Real Madrid. Só o nome intimida. Se acrescentarmos Ronaldo, Bale, Benzema, James, Modric, Ramos etc. e tal, a grandeza estica ainda mais. É a equipa com mais títulos europeus de sempre, 11. O último dos quais em Maio, naquela final com o arqui-rival Atlético, em Milão, resolvida nos penáltis com um remate de Ronaldo. Na condição de campeão europeu, o Real calha em sorte com o Sporting no grupo da Liga dos Campeões. Tal como em 2000.

Exatamente. Há 16 anos, a UEFA também promove o clássico ibérico. Na altura, o capricho do sorteio dita a primeira jornada em casa do Sporting. Ao intervalo, 2-0 por obra e graça de Sá Pinto, de cabeça, e André Cruz, de livre direto. Na segunda parte, um fantástico livre direto de Roberto Carlos diminui a desvantagem e um autogolo de Rui Jorge silencia Alvalade. A caminho do túnel de acesso aos balneário, o abraço entre Sá Pinto e Figo. Tanto um como outro jogam o segundo Sporting-Real oficial das suas carreiras.

O primeiro é de 1994, na Taça UEFA. É a primeira eliminatória. Lá, em Madrid, 1-0 por Martín Vázquez e duas bolas ao Sporting de Sá Pinto. Cá, em Lisboa, 2-1 por Sá Pinto, Michel Laudrup e Oceano. Nos últimos instantes, uma bola de Juskowiak vai ao poste e atravessa toda a linha de golo sem que ninguém lhe toque. De repente, Cadete atrasa para Balakov e o remate do búlgaro bate num defesa antes de sair por cima da trave. É o cúmulo do azar. Em 180 minutos, o Sporting de Queiroz é superior ao Real de Valdano e cai por terra. Isto de apontar os nomes Queiroz e Valdano é importante. Fala aí Queiroz.

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“O cartão de crédito da minha transferência para o Real Madrid em 2003 começou em 1994, quando Sporting e Real jogam na Taça UEFA. Fomos eliminados [2-2] mas pintámos a manta. O treinador desse Real é o Jorge Valdano. Com base nessa experiência, o Jorge convence o Florentino. Mas antes do jogo em Alvalade recebi no hotel o John Toshack [Sporting 84/85, Real 89/90]. Grande momento. O John vê o jogo em Alvalade e desce ao balneário para nos confortar. Eu estava em baixo: quando se perde, não há volta a dar.

Faço aqui um parêntesis para falar do meu amigo Mário Wilson. No dia de uma vitória pelo Estoril, pergunto-lhe se está satisfeito e o capitão diz- -me: ‘Aprende isto: um treinador nunca fica satisfeito, fica é aliviado.’ Bom, adiante, o John está connosco no balneário e eu em baixo. Fomos mal eliminados, há aquele golo de cabeça do [Michael] Laudrup, e tenho de ir para a conferência de imprensa. O John diz-me então “no worries, a boa coisa não é treinar o Sporting, é depois de treinar o Sporting. Vê o meu caso, treinei o Sporting e depois o Real Madrid”. Pois é, Queiroz imita Toshack. Com base naquela eliminatória da Taça UEFA.

Pelo meio, há dois jogos a brincar. Um é de agosto 1967. Acaba 1-1, com golos de Figueiredo (24′) e Gento (61′). No último minuto, o árbitro escalabitano Manuel Lousada anula o 2-1 a Gento. Beeeeeem, é uma tourada interminável. Os jogadores do Real cercam o árbitro e atropelam-no verbalmente. Depois partem para a agressão pura e dura. Às tantas, um fiscal-de-linha quer ajudar o seu superior e também apanha. Que noite. Só a polícia impõe respeito. O outro jogo é em Agosto 2000. Estreia-se Figo no onze de Del Bosque.

Os adeptos sportinguistas recebem-no como um filho pródigo. A adoração é infinita. A alegria também. Não é qualquer um que despacha o Real Madrid. Ao intervalo, 2-0 por André Cruz (12′) e Acosta (35′). Na segunda parte, Roberto Carlos reduz aos 53′. Em cima do minuto 90′, o árbitro Duarte Gomes assinala penálti a favor do Sporting. O treinador do Real substitui então Casillas por César. Da marca dos 11 metros, André Cruz toma balanço, atira e… defende César. Não, não, Duarte Gomes manda repetir. Muy bien. André Cruz falha outra vez. A César o que é de César. O Sporting está lançado.

