existem numa união monetária. O sociólogo tinha começado, contudo, por lamentar que na Europa “sabemos hoje que a solidariedade não é regra. Esta pode existir, mas não é a regra”.

No que diz respeito à relação de Portugal com a Europa, “os primeiros 30 anos da união foram bem afortunados”. “os problemas chegaram depois, por culpa da Europa e, também, dos portugueses”. Mas o que Barreto destaca é que nesta crise foi “evidenciado um desequilíbrio de forças e uma frieza nas relações que surpreenderam até os realistas que sabiam que a união não era uma mútua“.

“A longo prazo, nada é dramático, até porque tudo já aconteceu”, lembrou António Barreto (“no século XX duas uniões tiveram o fim, a Jugoslávia e a URSS”). Mas Barreto confirma que “apesar das mudanças, a união vive um estado de incerteza, fragilidade e até melancolia que é pouco adequado para a procura de soluções”.

Barreto lembra que sempre foi um europeísta, até antes do 25 de abril, mas reconhece que sabendo o que sabe hoje possivelmente teria sido contra a adesão ao euro. Uma vez dentro da união monetária, “não imagino sequer um futuro para Portugal fora da união”. “Mas também não creio que nesta união tenhamos futuro”, rematou.