Quaresma no Besiktas é um homem feliz. Quando aterra em Istambul, as escadas do avião enchem-se de pessoas. O mar de gente envaidece qualquer um. Quaresma não é excepção. Ainda por cima, tem uma dívida a cobrar no Besiktas, de onde é despedido a seis meses do fim do contrato, em Dezembro 2012. A culpa é uma discussão com o treinador português Carlos Carvalhal, depois de uma substituição ao intervalo durante a eliminatória europeia com o Atlético Madrid. À altercação segue-se o despedimento.

Quaresma sai e nunca volta mais? Entra Julen Lopetegui em campo e resolve o jogo. Mais uma altercação (FCP 2014-15) e, voilà, Quaresma de volta ao Besiktas. Segue-se a apresentação da praxe. “Estou muito honrado e satisfeito por poder voltar a jogar no Besiktas. Toda a gente sabe a ligação especial que tenho com estes adeptos, estou muito contente por estará aqui. As sensações que tenho nesta altura são muito intensas. Deixam-me a pensar na forma como vou ter de corresponder ao amor destes adeptos. O importante agora é trabalhar duro. Não é importante saber quantos golos ou assistências vou fazer, o mais importante é sermos campeões.” Pormenor: o Besiktas não acaba em primeiro lugar desde 2008-09. Detalhe: o Besiktas é campeão em 2015-16. Vai daí, ei-lo na Liga dos Campeões por direito próprio. Como o Benfica, aliás. Esta quarta-feira à tarde.

À tarde? É verdade, à tarde. A Liga dos Campeões nem sempre se joga às 19h45. Às vezes, antecipa-se a hora. Na época passada, por exemplo, o Benfica joga às 16h00 em Astana (2-2) e às 18h00 “em” Zenit (2-1). Esta tarde é às 17h45. E porquê? Excelente pergunta. Palmas, clap, clap, clap. Ora bem, o governo turco tem umas manias e decide não aplicar o horário de inverno. Isso quer dizer que não muda a hora. Isso traduz-se numa diferença horária ainda maior em relação ao nosso país. Neste preciso momento, 11 horas, 41 minutos em Portugal Continental e 14 horas, 41 minutos na Turquia. Três horas de diferença.

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Ultrapassado este obstáculo logístico das horas, vamos aos factos. Se ganhar em Istambul, o Benfica passa aos oitavos-de-final a uma jornada do fim. Eeep eeep uraaaaaay. Problema: o Benfica não sabe ganhar na Turquia, entre dois empates e três derrotas, a última delas há um ano, vs Galatasaray (2-1). E agora? Calma, muita calma. Isto não é assim tão difícil. Sim senhor, o Besiktas 2016-17 continua sem perder com nove vitórias e sete empates, só que há o factor Quaresma. Como assim? Vestido à Besiktas, é um bom anfitrião para os portugueses. Que o digam Braga e Sporting.

Braga, 0-1

BJK. O jota é de Jimnastik. De ginástica, sim. Como qualquer clube multi-desportivo, o Besiktas tem ainda atletismo, voleibol (masculino e feminino), basquetebol (idem, idem), boxe, xadrez, bridge, andebol, remo, ténis de mesa e wrestling. Mas então e futebol? Também tem, sim senhor, mas não pratica. Pelo menos, com o Braga. Em vantagem pelo 2-0 em Braga, o Besiktas entra descomprometido, sem atinar um passe que seja. Carlos Carvalhal, bracarense de gema e ainda jogador e treinador do clube, abdica de um 9 e volta a optar por Quaresma solto lá na frente a vagabundear. Em vão, a tática não surte o efeito desejado. Porque o Braga, esse sim, pratica o futebol.

Impõe-se como se estivesse a atuar nas suas sete quintas e joga com 11 – e não com dez, como na semana anterior, com a injusta expulsão de Hélder Barbosa que desequilibra o jogo da primeira mão. O sufoco é impressionante. O Besiktas joga em casa e não manda nada. Defende como pode e nem passa do seu meio-campo. Ruben Amorim falha uma claríssima ocasião de golo aos 21’ e Lima corrige o erro do companheiro com um golo fácil, de baliza aberta, após ziguezagueante iniciativa de Alan, que rasga a defesa dos turcos com velocidade e oferece o 1-0 ao brasileiro, autor do 19.º golo da época.