A estreia oficial do Real em Lisboa

Há datas memoráveis, daqueles históricas, irrepetíveis. A de 24 de fevereiro de 1965 é uma delas, claramente. É a noite em que o Benfica ganha 5-1 ao Real Madrid. Cinco-um. Xiii, g’anda abada. É a 1.ª mão dos quartos-de-final da Taça dos Campeões 64-65, na Luz. Que festival, que tratado, que resultado. Uma manita. Uma quê? Estiquem lá uma das vossas mãos. Já está? Cinco dedos, certo? Os espanhóis chamam a isto uma manita, o de sofrer (ou marcar) cinco golos. Depende da perspetiva. Nunca o Benfica repete a façanha. E o Real Madrid? Embrulha outros cinco de Hamburgo, Kaiserslautern e M’Gladbach (todos da RFA) e ainda um outro do Milan. Mas o Benfica é pioneiro nesta arte da manita. Espantoso.

Quem vê o arraso? Oitenta mil espectadores na Luz. A RTP ainda não está para essas andanças. A prová-lo, a grelha do dia com abertura às 18h45, Telejornal às 18h47, TV Escola às 19h00, TV Educativa – Educação Física pelo professor João de Moura e Sá às 19h25, TV Educativa – Francês pela professora Yvone Lemoine, Culinária com Maria de Lurdes Modesto às 20h15, Telejornal às 21h00, Boletim meteorológico às 21h25, TV Motor às 21h30, Sétima Arte com o filme “Dois Contra o Mundo” (Clark Gable, Spencer Tracy e Caldette Colbert orientados por George Cukor), Telejornal às 23h45, Meditação às 23h50 e Fecho às 23h55.

Nada de nada sobre o Benfica-Real Madrid. Só vê quem lá está, in loco. Na véspera, o treino do Real Madrid é animado. Tudo porque os espanhóis fintam os jornalistas. Confirmam o treino para as 20h00 mas apresentam-se no relvado meia-hora antes. Todo bien, todo bien, sin problema. A ver os madridistas em ação, numa espécie de rabia, dois espiões muito atentos. Um é Coluna, de pé, com guarda-chuva. O outro é Eusébio, sentado ao fundo de um camarote na tentativa de passar despercebido. Ambos apercebem-se da fragilidade do adversário. Então? Num oito contra oito a meio-campo, os defesas marcam cinco golos aos médios/avançados. A festa é imensa e apenas atenuada por um golo de Gento. Acaba 5-1. E então? Outra vez? Cinco-um é o resultado da moda. Diz-nos José Augusto, em direto do Barreiro. “Ó Rui, foi mais um daqueles resultados a que estávamos habituados. Naquele tempo, bastava começar bem para começarmos a jogar à grande e à portuguesa.”

E é verdade, sim senhor. No início dessa época, o Benfica faz uma série de três resultados gulosos: 7-0 ao Braga, 6-0 no Restelo, 6-0 ao Torreense e 5-0 ao Le Chaux-de-Fonds. Com o Real Madrid, a equipa do treinador romeno Elek Schwartz dá água pela barba ao pentacampeão europeu (hexa em 1966, um ano depois do desastre na Luz). Quem abre a lata é precisamente José Augusto. “Uma descida rápida pelo lado direito e apareci a cabecear para o golo.” Aos nove minutos de jogo, apenas. Eusébio encarrega-se de fixar o resultado ao intervalo em 3-0, aos 12 e 25 minutos. Ninguém segura o Pantera Negra. Já acontecera isso mesmo na final da Taça dos Campeões em 1962 (bis no 5-3) e nessa pré-época (2-1 em Cádiz, no Torneio Ramón Carranza).

Na segunda parte, “o Amancio reduz de calcanhar”, conta José Augusto, “mas nós reagimos com categoria”, por Simões (75’) e Coluna (87’). Até parece um treino, 5-1. O benfiquismo está de parabéns. O país idem idem. Com notável mau perder, o húngaro Puskas queixa-se do árbitro inglês Howley, enquanto o emblemático presidente Santiago Bernabéu aplaude o Benfica com uma nuance: “Há noites assim, cada tiro, cada perdiz.” À saída do estádio da Luz, a agitação é muita ma non troppo. Diz José Augusto. “Assino mais autógrafos agora do que quando era jogador.” Tsc tsc tsc. E a segunda mão? Ganha o Real Madrid por 2-1 e passa o Benfica. “Sabes como fomos para Madrid, ò Rui? De autocarro.” O mesmo que circularia pelas ruas de Lisboa, em Maio, na ressaca da final perdida para o Inter, em Milão (1-0 de Jair).

A estreia de Zidane

Olá, muito boa noite, cá nós a responder em direto do Estádio do Bessa para acompanhar mais uma noite europeia das equipas portuguesas. Desta vez é a estreia do Salgueiros… ‘Pera lá, ‘pera lá. Estádio do Bessa não combina com Salgueiros, só com Boavista. É verdade, sim senhor. Dia 19 setembro 1991, o Salgueiros atua em casa emprestada por imposição da UEFA, que não aceita as condições do Vidal Pinheiro para receber um jogo da Taça UEFA, com os franceses do Cannes. Ah, assim está bem.

O Salgueiros apresenta-se com Madureira; Pedro Reis; Abílio, Milovac, Paulo Duarte e Pedrosa; Nikolic, Rui França, Vinha e Álvaro Soares; Jorge Plácido. O treinador é Zoran Filipovic. Já o Cannes joga com Dussuyer; Sassus, Dreossi, Pollet e Bray; Fernández; Durix, Asanovic e Langer; Omam-Biyik e Zidane. ‘Pera lá, stop the press. Zidane?O Zidane? É verdade, sim senhor. É a terceira estreia da noite. Depois de Salgueiros e Cannes, um jovem chamado Zidane, mais tarde conhecido como Zizou, o homem que dá um Mundial à França em 1998 com dois golos de cabeça ao Brasil e ainda uma Liga dos Campeões ao Real Madrid em 2002 com um pontapé do meio da rua frente ao Bayer Leverkusen.

Por enquanto Zidane é só o Zidane. Com cabelo e tudo. E vestido de amarelo, o equipamento do Cannes. Passa despercebido, coitado. A glória é toda para o Salgueiros, vencedor do jogo pela margem mínima com um golo de Jorge Plácido, um avançado português que já atuara no Sporting mais FC Porto e até marcara dois golos (ambos a Malta, num insonso empate em 1987) em três internacionalizações pela seleção nacional.

O golo acontece aos 51 minutos, na sequência de um lançamento lateral. A defesa não alivia, Vinha (1,93 m) salta naturalmente mais alto que dois adversários e Jorge Plácido remata à meia volta. Está feito o 1-0, resultado mais que satisfatório. Será que Zidane se lembra? Talvez oui, talvez non. O certo é que o Salgueiros está em festa. E o futebol português também. Nessa primeira mão da 1.ª eliminatória, as cinco equipas ganham. Todas, sem exceção. No dia 18, quarta-feira, o Sporting cumpre o seu papel frente aos romenos do Dínamo Bucareste com um golo de Iordanov, o Benfica goleia os malteses do Hamrun Spartan por 6-0 (Yuran-4, Pacheco e Rui Águas) mais o Boavista, o das camisolas esquisitas, surpreende o Inter, detentor da Taça UEFA, por 2-1 (Barny, Marlon).

Vinte e quatro horas depois, na quinta-feira, o Bessa vive outra noite mágica com o já citado Salgueiros 1 Cannes 0. Também no Porto, o FCP bate o La Valletta, outro representante de Malta, por 3-0 (Kostadinov, Timofte, Mihtarski). Destes cinco dignos representantes, só três passariam à ronda seguinte. Pelo caminho ficariam Sporting (2-0 em Bucareste, após prolongamento) e Salgueiros. Com muita pena nossa, o Cannes de Zidane festeja a qualificação nos penáltis, após marcar a cinco minutos do fim por Omam-Biyik, o camaronês que entrara na história do futebol mundial pelo golo à Argentina no jogo de abertura do Mundial-90. No desempate, 4-2 (Jorge Plácido e Rui Alberto falham). Sem Salgueiros, a Europa já não tem piada. Até esta terça-feira. Zidane estreia-se em Portugal como treinador.