O Besiktas acorda e equilibra o jogo, até porque entra Hugo Almeida. Agora é um 4×4. Entre portugueses, pois claro. De um lado, Hugo, Simão, Quaresma e Manuel Fernandes. Do outro, Quim, Nuno André Coelho, Ruben Amorim e Hugo Viana. Os turcos passam o meio-campo e cuidado com eles. Só que Quim é uma máquina e faz uma magnífica defesa a remate de Manuel Fernandes (40’). Quaresma também tenta as trivelas (42’) e Toroman vai de cabeça (52’) e então? Quim é pau para toda a obra. Inspirador. Pois bem, o Braga inspira, respira e parte novamente para o ataque. Aos 58’, Lima atira ao lado só com o guarda-redes Cenk pela frente e falha o 2-0. Até final, o Besiktas limita-se a enxotar o perigo da sua área dos remates de Alan (82’) e Hugo Viana (89’) para comemorar o injusto apuramento para os oitavos-de-final. O Braga merece, no mínimo, o prolongamento. Paciência. Ao menos, sai sem ter perdido qualquer jogo fora em 2011-12. Fraca consolação para quem joga bom futebol.

Sporting, 1-1

O Sporting 2014-15 faz um total de 53 jogos e Marco Silva só não usa o fato em uma ocasião, no jogo com o Vizela para a Taça de Portugal. É o suficiente para o Sporting rescindir o contrato com o recém vencedor da Taça de Portugal e alegar justa causa a fim de permitir a entrada de Jorge Jesus, bicampeão pelo Benfica. Três meses depois, o assunto volta à baila. O contrato de Jesus salta para a net, através do site Football Leaks. É um documento com 19 pontos e o nono fala em vestuário oficial. É um facto, o fato importa. E é para o usar. Até agora, dez jogos, todos com fato. O 11.º é hoje, no Atatürk, em Istambul, com o Besiktas. É a segunda jornada da Liga Europa. Ou não. Quer dizer, é e não é. O assunto do dia até nem é o jogo e sim o contrato. Jesus recebe uma remuneração anual ilíquida até 2018 no valor de cinco milhões e quatro euros. Delicioso, o pormenor dos quatro euros.

E se for campeão (algo que o Sporting não é desde 2002)? Dois milhões de euros. E se ganhar a Taça de Portugal? Meio milhão. E a Taça da Liga? Um quarto de milhão. Na UEFA, há valores para objectivos. Se passasse aos oitavos-de-final da Liga dos Campeões, 400 mil euros. Quartos, 600. Meias, 800. Final, um milhão. Levantar o troféu, quatro milhões. Okay, agora um cenário mais realista. Oitavos da Liga Europa, 100 mil. Quartos, 150 mil. Meias, 200 mil. Final, 300 mil. E ser campeão? Um milhão. Do mundo dos ses para o das certezas, a única garantia de Jesus é o encaixe de 200 mil euros pelo 1-0 do Benfica na Supertaça.

Sai a primeira pergunta sobre o assunto e Jesus desvia-se subtilmente. “Não há nada para esconder em relação ao que é o meu contrato. Não me preocupa nem à entidade patronal.” Perguntam-lhe se o timing da notícia é premeditado. “Claro.” Mais à frente, outra questão sobre o contrato e aí Jesus salta mais a língua. “O meu contrato está na CMVM. Desconto, e bem. Se todos descontassem como eu para o Estado Social… Desconto 60% do que ganho, sou uma das pessoas que faz muito bem a muitos desempregados. Agora qual a intenção? Isso não consigo compreender.”

https://www.youtube.com/watch?v=rEZZpruMXOA

Izmir 1993 e Ancara 2003. O Sporting visita Istambul pela primeira vez e tenta a primeira vitória na Turquia, após dois empates com Kocaelispor e Gençlerbirligi. E o currículo de Jesus em Istambul, como está? Um jornalista arrisca uma pergunta a falar-lhe de um só jogo, o da derrota com o Fenerbahçe (1-0) para a meia-final da Liga Europa 2013. Jesus corrige-o na hora. “Também já joguei com o Trabzonspor, pelo Benfica. Empatámos aqui 1-1 e o treinador deles até é este do Besiktas.” Siga. Coincidência das coincidências, Jesus volta a empatar 1-1 no pseudo-inferno do Besiktas. A culpa é de Teo Gutierrez, autor de três perdidas na cara do guarda-redes aos 12′ (Bryan), 37′ (William) e 51′ (Mané). Pelo meio, Bryan lá acerta na baliza e dá a merecida vantagem ao Sporting, desfeita por Töre já na segunda parte.